O advogado, economista e chairman do Centro de
Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean Paul Prates, conversou
com a TN e analisou o potencial econômico do Rio Grande do Norte em áreas estratégicas,
como exploração de petróleo na Margem Equatorial, energias renováveis offshore
e hidrogênio verde. O ex-presidente da Petrobras detalhou entraves em relação
aos campos de Pitu, na Bacia Potiguar, e reafirmou a viabilidade do projeto.
Nas energias renováveis, Jean Paul lembrou do potencial potiguar como um dos
poucos locais do Mundo com “energia infinita”. Ele falou ainda da saída da
Petrobras, indústria verde, datacenters, conectividade logística e
infraestrutura portuária e ferroviária. Confira:
Como avalia o potencial econômico real
da Margem Equatorial?
A
questão se resume a: o Brasil quer ou não saber se tem esse recurso lá? Esse
poço será suficiente? Certamente não. Vamos ter outra novela para furar mais
um, um segundo, terceiro, um quarto poço? Se for assim, é melhor desistir
agora. Agora, se você quer realmente saber se tem um reservatório importante de
petróleo ali, e depois decidir soberanamente, não o Ibama, mas o Brasil, o
Estado brasileiro, se quer produzir ou não, e a que ritmo, e como, e para quê,
e com que royalties, pagando a quem, mudando o sistema até, eventualmente, para
favorecer os estados amazônicos, os povos amazônicos, a preservação ambiental,
a transição energética, essa é uma outra questão. Então, é importante que a
questão agora, já que transbordou o licenciamento puro e simples do ponto,
específico da perfuração do poço, envolva isso. O que nós propusemos na época
foi: primeiro, que se concentre o licenciamento no ponto específico, na técnica
específica do que vai se fazer lá. Segundo, já que o argumento é fazer
transição energética, colocar logo de cara, mesmo que a produção não venha
agora, um arcabouço legal, regulatório, tributário, que beneficie aquela
região, que melhore a vida do pessoal da Amazônia. Se for feito isso, está tudo
resolvido. A meu ver, dá para tomar essa decisão mais à frente, a decisão de
produzir, mas a decisão de furar é imediato.
E quais são os principais entraves
técnicos e financeiros para a exploração efetiva do campo de Pitu, na Bacia Potiguar?
Lembrando
que a margem equatorial se estende do Rio Grande do Norte, tecnicamente, de
Touros até o Panamá. O nosso outro extremo, que é o Rio Grande do Norte, já
apresentou resultados. Então, ela é uma bacia já mais conhecida. Nós trouxemos
a sonda para cá, para finalmente finalizar a avaliação da questão de Pitu.
Tinha uma perfuração em 2014 e depois foi paralisada. O poço deu óleo e a
Petrobras, por questão de eleição de outras prioridades, pelo fato de serem
colocados à venda todos os ativos do Nordeste, foi desmobilizando todos os
esforços na Bacia Potiguar. Quando nós voltamos, retomamos tudo. Fizemos o Poço
Pitu Oeste e o Poço Anhangá. E os dois deram óleo. A informação que nós temos
da época é que eles, isoladamente, não seriam viáveis economicamente, mas eu
pedi que a gente espremesse mais um pouquinho antes de descartar completamente
e isso foi evoluindo. Então, nós salvamos essa descoberta ao solicitar que eles
voltassem para a prancheta e refizessem os cenários. Agora, resta saber o resultado
disso. A expectativa de entrada em produção disso é pelo menos, no mínimo, de
quatro a seis anos. Pode ser acelerado se houver um esforço concentrado. Mas eu
acredito que, dentro das prioridades todas que a Petrobras tem, esse aí vai
entrar no grau de prioridade média. Isso meio que volta a conectar, dá um passo
atrás do que já foi o RN para o offshore de petróleo, recupera essa situação e
vai nos projetar para o futuro de forma mais rápida.
O sr. já apontou que a retirada da
Petrobras da exploração no RN foi equivocada. Como essa presença poderia ter
impulsionado as empresas independentes locais?
Hoje, as independentes deram certo, mas elas ficaram 25 anos tropeçando. Não
era necessário isso. O que eu defendia desde 1999 era um modelo onde as
independentes fossem entrando ajudadas pela Petrobras, que a Petrobras
funcionasse como uma espécie de hub propulsor dessas empresas e como comprador
da produção delas, inicialmente. Essa atividade de hub, de consolidadora da
produção desses independentes, poderia ter sido feita, é isso que eu digo, a
minha crítica é o tempo que se perdeu com discussões e com falsos antagonismos.
Uma hora a Petrobras estava contra os independentes, outra hora os
independentes estavam contra a Petrobras. Tudo que está acontecendo, teria
acontecido em cinco anos, em vez de 25 anos, se tivesse sido um processo
consolidado.
Como estamos posicionados na exploração
offshore? Qual o peso do marco regulatório nesse processo?
A
referência comparativa que nós tínhamos para os custos de offshore eólico não
eram baseados em estudos, apenas em observações em locais caríssimos de se
operar, como mar do norte inglês, escocês, norueguês, dinamarquês, alemão,
costa da França e a do leste americano. Com isso, um megawatt eólico custa X, e
aí já assumem que isso é um custo geral para o mundo todo, um custo médio, que
vem desses lugares difíceis, então no Brasil é inviável. E a gente está,
justamente, pelo Cerne, fazendo estudos para mostrar isso. Então, não havia
medição no Brasil, até 2019. Fizemos uma emenda, e eu convidei, à época, o meu
colega Davi Alcolumbre. Isso foi a primeira iniciativa entre parlamentares e
governo. Em 2020, se percebeu outro problema que era o de direito de fazer um
projeto no mar; não é como um projeto em terra, numa sistemática de propriedade
privada. Era necessário um marco legal. Então o projeto de lei que nós fizemos,
que virou lei, mas vem desse projeto, que trata sobre a outorga de pedaços de
mar para alguém ocupar e fazer uma atividade econômica.
Temos potencial para liderar a corrida
pelo hidrogênio verde, considerando os projetos em andamento?
Acho
que não é só o hidrogênio verde. Não é que seja ruim, mas não é suficiente. O
que a gente tem que pensar é em industrialização verde como um todo, é
powershoring, é se aproveitar do fato de ter energia abundante para trazer para
cá as pessoas, os projetos de empreendimento que necessitam de muita energia.
Trazer para cá datacenters, por exemplo, mas não só isso. Você tem que ir para
indústrias mesmo, depois um aço verde, a própria agricultura irrigada com uma
eficiência bem maior, porque você vai ter capacidade de dessalinizar água, não
apenas bombear. Evidentemente hidrogênio é importante, e aqui tem condição de
fazer hidrogênio verde tranquilamente. Pela vantagem logística que a gente tem
de proximidade com a Europa, tudo isso, a gente tem condição de chegar em
qualquer mercado. O potencial é dez vezes o que a gente gera hoje no Rio Grande
do Norte, quando você vai para o mar. É quase como ter energia infinita. O RN e
o Ceará têm uma vantagem que ninguém tem: energia infinita.
O sr. já defendeu a necessidade de novos
investimentos em portos e na conexão logística com a malha ferroviária. Como
esses projetos podem impulsionar nossa economia?
Eu acho que a gente deveria pensar em hubs de powershoring ao longo da nossa
costa, definidos pela questão dos parques eólicos que se viabilizem em frente.
Áreas para desenvolvimento industrial verde, inclusive, mas não se limitando a
hidrogênios, data centers. É preciso reconhecer que a Codern está se
organizando para ter áreas licitadas para receber investimento, já que ela
mesmo não tem recurso pra fazer tudo. Aplausos para a Codern, mas não é
suficiente, porque, a meu ver, o melhor porto comercial e multimercadorias do
Nordeste é o Porto de Natal, somente se ele for conectado com o Aeroporto de
Natal por um ramal ferroviário. Teríamos o único porto do Nordeste conectado
com o aeroporto de carga por uma ferrovia muito próxima. A gente tem uma
vantagem de ter feito um aeroporto que é longe para quem viaja e vem para um
hotel, mas é perto do porto. E é possível organizar. Tem uma capacidade enorme
de embarque de coisas sensíveis, porque é um porto protegido, dentro do rio,
com o calado que a Codern agora vai voltar a ser de 12,5 metros, defensa da
ponte, tudo isso. Considerando isso tudo resolvido, você teria um complexo
logístico importante, poderia trazer os contêineres da Amazon e da Alibaba, da
China, num ramal ferroviário. Teria claramente uma vantagem logística. Você
poderia começar a processar fruta, pescado, sal, uma série de coisas, agregar
valor, porque você vai ter uma mesma estrutura; claro, operadores diferentes,
mas uma mesma estrutura integrada de logística. Essa visão é diferente do
powershoring. Quando a gente fala de indústria verde, falo de um porto de apoio
para atividades offshore. Vários pontos de powershoring, ou seja, datacenters,
hidrogênio, amônia verde, aço verde, mas isso não tem necessariamente a ver com
atividade comercial, de ida e vinda de mercadorias.
O sr. fala bastante em datacenters.
Nesse sentido, o RN pode se tornar um polo atrativo?
Quando
entra a inteligência artificial, o que era uma busca no Google, ou uma
mineração de criptomoeda, foi aos píncaros. Aumentou exponencialmente o consumo
de energia nesses grandes datacenters. A curva de geração de necessidade de
energia para processamento de informação com inteligência artificial subiu
bastante, com a internet das coisas. Usaria menos energia para eletrificar uma
frota inteira de carros em Natal do que em um datacenter médio. Então, nós como
uma região que tem energia infinita, parece uma oportunidade óbvia, tão óbvia
que vai ser difícil competir.
Quem
Jean
Paul Prates é advogado, economista e chairman do Centro de Estratégias em
Recursos Naturais e Energia (Cerne). Ex-presidente da Petrobras, é um
especialista em energias renováveis, petróleo e infraestrutura logística.
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