A investigação sobre os descontos indevidos em
aposentadorias do INSS indica que pessoas especialmente vulneráveis teriam sido
vítimas de fraude: moradores de zonas rurais com dificuldades para acessar a
internet e se deslocar até um posto da Previdência Social, pessoas com
deficiência, doentes com impossibilidade de locomoção e analfabetos.
Um caso emblemático, segundo a investigação, é o de
um aposentado de Manacapuru (AM), que estava vinculado à Associação de
Desenvolvimento Rural Família Feliz, de São Gabriel da Cachoeira (AM).
A Controladoria-Geral da União constatou que é
necessária uma viagem de 957 km, com trechos percorridos de táxi e barco, para
ir de um município a outro. O deslocamento tomaria cerca de 27h30.
“É improvável que um aposentado de 78 anos fosse
percorrer tamanha distância para se associar, assim como também é improvável
que funcionários da associação fossem percorrer tantos quilômetros em busca de
associados”, afirma a CGU em trecho reproduzido pela Polícia Federal.
“E ainda que a vinculação associativa exista, seria
muito difícil a prestação de quaisquer serviços pela entidade a tão longa
distância”, continuou o órgão.
As investigações sobre fraudes no INSS foram
tornadas públicas na última quarta (23), quando a PF e a CGU fizeram uma
operação para apurar desvios que podem chegar a R$ 6,3 bilhões.
A CGU identificou 14 aposentados ou pensionistas
vinculados a entidades em municípios diferentes daqueles em que moram com
descontos em seus vencimentos, mesmo com a possibilidade reduzida de aproveitar
eventuais benefícios proporcionados pelas organizações.
“Como agravante dessa situação, tem-se o fato de o
público-alvo desta conduta irregular ser idoso, a maior parte residente na zona
rural, sem transporte próprio, e que possui dificuldades de acesso à internet e
de deslocamento a uma agência do INSS para atendimento e esclarecimento de
dúvidas”, afirma o trecho da CGU citado pela PF.
As autorizações para esses descontos questionados
pela controladoria no documento, incluindo o do aposentado de Manacapuru, foram
organizadas pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e
Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer). A entidade afirma que
está à disposição dos órgãos de controle e que atua diretamente na garantia de
direitos previdenciários de diversos grupos.
As informações estão no documento que a Polícia
Federal elaborou para sustentar pedidos de medidas cautelares contra pessoas
investigadas no caso. O texto reproduz trechos de apurações da CGU e tem
considerações da própria polícia.
De acordo com relatório, até pessoas com
deficiências que as impediriam de assinar a autorização para os descontos em
seus vencimentos estariam entre as vítimas.
“Houve, ainda, relatos de entrevistados que
responderam em nome dos titulares dos beneficiários sobre a impossibilidade de
eles terem assinado termos de autorização e fichas de filiação, considerando
serem pessoas com deficiência que os impede dessa manifestação de vontade,
assim como impossibilitados de locomoção por doença grave, indígena que reside
em aldeia e não saber ler ou escrever, ou residentes no exterior e que não
tiveram contato com associações quando estiveram no Brasil”, afirma a CGU.
Como parte das investigações, a CGU fez uma série de
entrevistas com aposentados do INSS para averiguar se os descontos que estavam
sendo efetuados eram legítimos. Segundo a investigação, 1.172 dos 1.198
entrevistados disseram não ter autorizado o desconto.
Além disso, foram identificados casos, de acordo com
os relatórios, em que um novo desconto foi cadastrado depois de o aposentado
pedir o cancelamento de outro registrado anteriormente.
“A utilização de ferramentas digitais por uma
minoria dos beneficiários do INSS limita a capacidade de o cidadão identificar
possíveis descontos realizados sem sua autorização, situação agravada em função
da fragilidade de controle relacionadas à inclusão desses descontos na folha de
pagamento”, diz outra afirmação da CGU reproduzida pela Polícia Federal.
Após listar os casos apontados pela CGU, a PF
conclui que “a proteção aos vulneráveis não é realizada de maneira escorreita
[sem defeito, impecável, correto] pelo INSS”. “Ao contrário, a prática corrente
na autarquia enfraquece a proteção aos hipossuficientes.”
A assessoria de comunicação do INSS foi procurada
pela Folha para comentar a afirmação da PF. Respondeu que o órgão já havia se
manifestado sobre o assunto em nota publicada na sexta (25), na qual afirma que
acordos do INSS com as entidades foram suspensos.
“A medida é fruto de trabalho de cooperação entre o
Ministério da Previdência Social, por meio do setor de inteligência
previdenciária, INSS, CGU e Polícia Federal. A devolução dos descontos
associativos não reconhecidos pelos beneficiários –ocorridos antes de abril de
2025– serão avaliados por grupo da Advocacia Geral da União que tratará do
tema”, afirma a nota.
Folhapress

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