Embalado pela defesa da taxação dos ricos em
benefício dos mais pobres e da “soberania”, após o tarifaço anunciado pelo
presidente dos EUA, Donald Trump, o governo Lula encontrou um discurso com viés
eleitoral e ganhou fôlego no momento em que a baixa popularidade ainda é um
entrave e preocupa aliados sob o ponto de vista da reeleição. Parlamentares
próximos ao Palácio do Planalto, no entanto, já manifestaram incômodo com a
limitação da estratégia. Para esse grupo, o Executivo deveria ampliar o leque
de ações e mirar em temas que possam agregar apoios, o que, de acordo com essa
visão, fica prejudicado com o acirramento da tática do “nós contra eles”.
O plano governista está em curso desde a derrota no
Congresso com a derrubada do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) e foi turbinado na semana passada, após Trump enviar a Lula
uma carta anunciando uma sobretaxa de 50% aos produtos nacionais, defendendo o
ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por suposta tentativa de golpe de Estado, e criticando
o Judiciário brasileiro.
Nas redes sociais, seara em que frequentemente são
derrotados pela oposição, os governistas desta vez foram mais eficazes e
superaram os adversários no embate sobre o tarifaço, segundo a consultoria
Arquimedes. Simpatizantes de Lula replicaram o tom usado pelo presidente e
focaram na “soberania nacional” em reação à ofensiva trumpista. O perfil
oficial do governo, por sua vez, lançou uma campanha: “Brasil com S de
Soberania”.
“O governo saiu das cordas e está conseguindo unificar
o país com o compromisso pela soberania e com setores da economia que exportam
e serão prejudicados. Isso consolidou um caminho para retomar a credibilidade”,
avalia o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
A análise é compartilhada pelo Palácio do Planalto,
mas auxiliares acreditam que o governo poderia ter mais impulso nas redes se
Lula gravasse vídeos focados em usuários das plataformas, como fez poucas vezes
desde que voltou à Presidência, há dois anos e meio. A estratégia foi conceder
entrevistas a emissoras de televisão e redistribuir o conteúdo no ambiente
digital.
Um dos eixos da comunicação é rivalizar com
Bolsonaro e tentar colar no opositor a imagem de alguém que está atuando contra
os interesses do país — a tática também foi aplicada contra o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que se viu obrigado a ajustar o
discurso em meio à crise. Lula fez vinculações diretas entre o ex-presidente e
o tarifaço e chegou a dizer que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP), que está nos Estados Unidos, foi “fazer a cabeça” de Trump.
“É um erro”
Antes de a crise com os EUA escalar, uma campanha
anterior já havia fornecido um respiro ao Executivo: a taxação da parcela mais
rica da população. Nesse tema, o governo também conseguiu uma vitória com a
apresentação, pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), do texto que isenta de Imposto
de Renda quem recebe até R$ 5 mil por mês e taxa em 10% quem ganha mais de R$
100 mil mensais.
“O debate político saiu das generalidades, encontrou
um foco e conseguimos furar a bolha. Houve um freio à oposição e foi aberto um
espaço para que o governo tenha uma adesão mais ampla da sociedade” diz o líder
do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE).
O cerne dessa estratégia digital nasceu fora do governo,
entre dirigentes petistas, e foi absorvido pela Secretaria de Comunicação
Social da Presidência (Secom) num momento em que se discutia a troca do slogan
institucional, abandonando a ideia de reconstrução do país e adotando a justiça
social. Peças publicitárias sobre bancos, casas de apostas e grandes fortunas
passaram a circular, algumas de forma espontânea, em perfis de apoiadores. Com
o passar dos dias, o Planalto abraçou o assunto.
O método, no entanto, não convenceu todos os
aliados. Em uma reunião com a bancada do PT na Câmara, a ministra de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann, ouviu de deputados a preocupação com o
acirramento do discurso. Ela defendeu o enfrentamento, mas teve de lidar com a
percepção de que o governo ainda não apresentou uma “saída política” para a
tensão, especialmente com o Congresso no caso do IOF. A inquietação é que o
discurso que opõe ricos e pobres tenha efeitos colaterais e estreite o caminho
eleitoral de Lula.
“A discussão do pobre contra rico é ruim. Essa
confusão pode gerar distúrbios imprevisíveis. Funciona para militância, mas
pode desorganizar o tecido social”, afirma o líder do PDT na Câmara, Mario
Heringer (MG).
A avaliação é compartilhada por outros parlamentares
de partidos da base, como o senador Otto Alencar Filho (PSD-BA):
“É um grande erro incentivar mais uma briga. As
coisas já não estão bem. Os micro e pequenos empresários não estão do lado do
governo, e a população está preocupada com a economia. É preciso coragem para
fazer reformas, cortar gastos, girar o PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento) e reduzir juros. Esse é o caminho”.
Um dos argumentos é que a campanha pode, com o
passar das semanas, isolar o governo e aproximar a centro-direita da direita, o
que prejudicaria alianças para 2026. Para esses críticos, antes de dar
continuidade, a gestão petista precisa definir com clareza seus objetivos: se
pretende rachar com partidos como União Brasil e PP ou buscar uma recomposição
da base no Congresso.
Articuladores políticos passaram a defender publicamente
uma rodada de conversas com as legendas da base. Guimarães chegou a falar em
“ajuste geral” e “recomposição de base” após a derrota do IOF, enquanto o
ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou ser a hora de “discutir a relação”.
Na prática, porém, essas conversas ainda não começaram.
O Globo
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