Haddad erra na fala sobre meta inflacionária
Ministro da Fazenda opinar sobre política monetária
gera ruído e atrapalha o BC
Há algumas semanas, o ministro Fernando Haddad
afirmou que "o atual nível de inflação do Brasil está relativamente dentro
da normalidade para o Plano Real".
O secretário de Política Econômica, Guilherme Mello,
em artigo recente na seção Tendências e Debates, explicou que, "nos 26
anos de vigência do regime de metas de inflação, em 17 anos o IPCA terminou o
ano acima de 5%; em seis anos, entre 4% e 5%; e apenas em três anos ficou
abaixo de 4%".
O texto de Mello é uma reação a uma crítica de meu
colega Marcos Mendes à fala do ministro. Marcos escreveu: "A frase do
ministro desqualifica o sistema de metas de inflação. A meta estabelecida pelo
Conselho Monetário Nacional, que o próprio ministro preside, é de 3% ao ano,
com margem de tolerância de até 4,5%. Mas, em sua avaliação, se for até 5%,
tudo bem, não tem problema".
A crítica de Marcos Mendes está correta. A fala do
ministro imediatamente eleva as expectativas de inflação, dificultando o
trabalho do Banco Central. Não é saudável que o ministro da Fazenda opine sobre
política monetária. Gera muito ruído e atrapalha o BC. Se o ministro considera
que 5% de inflação é normal, por algum motivo, ou mesmo desejável, o Conselho
Monetário deveria ter estabelecido meta de 5%. A fala do ministro é incoerente
com sua própria decisão no início do mandato.
Haddad lança mão de uma retórica muito empregada
pelo petismo. A retórica é escolher singularmente uma estatística econômica e
social e compará-la com a mesma estatística em um período anterior. Não é uma
boa retórica.
Para que o país melhore, a comparação não tem que
ser de média ante média. Precisa ser de variação ante variação. Deste ponto de
vista, 5% de inflação nos anos 2000 era uma vitória; 5% de inflação hoje é
muito ruim. Seria razoável esperarmos algum progresso em 20 anos.
Nesta sexta (21), Haddad, voltou ao tema, disse que
o ideal seria a inflação estar por volta de 3%, mas reafirmou que o patamar
poucas vezes foi alcançado no Real.
No artigo em que criticava Marcos Mendes, o
secretário Guilherme Mello lembrou "que foi na gestão e sob a
responsabilidade de Mendes e equipe que o STF julgou a "tese do
século", decisão com um impacto de aproximadamente R$ 1 trilhão, o que
gera até os dias atuais uma perda de 1% do PIB ao ano na arrecadação bruta da
União".
Até onde sei, o ministro era Henrique Meirelles, não
Mendes, que era assessor do ministro. De qualquer forma, aqui aparece a
capacidade retórica única do petismo de empurrar culpas para terceiros. Além de
ser estranho responsabilizar o Executivo por uma decisão do Judiciário, o
julgamento da tese do século no STF é a última etapa de um processo que começou
nos anos 2000 e terminou no governo Temer.
Em 2009, após sete anos de governos petistas, já
havia sólida maioria no Supremo contra a União. Não é possível jogar essa conta
exclusivamente no governo Temer. A decisão é mais uma da tendência do
Judiciário nas últimas duas décadas de dar vitória para o setor privado em
inúmeras causas. Basta olhar a evolução dos precatórios ao longo da grande
hegemonia petista que se iniciou em 2003 e vem até hoje.
Se for para discutir culpas fiscais, vale lembrar
que FHC entregou o governo com um gasto tributário de 2% do PIB. Dilma entregou
para Temer com 6% do PIB, uma perda anual para o Estado brasileiro de quatro
pontos percentuais do PIB por ano —perda essa que o governo Lula, em seu
terceiro mandato, não tem conseguido reverter.
Samuel Pessôa - Folha de São Paulo
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