Basta fazer uma rápida compra no mercado, seja em
grandes capitais ou em pequenas e médias cidades do país, para entender por que
o preço dos alimentos está entre as maiores preocupações do cidadão comum e
virou um desafio permanente para o governo Lula, afetando negativamente a
avaliação do presidente.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação oficial, ficou em 0,64% em
março, desacelerando em relação à taxa de fevereiro (1,23%). Apesar de perder
força, o indicador foi alavancado pela resiliência da inflação do grupo de
alimentos e bebidas, que avançou 1,09% e respondeu por 0,24 ponto percentual do
IPCA-15 no mês passado.
Em fevereiro deste ano, ainda segundo o IBGE, a
inflação dos alimentos havia sido de 0,61%. No acumulado de 12 meses até março,
a alta é de 7,42% – bem acima dos 5,26% registrados pelo IPCA-15 no mesmo
período.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta
de inflação no Brasil para este ano é de 3%. Como há um intervalo de tolerância
de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ela será cumprida se ficar
entre 1,5% e 4,5%.
Fenômenos climáticos
De
acordo com especialistas ouvidos pelo Metrópoles, uma combinação de fatores
explica o aumento nos preços dos alimentos no Brasil, em um fenômeno que já não
é tão recente e se agravou nos últimos anos. Eventos climáticos extremos, com
períodos de chuvas mais intensas ou de secas prolongadas, acabaram
influenciando diretamente a oferta e o volume da produção. Além disso, a
demanda por produtos do agro brasileiro ficou mais aquecida tanto no mercado
interno quanto no externo.
“À medida que a inflação de alimentos se sustenta
acima da inflação média, isso significa que colocar alimento na mesa está
pesando mais para as famílias. Se os salários são corrigidos pelo IPCA médio e
os alimentos sobem mais do que esse índice, essa remuneração não acompanha a
inflação de alimentos. Você tem de gastar mais para consumir a mesma quantidade
de comida”, explica o economista André Braz, coordenador dos Índices de Preços
do FGV Ibre.
“De 2020 para cá, tivemos a pandemia, que criou
graves problemas nas cadeias produtivas globais. O custo para que os alimentos
chegassem à mesa das famílias aumentou muito. Depois tivemos eventos climáticos
sérios, como a crise hídrica de 2021, que elevou o preço dos alimentos por
causa da pouca chuva”, observa Braz. “Em 2022, tivemos a guerra entre Rússia e
Ucrânia, que também elevou os preços de algumas commodities, encarecendo as
carnes em geral. Em 2023, houve até uma queda no preço dos alimentos, mas muito
pequena frente ao aumento acumulado. E, finalmente, em 2024, tivemos o El Niño,
que resultou em fortes chuvas, e o La Niña, que secou algumas áreas do país,
levando à quebra da safra de café.”
O fenômeno El Niño, por exemplo, provoca o
aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, causando profundas alterações
nos padrões climáticos globais – o que afeta diretamente a agricultura. No
Brasil, regiões como o Norte e o Nordeste ficaram mais secas, enquanto o Sul do
país sofreu com o excesso de chuvas, como ocorreu entre abril e maio do ano
passado na tragédia climática do Rio Grande do Sul.
Demanda maior
Outro
fator que ajuda a explicar a inflação persistente dos alimentos no Brasil é o
aumento da demanda interna, provocado pelo aquecimento da economia. Segundo
dados divulgados pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 3,4%
em 2024, depois de já ter avançado 3,2% no ano anterior. A taxa de desemprego
no país, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua
(Pnad Contínua), ficou em 6,8% em fevereiro – o menor nível para o mês desde
2014.
“Nos últimos anos, a economia brasileira vive uma
fase bastante aquecida, com índices fortes de crescimento. Quando olhamos para
o desemprego atual, é uma taxa baixa para os padrões brasileiros”, afirma André
Diz, professor de MBA do FGV Agro. “Tudo isso sinaliza uma economia aquecida,
com o mercado de trabalho crescendo no número de ocupados e no salário médio.
Uma parte disso [inflação dos alimentos] é por causa do crescimento da economia
brasileira. Esse crescimento da renda acaba se materializando na forma de
demanda por alimentação”, explica.
No ano passado, o mercado aquecido foi um dos
responsáveis pelo aumento no preço da carne. A procura interna pela proteína
foi grande, ao mesmo tempo em que diversos fornecedores do exterior – como os
Estados Unidos e a Austrália – recorreram ao Brasil para suprir problemas de
suas produções.
Dólar e incerteza fiscal
Outra
explicação apontada pelos analistas é a valorização do dólar frente ao real
observada no fim do ano passado. A alta da moeda norte-americana em relação à
brasileira é considerada determinante para o aumento do preço doméstico dos
alimentos, que está ligado aos valores praticados no mercado internacional
(determinados em dólar).

Nenhum comentário:
Postar um comentário