Desde o começo do governo Lula (PT), a usina Itaipu
Binacional destinou cerca de R$ 5 bilhões para “gastos socioambientais”. Esse
gasto, que é repassado para a conta de luz dos brasileiros, pode ser ilegal.
É que esses investimentos – que incluem repasses ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e gastos com a COP 30, em Belém
(PA), entre outros – estão amparados em um acordo internacional de 2005, que
precisaria ter sido aprovado pelo Congresso, mas não o foi.
A conclusão é de um estudo inédito da Consultoria
Legislativa (Conle) da Câmara dos Deputados, elaborado a pedido da deputada
Adriana Ventura (Novo-SP).
A autorização para os “gastos socioambientais” de
Itaipu foi dada pela Nota Reversal nº 228 de 2005, firmada entre Brasil e
Paraguai, que são sócios na usina. A Nota Reversal é o instrumento jurídico
usado para modificar um acordo internacional – no caso, o Tratado de Itaipu
entre Brasil e Paraguai.
Segundo o parecer da Conle, a entrada em vigor da
Nota Reversal sem aprovação do Congresso é inconstitucional. Viola a
competência exclusiva do Congresso para decidir sobre tratados, acordos e
outros atos internacionais, sempre que estes resultarem em “compromissos
gravosos ao patrimônio nacional”. Essa regra está no artigo 49 da Constituição.
O parecer da Consultoria Legislativa contraria a
argumentação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) sobre o assunto.
Segundo o Itamaraty, o acordo que autorizou os “gastos socioambientais” não
precisava de aprovação do Congresso, por não criar uma nova despesa para a
União.
“O Congresso Nacional não é instância ancilar
(auxiliar) ou homologatória nesse rito. Ao contrário, ao Poder Legislativo cabe
o papel de representação da vontade dos diversos segmentos da sociedade civil,
por meio da discussão, fiscalização e decisão autorizativa sobre tratados
celebrados pelo Presidente da República ou seus representantes oficiais”, diz
um trecho do estudo da Consultoria Legislativa.
Diante da resposta da Consultoria Legislativa,
Adriana Ventura apresentou um requerimento de convocação do ministro das
Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Também propôs uma audiência pública na Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara, com o próprio Vieira, e
também com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o diretor-geral
brasileiro de Itaipu, Enio Verri.
Adriana Ventura apresentou ainda um Projeto de
Decreto Legislativo (PDL) para sustar os efeitos da Nota Reversal de 2005. Para
a deputada do Novo de São Paulo, a inclusão dos gastos socioambientais nos custos
de geração de energia de Itaipu é uma “ampliação indevida de encargos
financeiros para o Brasil”.
Essa ampliação se deu “por meio de instrumento
infralegal, sem a devida autorização do Congresso Nacional, em clara
extrapolação do poder regulamentar por parte do Poder Executivo”, segundo
escreveu a deputada na justificativa do projeto.
Itaipu quitou dívida em 2023, mas
redução da conta não veio
Em fevereiro de 2023, Itaipu Binacional terminou de
pagar uma dívida de cerca de 13 bilhões de dólares, contraída para custear a
construção da usina.
O fim do pagamento da dívida poderia significar uma
redução na conta de luz dos brasileiros – hoje, Itaipu fornece cerca de 7% da
energia consumida pelos brasileiros, mas esse montante chega a até 18% nos
momentos de pico.
Mas não foi o que aconteceu: os pagamentos da dívida
foram substituídos por “gastos socioambientais” da binacional.
Um estudo de setembro de 2024 da Academia Nacional
de Engenharia (ANE) mostra como a queda nos gastos com o serviço da dívida de
Itaipu foi substituída pelo aumento das “despesas de exploração” da usina,
infladas pelas “despesas socioambientais”. Em 2024, o custo com o serviço da
dívida foi zero, mas as despesas de exploração compensaram a queda e chegaram a
US$ 2,17 bilhões.
Dentro da rubrica estão desde o investimento em
obras para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP
30, que ocorre em novembro em Belém (PA), até pagamentos de R$ 81 milhões para
a Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná, ligada ao Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST).
Sairá da conta de luz dos brasileiros, por exemplo,
o gasto de R$ 180 milhões para “adequação do terminal portuário” de Outeiro, em
Belém, para que possa receber navios de cruzeiro que servirão de hospedagem
durante a COP.
“Nos últimos três anos a despesa de exploração foi
aumentando à medida em que o serviço da dívida foi sendo reduzido. Nesse
período, a despesa de exploração mais que triplicou, saindo de US$ 700 milhões
por ano para quase US$ 2,2 bilhões por ano. O serviço da dívida tinha prazo
para terminar, ao contrário das despesas com as ‘benfeitorias
socioambientais’”, diz um trecho do estudo da Academia.
Itamaraty: nota sobre Itaipu não
precisava de aprovação do Congresso
Procurado pela coluna, o Itamaraty reiterou o
entendimento de que a Nota Reversal nº 228 de 2005 não precisava de aprovação
do Congresso para entrar em vigor. Segundo o MRE, só precisam dessa aprovação
os atos internacionais que “acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional”.
“Eventuais novas interpretações sobre a tramitação
de notas serão consideradas pelo MRE quando formalmente encaminhadas a este
Ministério”, disse o Itamaraty.
Leia abaixo a íntegra da manifestação do
MRE:
“A Nota Nº 228 de 2005 não traz
dispositivos que tratem da estrutura tarifária da Usina, estabelecendo apenas
que iniciativas no campo da responsabilidade social e ambiental devem
inserir-se na missão da Itaipu Binacional.
O acordo por troca de notas de 31/3/2005
não foi submetido ao Congresso Nacional naquela ocasião, tendo em vista o
artigo 49, I, da Constituição Federal de 1988, que estabelece que devem ser
submetidos ao Congresso Nacional apenas os tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional.
Eventuais novas interpretações sobre a
tramitação de notas serão consideradas pelo MRE quando formalmente encaminhadas
a este Ministério.
A fixação da tarifa de Itaipu (Custo
Unitário do Serviço de Eletricidade – CUSE) é decisão que cabe a seu Conselho
de Administração. Para maiores informações sobre a formação da tarifa de
Itaipu, sugere-se contato com aquela empresa”.
Itaipu: dinheiro seria usado de qualquer
forma
À coluna, Itaipu disse que não comenta ações sob
responsabilidade do Itamaraty, como análises sobre Notas Reversais entre os
países-sócios. A binacional argumentou que seus gastos socioambientais não
oneram a tarifa da usina, já que os recursos aplicados nessas ações seriam
usados de qualquer forma.
A entidade disse ainda que foram feitos aportes da
ordem de 300 milhões de dólares no ano passado, para manter a tarifa congelada
até 2026.
Leia abaixo a íntegra da nota de Itaipu:
“A Itaipu não se manifesta sobre ações
de competência do Itamaraty, como em casos de análises sobre Notas Reversais de
autoria das Altas Partes Contratantes, a saber, os Ministérios de Relações
Exteriores dos dois países-sócios da usina.
Porém, consideramos importante destacar
que a missão socioambiental de Itaipu não onera a tarifa da usina. O recurso
aplicado em ações socioambientais estaria “no caixa” da Itaipu de toda forma,
uma vez que o valor da tarifa depende da aprovação consensual do Brasil e
Paraguai, os sócios da usina.
Com a quitação da dívida histórica em
2023, Itaipu reduziu o custo unitário de produção (CUSE) de US$ 22,60/kW.mês
para US$ 19,28/kW.mês. Para garantir que o consumidor brasileiro pague ainda
menos, US$ 16,71/kW.mês, uma redução de 26% em relação a 2021, a usina realiza
aportes extraordinários na Conta de Comercialização, totalizando US$ 300
milhões em 2024. Os aportes estão previstos até 2026, enquanto a tarifa está
“congelada” em US$ 16,71/kW.mês.
Hoje, o custo de Itaipu (R$ 238/MWh) também
é o terceiro menor entre os contratos de aquisição de energia pelas
Distribuidoras Cotistas e inferior ao Custo Médio da Energia (ACR) fixado para
2025 pela ANEEL (R$ 307,29/MWh). Por isso, podemos afirmar que a Itaipu tem
ajudado a aliviar as contas de milhões de famílias.
Além disso, o investimento
socioambiental é fundamental para a sobrevida da usina. Os aportes feitos em
ações dessa natureza evitam a chegada de sedimentos e o consequente
assoreamento do lago, impactando a disponibilidade hídrica para o reservatório,
ou seja, a chegada de água para a geração da Itaipu. Sem essas ações, a própria
capacidade de geração ficaria comprometida no futuro. É um investimento que
garante a longevidade da usina e a continuidade da produção de energia”.
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