A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em
tramitação na Câmara que estabelece novas regras para precatórios pode abrir
uma brecha para aumentar o espaço para novas despesas no Orçamento deste ano,
sem resolver o problema que essas dívidas com sentenças judiciais representam
para a sustentabilidade das finanças públicas.
O relator, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), propôs
excluir das metas fiscais e do resultado primário do governo federal o valor
gasto com juros e correção monetária dos precatórios da União. Essa medida
chegou a ser proposta pelo Ministério da Fazenda em 2023, mas foi criticada por
economistas e pelo Banco Central.
Especialistas em contas públicas calculam que a PEC
pode aumentar o espaço fiscal em uma faixa de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões, a
depender do texto aprovado. Não há consenso, porém, sobre o impacto efetivo da
mudança, já que não existem dados específicos sobre os valores principais da
dívida e aqueles referentes a juros e correção monetária.
Investidores acreditam que o Congresso fará ajustes
no texto para criar um alívio no Orçamento sem precisar de aumento de impostos,
principalmente após a derrubada do decreto de alta do IOF (Imposto sobre
Operações Financeiras).
Nos bastidores, representantes do Ministério da
Fazenda iniciaram conversas com Baleia Rossi após a apresentação do relatório
na semana passada. Procurado, o relator não quis comentar.
Integrantes do governo enxergam na PEC uma
oportunidade de buscar uma saída para o impasse dos precatórios nos próximos
anos, de acordo com pessoas a par do tema.
Uma ala do governo prefere uma solução definitiva
que permita a retirada de todos os precatórios do limite de despesas. A votação
da PEC na comissão especial da Câmara está marcada para esta terça-feira (15).
A partir de 2027, todos os precatórios terão que
entrar no limite de gastos do arcabouço fiscal e ser contabilizados na meta
fiscal. Hoje, uma parcela das sentenças fica de fora, a partir de um acordo
costurado pelo governo com o STF (Supremo Tribunal Federal).
O fim dessa flexibilização é hoje um dos principais
problemas para as contas do governo federal, porque os precatórios retiram do
Orçamento espaço que poderia existir para investimentos e funcionamento da
máquina administrativa.
A PEC 66 também elevou a preocupação com mudanças
nas regras de pagamento dos precatórios de estados e municípios.
Relatório do economista-chefe da XP Asset, Fernando
Genta, chama a atenção para o impacto negativo da proposta. Segundo ele, a PEC
vai gerar uma bola de neve de endividamento nos estados e municípios.
Pelos cálculos do economista, a dívida dos precatórios
de estados e prefeituras, hoje estimada em cerca de R$ 240 bilhões, pode quase
quintuplicar e chegar a R$ 1 trilhão em 10 anos.
Ex-subsecretário de Políticas Macroeconômicas do
Ministério da Fazenda, Genta avalia que alguns pontos da PEC recriam uma
bomba-relógio, numa nova versão de pontos já declarados inconstitucionais pelo
STF há menos de dois anos.
Segundo ele, a alteração mais crítica é a redução
substancial dos limites de pagamento de precatórios como percentual da chamada
RCL (receita corrente líquida, dinheiro que efetivamente entra nos cofres
públicos após descontos obrigatórios) dos governos regionais.
Ele cita também o ponto do relatório que altera o
indexador utilizado na correção, com a taxa Selic sendo substituída por
inflação (IPCA) acrescida de 2% ao ano. “Flexibilizaram tanto os limites de
pagamento que, em muitos casos, a dívida sobe todos os anos. O máximo a ser pago
não dá nem para honrar os precatórios expedidos para um ano, quanto mais para
amortizar o estoque”, diz.
Como exemplo, ele lembra que o Tesouro Nacional
atualmente paga IPCA + 7% ao ano na emissão de novos títulos públicos de médio
e longo prazo, chegando a quase IPCA + 10% em vencimentos mais curtos. “A
medida induzirá todo mundo a não mais pagar todos os precatórios”, prevê.
Do lado dos precatórios do governo federal, Genta
calcula que o relatório pode abrir espaço de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões em 2025,
mas não em 2026.
O analista fiscal da XP Investimento, Tiago
Sbardelotto, estima um valor de R$ 14 bilhões em 2025. “A alteração na
classificação dos precatórios pode afetar o limite de despesas se houver uma
interpretação extensiva mas não deve abrir espaço adicional caso haja recálculo
da base do limite de despesas”, afirma.
Para o ex-secretário do Tesouro e atual chefe de
Macroeconomia da instituição financeira ASA, Jeferson Bittencourt, a redação da
PEC é ruim e não resolve o problema dos precatórios.
Ele vê problemas na definição de juros e correção
monetária como uma despesa financeira, como o previsto no parecer. Não adianta
eu chegar e dizer que uma despesa é financeira, sendo que economicamente ela é
uma despesa primária [que impacta o resultado das contas públicas]”, critica.
Para a Prefeitura de São Paulo, a desvinculação da
receita corrente líquida poderá reduzir pela metade o percentual separado pelo
município para pagar essas dívidas judiciais. Na regra atual, a gestão é
obrigada a separar 5% da RCL para honrar os precatórios.
Os percentuais que os estados e municípios terão de
comprometer da RCL para esses pagamentos dependerão do estoque calculado em 31
de dezembro deste ano. O número que sair dessa conta ficará fixo até 2035,
quando pode ser ajustado em meio ponto percentual.
Procurados, os ministérios da Fazenda, Planejamento
e não comentaram. Técnicos da Fazenda, no entanto, veem com preocupação as
mudanças nas regras para estados e municípios.
Folha de S.Paulo
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