O Ministério da Cultura acumulou 29,7 mil projetos
de fomento cultural, para atividades como shows, exposições e peças teatrais,
sem prestações de contas analisadas. O “apagão” na fiscalização soma R$ 22
bilhões em verbas públicas sem destinação verificada e representa a ampliação
de um problema crônico na pasta – e que a ministra Margareth Menezes prometeu
solucionar.
Para efeito comparativo, o custo mensal do Programa
Bolsa Família é de aproximadamente R$ 13 bilhões.
Em nota, o ministério afirmou que os dados citados na
reportagem são preliminares e que gestões anteriores mascararam o tamanho real
do passivo, o que justificaria o aumento. Disse ainda que enfrenta o estoque
com estratégia de otimização de processos internos (leia mais abaixo).
O problema não é novo. Aparece em denúncias e
fiscalizações desde meados dos anos 2000. Contudo, apesar das promessas de
solução e de anúncios de forças-tarefa para resolver o passivo, o cenário da
gestão atual diante do problema aponta para ineficácia e para “desgovernança
generalizada”, segundo análise feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Os dados históricos e a análise de como o tema é
enfrentado pelo ministério estão em um relatório técnico sigiloso do TCU dia 18
de novembro. O documento, obtido pelo Estadão, mostra ações ineficazes,
afrouxamento de fiscalização e servidores sem capacitação.
“A permanência de um estoque de processos dessa
magnitude, por tantos anos e no montante de recursos apontado, revela que se
trata de um problema crônico e complexo na pasta ministerial, cujas ações até
então adotadas para solucioná-lo não têm apresentado o resultado almejado. A
despeito das últimas ações adotadas pelo ministério para a redução do estoque
de processos, o saldo final do passivo de prestação de contas pendentes de análise
aumentou ao longo dos últimos quinze anos”, frisou o relatório.
Controle por ‘Excel’ e falta de treinamento
O quadro no ministério é piorado por um
“descumprimento crônico” de prazos máximos de análise e pela ausência de
mecanismos internos para controle de prazos. Apesar das ações apresentadas pelo
ministério à fiscalização, o TCU frisou “não haver normativos internos” na
pasta que “definam os tempos máximos em que cada etapa da análise do processo
de prestação de contas deve ocorrer”.
Um dos trechos mais críticos da auditoria revela o
amadorismo no controle do dinheiro público. Técnicos do TCU detectaram que o
monitoramento de prazos de prescrição (quando a dívida caduca) é feito em “uma
planilha em Excel alimentada manualmente”.
A ferramenta foi considerada inútil pelos auditores,
pois a planilha ignora notificações e andamentos que reiniciam a contagem do
prazo. Ou seja: o sistema pode apontar que a dívida caducou, quando na verdade
o governo ainda teria tempo legal para cobrá-la.
Pior: em reunião com o TCU, servidores da área
responsável demonstraram “não conhecer a diferença entre prescrição
intercorrente e quinquenal”, indicando grave falta de capacitação.
Os quase 30 mil projetos culturais com prestações de
contas pendentes são de praticamente todas as naturezas, como oriundos das leis
Rouanet, Paulo Gustavo e Aldir Blanc, além de acordos de cooperação e
transferências diretas.
Nesse universo de projetos não fiscalizados, há um
conjunto que pode chegar a até 1,3 mil que já prescreveram. Ou seja, mesmo se
detectada alguma irregularidade, o ressarcimento ao erário não é mais possível
porque as contas são consideradas automaticamente aprovadas. Estima-se que
esses projetos culturais com contas prescritas podem ter recebido até R$ 1,2
bilhão.
O dano, contudo, não se encerra na perda desses
valores; ele compromete também a integridade dos repasses futuros. A detecção
de uma irregularidade funcionaria como uma trava, impedindo o infrator de
captar novos recursos. Sem essa fiscalização, o gestor permanece apto no
sistema. Isso cria uma distorção grave: o Estado corre o risco de continuar
destinando verbas novas justamente para quem não deveria estar recebendo.
Há ainda os casos em que as prestações de contas nem
sequer foram apresentadas e mesmo assim encontram-se com análises pendentes,
sem que o governo tenha informações básicas sobre a aplicação dos recursos
liberados. A partir de projeções sobre amostras de projetos analisados, o TCU
estimou que os projetos que omitiram prestações de contas podem representar até
R$ 30,7 milhões em um limbo.
O relatório também ressaltou que o ministério não
tem sido efetivo nas providências para responsabilizar e reaver recursos nos
casos de irregularidades confirmadas.
“(Análises) revelam múltiplas fragilidades e um
quadro de desgovernança generalizada na gestão das prestações de contas,
permitindo concluir que o Ministério da Cultura não está contribuindo para a
efetividade da responsabilização e da recuperação de recursos nos casos de
irregularidades em prestações de contas”, frisa o texto.
Estadão

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