Quando você dá uma topada de dedão no pé da cama, é
bem provável que a primeira coisa que saia de sua boca seja um palavrão. Mas,
mesmo sendo um traço quase universal da linguagem, muitas pessoas ainda
consideram os palavrões um tabu.
Olly Robertson não está entre elas. “É algo que
todos nós compartilhamos e é realmente mágico. Tem muito poder sobre nossas
sociedades”, diz Robertson, pesquisadora de psicologia da Universidade de
Oxford. “Faz muitas coisas por nós”.
Uma dessas coisas é um aumento na tolerância à dor.
Falar palavrão é “uma forma de autoajuda sem
remédios, sem calorias e sem custos”, define Richard Stephens, pesquisador e
professor sênior de psicologia na Universidade Keele, na Inglaterra.
Pesquisadores estão trabalhando para entender os
mecanismos do impacto dos palavrões em uma série de circunstâncias, com foco
principal na dor. Com esse conhecimento, comenta Stephens, falar palavrão
talvez possa ser usado de forma mais eficaz em ambientes clínicos.
Redução da dor por meio dos palavrões
Em 2009, Stephens e seus colegas publicaram o
primeiro estudo que relacionava palavrões com hipoalgesia – uma sensibilidade
reduzida à dor. Os indivíduos foram convidados a participar de uma tarefa na
qual eles tinham de manter as mãos em água gelada pelo maior tempo possível, enquanto
repetiam um palavrão de sua escolha ou uma palavra neutra. Os palavrões foram
associados não apenas ao aumento da tolerância à dor, mas também à diminuição
da sensação de dor.
Estudos posteriores mostraram efeitos semelhantes,
mas às vezes variados. Em 2020, por exemplo, Stephens e Robertson investigaram
o uso do palavrão “p—-” em comparação com uma palavra neutra e dois
palavrões inventados. Eles descobriram que os palavrões estavam relacionados ao
aumento da tolerância à dor, mas não tiveram efeito significativo na percepção
da dor.
Essa associação entre palavrões e aumento da
tolerância à dor não é específica da língua inglesa. Em 2017, Robertson e
Stephens publicaram um estudo investigando o efeito transcultural dos palavrões
na dor, comparando falantes de japonês e inglês. No Japão, nota Robertson,
os palavrões não são socialmente arraigados como na Grã-Bretanha, então ela
duvidava que tivessem o mesmo efeito.
Ao fazer a tarefa da água gelada, os falantes
nativos de inglês repetiram o palavrão p—- ou uma palavra de
controle – cup, ou seja, “xícara” – e os falantes nativos de
japonês repetiram um palavrão ou a palavra de controle kappu, que
também significa xícara. Independentemente do idioma, os palavrões foram
associados a uma maior tolerância à dor. “O que eu não esperava de jeito nenhum,
porque estava contando com esse efeito social”, informa Robertson.
Falar palavrão tem benefícios além da
dor física
Além da tolerância à dor, falar palavrão tem sido
associado a reforço nos laços sociais, melhoria da memória e até mesmo alívio
para a dor social ligada à exclusão ou à rejeição. “Neurologicamente, os
caminhos para a dor física e a dor emocional são os mesmos”, explica Robertson.
“Então, quando você está de coração partido, são as mesmas estruturas neurais.
É o mesmo projeto biológico, e é por isso que parece tão visceral, porque é
mesmo, literalmente”.
Mais recentemente, demonstrou-se que falar palavrão
está ligado a um aumento na força. Observar o impacto dos palavrões na força
foi uma progressão lógica, diz Stephens, porque ele e outros mostraram que
falar palavrão enquanto se sente dor muitas vezes está associado ao aumento da
frequência cardíaca, algo semelhante ao que acontece durante uma resposta
de estresse “lutar ou fugir”, quando o corpo libera uma onda de
adrenalina e o sangue é desviado para os músculos para prepará-los para a ação.
Em 2018, Stephens e seus colegas descobriram que, em
um teste de potência anaeróbica em bicicleta ergométrica, falar palavrão se
relacionou a uma melhora na força do participante. Mas eles não conseguiram
identificar nenhuma variável fisiológica – como frequência cardíaca – que se
correlacionasse com a descoberta. Stephens mudou o foco para o psicológico.
“Minha pesquisa tem tentado entender qual é o mecanismo psicológico pelo qual
falar palavrão traz esses efeitos, tanto para a dor quanto para a força
física”, conta ele.
Mas o que exatamente conecta falar palavrão com
maior força e tolerância à dor continua sendo um mistério.
Nos últimos anos, Stephens vem se concentrando na
teoria do estado de desinibição, “a ideia de que, ao falar palavrão, nós nos
colocamos em um lugar onde ficamos mais desinibidos e, nesse estado desinibido,
nós nos esforçamos mais, vamos um pouco mais além”, especula ele. “Então,
aguentamos a água gelada por mais uns segundos, ou botamos um pouco mais de
força nas mãos”.
A dosagem ideal de palavrão
Para quem quer de usar os palavrões para ajudar com
a dor ou aumentar a força, Washmuth sugere começar selecionando um palavrão que
pareça poderoso, que você usaria naturalmente se desse uma topada com o dedão,
por exemplo.
“Se nenhuma palavra vier à mente, a palavra com “p”
é o palavrão mais comumente autoselecionado pelos participantes desses estudos
e é considerado um dos palavrões mais poderosos que existem”, nota ele. “Repita
o palavrão em ritmo constante, de uma vez por segundo a uma vez a cada três
segundos, em um volume de fala normal”.
Mas se os palavrões audíveis não são sua praia, não
se desespere. Washmuth agora está estudando se palavrões internos têm o mesmo
efeito.
“Soltar um palavrão em voz alta é algo mal visto em
muitos lugares públicos, certo? Então, estamos tentando determinar se você pode
usar seu monólogo interior para obter o mesmo resultado”, conta Washmuth. “Será
que falar uns palavrões na sua cabeça já ajuda a diminuir a dor ou melhorar a
força?”
*Tradução de Renato Prelonrentzou
Estadão Conteúdo
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