Eleito com a promessa de aumentar a transparência, o
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem promovido recorrentes
gargalos na divulgação de dados com atrasos ou no aumento da periodicidade da
disponibilização de informações. Além disso, o petista manteve o nível de
recusa nos pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) no mesmo patamar da
gestão de Jair Bolsonaro (PL) e segue, assim como seu antecessor, decretando
diferentes sigilos de 100 anos.
“Transparência foi promessa eleitoral expressa. Isso
gerou expectativas muito maiores da população se comparado ao governo anterior.
Não basta o presidente reverter retrocessos, a população espera que ele nos
leve a um novo patamar de transparência. Isso ainda não aconteceu”, afirma
Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora executiva da Fiquem Sabendo,
organização que trabalha para ampliar o acesso às informações produzidas por
órgãos públicos brasileiros.
A Controladoria-Geral da União (CGU) argumenta o
patamar de pedidos aceitos cresceu na atual gestão e defende que, desde
setembro, a regra para os ministérios é decretar um sigilo máximo de 15 anos.
Caso as pastas entendam que é necessário um prazo maior, a decisão deve ser
justificada, o que não ocorria antes. A CGU pontua ainda que um projeto de lei
para acabar com o prazo máximo de 100 anos de restrição de acesso a informações
pessoais está em fase final de elaboração.
Na semana passada, o ministro da Educação, Camilo
Santana, determinou a publicação de dados de alfabetização do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) depois que o presidente do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manoel
Palacios, havia decidido não divulgá-los até que novos estudos fossem
realizados. O teste do Saeb para essa etapa escolar foi criado em 2019. Na
semana passada, Palacios revelou que a aplicação de 2023 teve problemas na
amostragem, o que fez com que o resultado de alguns estados tivesse margem de erro
de até 21 pontos percentuais. Ele afirma que, por isso, optou por esperar para
publicar o dado apenas após análises dos problemas, que ainda estão sendo
realizadas.
A decisão pela publicação só foi tomada após
reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” mostrar que o dado não seria liberado.
Apesar dos problemas nos estados, Palacios sustentou que não via problema na
divulgação do resultado referente ao país. Ele apontou que, em 2023, havia 49%
das crianças sem alfabetização adequada, com uma margem de erro de apenas três
pontos percentuais. Em 2019, eram 55%.
Pelo menos três conjuntos de informações do MEC
sofreram com atrasos neste ano. Na lista, estão os resultados do Censo Escolar
(um levantamento estatístico de colégios e matrículas) de 2024, que deveriam
sair em janeiro e só estarão disponíveis essa semana; o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (Enade) 2023, marcado para agosto de 2024 e até agora
sem previsão exata; e os microdados do Saeb. Pesquisadores em educação têm
relatam gargalos para análises mais aprofundadas, que comprometem o
acompanhamento de políticas como o Pé-de-Meia.
“Transparência “boa” é aquela que tira da zona de
conforto, que permite à sociedade cobrar e fiscalizar, empodera o cidadão. Bons
gestores deveriam ficar felizes com uma sociedade civil ativa que pode prestar
“consultoria” gratuita com a fiscalização. Interferências na divulgação de
dados geram desconfiança, em especial quando seus motivos são mal comunicados
ou baseados em razões sem fundamento na legislação”, diz Maria Vitória Ramos,
do Fiquem Sabendo.
Outras áreas do governo também registraram gargalos
na divulgação de dados. A última informação disponível sobre a fila do INSS,
por exemplo, é de dezembro de 2024. Essa divulgação era feita com apenas 40
dias de diferença. Atualmente, são quatro meses entre o boletim e o mês de
referência. Em julho de 2024, eram 1,54 milhão de pessoas requerendo benefícios
sociais e previdência. No último mês do ano passado, esse número passou para
dois milhões.
Ao GLOBO, o Ministério da Previdência Social afirmou
que, em nenhum momento, houve “apagão” e responsabilizou um atraso na
publicação do Boletim Estatístico devido a inconsistências em dados, de
responsabilidade da Dataprev, “sendo este um motivo totalmente alheio à
capacidade do ministério para divulgar o boletim mensalmente”. A empresa foi
procurada e não respondeu.
Já o Ministério da Saúde deixou de publicar
regularmente os boletins que traziam dados sobre doenças no território
Yanomami, maior reserva indígena do Brasil. Em 2023, foram registradas mais
mortes do que no ano anterior, o último do governo Bolsonaro. Depois disso, os
relatórios deixaram de ser mensais. O último, divulgado em janeiro de 2025, só
tem o número de óbitos do primeiro semestre de 2024 — em que houve uma queda em
relação ao mesmo período do ano anterior.
Em nota, a pasta afirmou que, em março desse ano,
“criou uma força-tarefa para padronização dos dados de agravo e mortalidade
indígena, de modo a atender parâmetros técnicos adequados para o acompanhamento
e monitoramento desses fenômenos”. Eles estão “revisando os métodos de coleta e
de sistematização desses dados, para sua divulgação oportuna”.
O patamar de negativas a pedidos feitos via Lei de
Acesso à Informação (LAI) também indica que a transparência não avançou no
governo Lula. A proporção de rejeição é a mesma do governo anterior, ambos em
cerca de 7%. Em janeiro, O GLOBO revelou que, de 1º de janeiro de 2023 até 20
de dezembro de 2024, foram 3.210 pedidos de LAI negados sob a justificativa de
se tratarem de dados pessoais — o que, na prática, representa impor o sigilo de
100 anos. Isso significa um aumento de 8,4% na comparação com o mesmo período
da gestão Bolsonaro, quando a medida foi decretada 2.959 vezes.
A CGU defende que o atual patamar de recusa está
dentro da média histórica desde que o dispositivo foi criado, em 2012, e que o
acesso concedido à informação nos anos de 2023 a 2025 corresponde a 80,1% dos
pedidos respondidos pelos órgãos e entidades do Poder Executivo federal. Entre
2019 e 2022, esse número é de 72,1%. “Comparando também as negativas de acesso
à informação por dados pessoais nos primeiros 2 anos deste governo e do
anterior, constata-se que entre 2019 e 2020, o acesso negado por dados pessoais
foi de 18,93% em relação à quantidade de pedidos negados no mesmo período.
Entre 2023 e 2024, o acesso negado por dados pessoais foi de 16,3%. Isso
representa um perfil de menor negativa por dados pessoais no governo atual,
correspondendo a um decréscimo de 13,8% com relação ao governo anterior”, diz a
nota.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário