Caio de Melo Ramos tinha três anos de idade quando
foi diagnosticado com transtorno do espectro autista por um médico do Sistema
Único de Saúde (SUS), que indicou a realização de consultas com especialistas.
Sua mãe, a dona de casa Priscila Melo, foi então em busca de neurologista, psicólogo
e fonoaudiólogo. Após cinco anos de espera, só conseguiu levar o filho no
primeiro. Nas demais especialidades, segue na fila.
— Não me deram previsão. Entrei em contato com a
agente de saúde que me atendia e ela disse que tenho que esperar, não tenho o
que fazer. Ficamos à mercê. Enquanto isso, meus filhos precisando e regredindo
— disse Priscila, moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, cujo segundo
filho também foi diagnosticado com autismo.
A situação de Priscila e dos filhos não é exceção.
Uma radiografia inédita das filas do Sistema Único de Saúde (SUS) revela que
nunca se levou tanto tempo para se conseguir uma consulta médica com um
especialista na rede pública do país.
Números do Ministério da Saúde obtidos via Lei de
Acesso à Informação (LAI) mostram que pacientes precisaram aguardar, em média,
quase dois meses (57 dias) para serem atendidos em 2024. A espera durou mais
até do que o registrado durante a pandemia de Covid-19, em 2020, quando a média
foi de 50 dias, até então a maior marca da série histórica iniciada em 2009.
O levantamento foi possível após cruzamento de dados
do Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), software usado pelo governo federal
para gerir o acesso à saúde. Os dados mostram que, a exemplo do filho de Priscila,
5,7 milhões de pessoas aguardavam por uma consulta em janeiro deste ano em todo
o país. É como se 4 de cada 5 habitantes do Rio estivessem esperando um
atendimento médico naquele momento.
5,7 milhões de pessoas estavam na fila do SUS para
consultas em janeiro
O tempo médio para uma consulta, que engloba as 84
especialidades disponíveis no SUS, nas 27 unidades da federação, contudo,
mascara a realidade de locais onde conseguir ser atendido é um exercício de
paciência. O maior prazo, segundo os dados, é para quem precisa de uma
avaliação de um especialista em genética médica, indicada para casos de
anomalias congênitas, no Mato Grosso. Do pedido de agendamento até o paciente
ser recebido no consultório médico são, em média, 721 dias — ou seja, dois anos
de espera.
O tempo pode ser menor quando se trata de
especialidades menos complexas. A principal demanda do SUS no ano passado, por
exemplo, foram pelas consultas oftalmológicas, que tiveram 175,9 mil
solicitações. Neste caso, considerando a média do país, a espera pelo
atendimento foi de 83 dias, quase três meses.
O Ministério da Saúde afirma que a redução no tempo
de espera de consultas, exames e cirurgias no SUS é a prioridade do novo
ministro, Alexandre Padilha, que tomou posse na segunda-feira no lugar de Nísia
Trindade. A troca teve como um dos principais motivos as dificuldades da
ex-titular da pasta em avançar com o Programa Mais Acesso a Especialistas,
lançado em abril do ano passado com o intuito de tornar mais rápido o acesso da
população ao atendimento em cinco áreas com mais demanda (oncologia,
oftalmologia, cardiologia, ortopedia e otorrinolaringologia). Em busca de uma
marca para seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem
cobrado resultados, pois quer transformar o programa em vitrine eleitoral em
2026.
Em nota, a pasta afirmou que tem adotado iniciativas
que já ajudaram a reduzir filas e, no ano passado, “registrou recorde
histórico” de cirurgias eletivas. “Foram mais de 14 milhões de procedimentos
realizados, um crescimento de 37% em relação a 2022”, diz a nota.
Apesar de o sistema usado pelo Ministério da Saúde
ser a única base de dados do governo federal para saber a situação das filas, a
pasta afirma que os números são falhos. Nem todos os estados preenchem o sistema
de forma adequada. Capitais como São Paulo, Rio e Belo Horizonte, por exemplo,
possuem ferramentas próprias de controle, que não são integradas ao da Saúde.
O Globo

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