O presidente tem afirmado que entramos em fase de
colheita. Se assim for, isso resultaria do plantio dos dois primeiros anos do
atual período de governo. Essa aposta pode ser confirmada? Não é claro para mim
que seja o caso, apesar dos méritos dos dois últimos anos. O Brasil deixou de
ser candidato a pária internacional, condição que chegou a ser comemorada pelo
primeiro ministro de Relações Exteriores de Jair Bolsonaro.
Além disso, Lula restaurou o prestígio do país com
suas viagens internacionais. Também nos livrou do negacionismo na saúde e no
meio ambiente com a presença de duas ministras de reconhecida capacidade
profissional. Nísia Trindade e Marina Silva foram trunfos bem empregados nessas
duas áreas. Mas somente seria possível anunciar dois anos de colheita na
economia se Lula tivesse plantado ações em favor da produtividade e do aumento
do potencial de crescimento.
Nesse campo essencial, nada aconteceu. Ao contrário,
o governo inspirou-se no DNA do PT para adotar medidas destinadas a impulsionar
a economia. Na visão de Lula e do partido, a prosperidade advém da ação do
Estado, via empresas estatais, expansão do gasto público e ampliação do crédito
e do consumo. A PEC da Transição gerou despesas acima do necessário. O
restabelecimento da elevação real do salário mínimo custará, em dez anos, 1,3
trilhão de reais à Previdência.
Mesmo que fossem fiscalmente corretas, especialmente
diante da preocupante trajetória da dívida pública, tais medidas somente teriam
sido adequadas em duas hipóteses. Na primeira delas, seria preciso que
existisse capacidade produtiva ociosa que pudesse absorver a expansão
correspondente na demanda. Na segunda, a oferta doméstica deveria ser complementada
com importações. Como a primeira hipótese não se confirmou, o resultado foi uma
inflação mais alta, pois a economia estava operando acima de seu potencial. Já
as importações cresceram fortemente em 2024 (14,7%), uma expansão que não é
sustentável, pois poderia colocar em risco o equilíbrio do balanço de
pagamentos.
Em sua firme convicção de que vem aí uma boa
colheita econômica, Lula anunciou uma expansão de 3,5% do PIB em 2025, embora a
projeção do Ministério da Fazenda, comedida, seja de 2,3%, enquanto a do Banco
Mundial é de 2,2%. No setor privado, estimam-se 2%, segundo a pesquisa Focus do
Banco Central. Analistas mais conservadores falam até em 1,5%, menos da metade
do que espera Lula. Tais projeções levam em conta, entre outros fatores, o
esgotamento do impulso fiscal e as taxas de juros mais altas ao longo do ano,
que desestimularão o consumo das famílias.
Com seu discurso, Lula oferece um argumento que a
oposição pode usar durante a campanha eleitoral do próximo ano. Será possível
afirmar que sua previsão não fazia sentido. Além disso, a inflação de alimentos
tende a continuar elevada, embora seu ritmo seja arrefecido pela excelente
safra, essa uma colheita verdadeira.
Maílson da Nóbrega - VEJA

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