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sábado, 22 de março de 2025

Samuel Pessôa: Haddad erra na fala sobre meta inflacionária

 


Haddad erra na fala sobre meta inflacionária

Ministro da Fazenda opinar sobre política monetária gera ruído e atrapalha o BC

Há algumas semanas, o ministro Fernando Haddad afirmou que "o atual nível de inflação do Brasil está relativamente dentro da normalidade para o Plano Real".

O secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, em artigo recente na seção Tendências e Debates, explicou que, "nos 26 anos de vigência do regime de metas de inflação, em 17 anos o IPCA terminou o ano acima de 5%; em seis anos, entre 4% e 5%; e apenas em três anos ficou abaixo de 4%".

O texto de Mello é uma reação a uma crítica de meu colega Marcos Mendes à fala do ministro. Marcos escreveu: "A frase do ministro desqualifica o sistema de metas de inflação. A meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que o próprio ministro preside, é de 3% ao ano, com margem de tolerância de até 4,5%. Mas, em sua avaliação, se for até 5%, tudo bem, não tem problema".

A crítica de Marcos Mendes está correta. A fala do ministro imediatamente eleva as expectativas de inflação, dificultando o trabalho do Banco Central. Não é saudável que o ministro da Fazenda opine sobre política monetária. Gera muito ruído e atrapalha o BC. Se o ministro considera que 5% de inflação é normal, por algum motivo, ou mesmo desejável, o Conselho Monetário deveria ter estabelecido meta de 5%. A fala do ministro é incoerente com sua própria decisão no início do mandato.

Haddad lança mão de uma retórica muito empregada pelo petismo. A retórica é escolher singularmente uma estatística econômica e social e compará-la com a mesma estatística em um período anterior. Não é uma boa retórica.

Para que o país melhore, a comparação não tem que ser de média ante média. Precisa ser de variação ante variação. Deste ponto de vista, 5% de inflação nos anos 2000 era uma vitória; 5% de inflação hoje é muito ruim. Seria razoável esperarmos algum progresso em 20 anos.

Nesta sexta (21), Haddad, voltou ao tema, disse que o ideal seria a inflação estar por volta de 3%, mas reafirmou que o patamar poucas vezes foi alcançado no Real.

No artigo em que criticava Marcos Mendes, o secretário Guilherme Mello lembrou "que foi na gestão e sob a responsabilidade de Mendes e equipe que o STF julgou a "tese do século", decisão com um impacto de aproximadamente R$ 1 trilhão, o que gera até os dias atuais uma perda de 1% do PIB ao ano na arrecadação bruta da União".

Até onde sei, o ministro era Henrique Meirelles, não Mendes, que era assessor do ministro. De qualquer forma, aqui aparece a capacidade retórica única do petismo de empurrar culpas para terceiros. Além de ser estranho responsabilizar o Executivo por uma decisão do Judiciário, o julgamento da tese do século no STF é a última etapa de um processo que começou nos anos 2000 e terminou no governo Temer.

Em 2009, após sete anos de governos petistas, já havia sólida maioria no Supremo contra a União. Não é possível jogar essa conta exclusivamente no governo Temer. A decisão é mais uma da tendência do Judiciário nas últimas duas décadas de dar vitória para o setor privado em inúmeras causas. Basta olhar a evolução dos precatórios ao longo da grande hegemonia petista que se iniciou em 2003 e vem até hoje.

Se for para discutir culpas fiscais, vale lembrar que FHC entregou o governo com um gasto tributário de 2% do PIB. Dilma entregou para Temer com 6% do PIB, uma perda anual para o Estado brasileiro de quatro pontos percentuais do PIB por ano —perda essa que o governo Lula, em seu terceiro mandato, não tem conseguido reverter.

Samuel Pessôa - Folha de São Paulo

 

 

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