Lula deveria falar com Trump
Estadistas não têm fígado. Quaisquer divergências
pessoais que Lula possa ter com Trump deveriam ser deixadas de lado em nome do
interesse nacional. Mas Lula parece desejar o confronto
Logo que o presidente dos EUA, Donald Trump,
divulgou sua desaforada carta anunciando um tarifaço contra o Brasil, o
presidente Lula da Silva deveria ter assumido o papel de negociador-chefe,
dispondo-se a falar diretamente com Trump para discutir os termos do ultimato.
A razão é muito simples: a esta altura, está claro
que apenas Trump fala por Trump. Negociação de subalternos de Lula com
subalternos do presidente americano é perda de tempo, pois Trump só faz o que
lhe dá na veneta – inclusive castigar o Brasil em razão dos processos que
correm contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e das decisões do Judiciário
contra as big techs, empresas de tecnologia que administram redes sociais.
Lula deveria ter telefonado para Trump no instante
em que recebeu a carta do presidente americano e pedido esclarecimentos. Seria
uma oportunidade para dizer a Trump que o governo não tem como interferir nem
nos processos contra Bolsonaro nem nos veredictos do Supremo Tribunal Federal
contra as big techs, pois aqui vigora a separação constitucional dos Poderes.
No mesmo telefonema, por outro lado, Lula poderia se mostrar disposto a
conversar sobre as demais demandas de Trump a respeito das relações comerciais
dos EUA com o Brasil, que segundo o presidente americano são prejudiciais a seu
país. Seria a ocasião oportuna para o chefe de Estado brasileiro apresentar à
sua contraparte os dados que desmentem essa percepção
É pouco provável que Trump sequer fosse atender o
telefonema de Lula ou mesmo que fosse ceder ao presidente brasileiro em
qualquer desses pontos, mas isso não importa. O que interessa, neste momento, é
demonstrar verdadeiro interesse em preservar as relações com os EUA. E isso só
será possível se Lula liderar ele mesmo o diálogo com os americanos, mostrando
espírito aberto para ouvir o que Washington tem a dizer.
É isso o que faria um estadista. Lula fez o certo ao
deixar claro que a soberania brasileira não era negociável, mas o passo
seguinte deveria ser a construção de um canal de diálogo de alto nível nos EUA,
o que até agora não aconteceu. E não aconteceu, como bem sabemos, porque Lula
decidiu, em seu terceiro mandato, fazer do antiamericanismo a própria razão de
ser de sua política externa.
Para Lula, o distanciamento do País com os EUA é até
desejável, para deixar claro que o Brasil não depende nem precisa dos
americanos. A truculência de Trump em relação ao Brasil, nesse ponto, funciona
como o argumento que Lula e o PT precisavam para justificar a aproximação com a
China e a Rússia, líderes do bloco antiamericano. Assim, faz sentido que Lula
não pareça muito preocupado com a ofensiva dos EUA contra o Brasil. Ao
contrário, o tarifaço veio em boa hora para Lula, não só para reforçar os laços
com chineses e russos, como ele sempre quis, mas também para lhe dar um
discurso nacionalista e patrioteiro que pode render pontos preciosos na
campanha pela reeleição.
Por isso tudo, fica difícil esperar que Lula dispa a
roupa de candidato e vista a de presidente da República, a quem cabe liderar o
País neste momento crítico e fazer de tudo para estabelecer pontes com a Casa
Branca.
Estadistas de verdade não têm fígado. Quaisquer
divergências pessoais ou ideológicas que Lula possa vir a ter com Donald Trump
devem ser deixadas de lado em nome do interesse nacional. Desde o anúncio do
tarifaço, no entanto, Lula já disse que Trump quer ser “imperador do mundo”, já
declarou que “a guerra tarifária vai começar na hora em que eu der uma resposta
ao Trump, se ele não mudar de opinião”, e já afirmou que as democracias
latino-americanas (de esquerda, por suposto) devem se unir contra o “extremismo
intervencionista”. Não são frases de alguém que deseja genuinamente conversar
com Trump.
Está ficando claro, infelizmente, que para Lula não
importam muito os prejuízos do Brasil com o tarifaço ou com outras sanções
americanas, desde que o caso todo mantenha acesa a chama da indignação de parte
dos eleitores com Trump e com o bolsonarismo.
Opinião do Estadão
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