A crise com o governo em torno do IOF (Imposto sobre
Operações Financeiras) expôs estratégias diferentes dos presidentes da Câmara,
Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Enquanto o primeiro tomou a dianteira na derrubada do decreto do presidente
Lula (PT), e se tornou alvo de ataques da esquerda, o senador optou por postura
mais discreta, nos bastidores, e passou quase incólume.
A pressão maior nas redes sociais sobre o presidente
da Câmara fez com que ele se queixasse ao Palácio do Planalto. Motta acabou
defendido publicamente pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi
Hoffmann (PT), e pelo líder de Lula na Câmara, o deputado José Guimarães
(PT-CE), contra os "ataques pessoais".
Aliados de Motta disseram à reportagem que o
deputado ficou muito exposto nessa situação. Além de ter partido dele a decisão
de pautar o projeto para sustar o aumento do IOF, o que pegou o governo e até a
oposição de surpresa, o parlamentar gravou um vídeo específico para as redes
sociais para defender sua posição.
Motta e Alcolumbre foram procurados via assessoria
de imprensa e não responderam.
Dois interlocutores de Motta classificam até mesmo
como um erro essa conduta e dizem que ele precisa compartilhar essa
responsabilidade também com o Senado. Outros deputados se queixaram que a
postura do presidente da Câmara fez com que os ataques fossem direcionados
quase que exclusivamente à Casa e poupassem os senadores.
Essa percepção dos deputados é traduzida no volume
de comentários nas redes sociais.
De acordo com a consultoria Bites, o deputado foi
citado em 1,08 milhão de posts desde 17 de junho, um dia após a Câmara aprovar
regime de urgência para o projeto que sustou o aumento do IOF. No mesmo
período, Alcolumbre foi mencionado em 212 mil publicações.
As menções ao presidente da Câmara, em apenas 15
dias, representaram quase 30% de tudo o que foi falado sobre ele em todo o ano
de 2025. E se intensificaram nesta semana, após um ataque coordenado da
esquerda para levar à internet o discurso de que Lula estaria atuando em favor
dos mais pobres, enquanto o Congresso defenderia os ricos.
Somente na quarta-feira (2), Motta foi citado em
169,6 mil postagens no X (ex-Twitter), em contas relevantes de Instagram,
páginas abertas de Facebook, Reddit, fóruns, blogs e sites de notícias. Foram
outras 205,5 mil menções na quinta, ainda segundo a Bites. O presidente da
Câmara nunca tinha sido objeto de tanta atenção até então.
Antes, ele só tinha passado de 100 mil menções mas
redes em um mesmo dia em 20 de março (115,9 mil), quando era alvo do campo
oposto, cobrado pela oposição bolsonarista para pautar o projeto de lei que
anistia os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Essa
pressão continuou em abril, mas sem ultrapassar a marca de 100 mil comentários.
Alcolumbre, por outro lado, gerou mais atenção em
outros momentos do ano, como quando foi alvo de bolsonaristas por suposto
favorecimento a um assessor em repasses de emendas.
O presidente do Senado também optou por fechar seu
Instagram para comentários, após o volume de críticas crescer. Motta manteve
seu perfil aberto e viu o número de comentários superar em três vezes o de
curtidas.
Dois aliados de Motta minimizam os ataques nas
redes. Eles dizem que, historicamente, o presidente da Câmara é mais atacado do
que o do Senado e afirmam que o deputado nunca esteve tão forte politicamente.
Segundo eles, o episódio do IOF deu um novo patamar à presidência de Motta e
ajudou a nacionalizar sua imagem.
Um líder classifica como desproporcionais as críticas
que o deputado têm recebido nas redes. Ele argumenta que até mesmo integrantes
da base de Lula e de partidos de esquerda, como PDT e PSB, votaram a favor de
derrubar o decreto mas não estão sendo criticados.
Outro aliado de Motta diz enxergar dedo do governo
nas críticas ao Congresso feitas nas redes sociais e avalia que o discurso de
"nós contra eles" pode tensionar ainda mais a relação com o
Executivo, num momento em que o governo precisa aprovar matérias de seu
interesse.
Interlocutores dos presidentes da Câmara e do Senado
ressaltam que há uma sintonia entre os dois, que costumam viajar juntos e atuar
alinhados, e negam qualquer ruído. O episódio evidenciaria a diferença de
perfil de cada um deles.
Há também diferenças na relação com o governo. Integrantes
do Executivo não negam desconforto com o deputado paraibano, sobretudo por ele
não ter avisado ministros ou articuladores do governo no Congresso sobre sua
decisão de levar a derrubada do IOF para a pauta de votações, na semana
passada. O próprio presidente Lula classificou, nesta semana, a decisão como
"absurda", citando Motta.
O petista não adotou a mesma postura com Alcolumbre,
apesar de o presidente do Senado ter levado o projeto à pauta imediatamente
após a Câmara aprová-lo, na mesma noite. O senador retribuiu dizendo que o
Executivo tem legitimidade de recorrer à Justiça contra a derrubada do decreto.
Já aliados do deputado criticaram a ação do Executivo no STF (Supremo Tribunal
Federal).
Desde a derrubada dos decretos, Lula não falou com os
presidentes das Casas. Após o Senado aprovar proposta que eleva receitas da
União com petróleo, na terça (1º), o líder do governo no Congresso, Randolfe
Rodrigues (PT-AP), ligou para o presidente da República para informar o
resultado e ressaltar o empenho de Alcolumbre na votação. Como resposta, ouviu
do petista que transmitisse os agradecimentos ao presidente do Senado.
Em entrevista à TV Bahia, Lula disse que pretende
conversar com Motta e Alcolumbre quando voltar a Brasília, a partir de segunda.
Folha de São Paulo
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