Na Grécia Antiga, o jejum era usado como método para
purificar o organismo antes de rituais. Hoje, o chamado jejum intermitente é uma
das estratégias mais populares para perda de peso. A ideia desse método é
alternar períodos de alimentação com períodos de jejum, buscando não apenas a
redução de calorias, mas também benefícios metabólicos, como a melhoria da
sensibilidade à insulina e a queima de gordura.
Mas, apesar do crescente apelo, ainda não há
evidências científicas conclusivas de que fazer jejum intermitente seja mais
eficaz para a perda de peso do que outras abordagens tradicionais e baseadas na
reeducação alimentar balanceada. Na verdade, o método pode ser até arriscado.
É o que alerta um estudo realizado na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicado em outubro no Journal
of the National Medical Association. Na pesquisa, indivíduos que
praticavam jejum apresentaram níveis significativamente mais altos de desejo
por alimentos calóricos e maior risco de compulsão alimentar.
Os autores aplicaram um questionário online a 458
estudantes universitários para investigar suas práticas de jejum e com que
frequência haviam feito essa dieta ao longo de um período de três meses antes
da coleta de dados. No total, 89 alunos costumavam jejuar.
Os participantes também responderam a uma pesquisa
mais abrangente sobre comportamento alimentar. Com isso, os pesquisadores
avaliaram os níveis de restrição cognitiva, compulsão alimentar, desejo por
comida e consumo de alimentos “proibidos” para quem pretende emagrecer, como
chocolate, pão, biscoitos e macarrão.
A partir de um modelo estatístico, os autores
examinaram a associação entre as horas de jejum e as características de
comportamentos alimentares. Por exemplo: uma das questões indagava se a pessoa
fazia jejum intermitente; se a resposta fosse “sim”, a próxima pergunta era
sobre quanto tempo “acordada” ela ficava em jejum.
Nesse modelo alimentar, os indivíduos somam o tempo
de sono com o período sem comer. Mas, na pesquisa, os cientistas se
concentraram no jejum feito quando os participantes já estavam despertos. “Se a
pessoa está fazendo o jejum acordada, ela precisa de controle cognitivo para
sustentar a situação; precisa ter mais autocontrole para dominar a vontade de
comer.
A hipótese é de que isso pode ser um fator
estressor. Enquanto ela está dormindo, isso não acontece”, explica o
nutricionista Jônatas de Oliveira, autor do estudo.
Relação direta com a compulsão
Na pesquisa da USP, dos 89 universitários que faziam
jejum, 32 apresentaram compulsão alimentar. E entre os jejuadores, a maioria
(89%) não teve comportamento compensatório (vômito, por exemplo, que estaria
associado à bulimia). Segundo Oliveira, isso reforça a hipótese de que a
compulsão está associada à prática do jejum, e não a outro transtorno
alimentar.
Vale ressaltar que o estudo não realizou o
diagnóstico de transtornos – isso deve ser feito durante uma consulta médica, após
análise clínica e realização de exames.
Mas os pesquisadores conseguiram medir o nível de
compulsão em comparação ao tempo de jejum: em relação a quem não jejua, a
proporção de horas em jejum foi 29% maior em participantes com compulsão
alimentar moderada; e 140% maior em pessoas com compulsão severa.
“Esses resultados ressaltam a importância de
estratégias alimentares baseadas na regulação emocional e comportamental,
especialmente para jovens universitários, que são particularmente vulneráveis a
transtornos alimentares”, analisa o pesquisador da USP.
Não é pra todo mundo
Há várias formas de fazer o jejum intermitente. Em
geral, a pessoa fica a maior parte do dia sem comer e se alimenta em um período
mais curto. O jejum 16/8, um dos mais comuns, consiste em jejuar por 16 horas e
comer durante uma janela de oito horas.
Também pode ser um intervalo de 12 por 12 horas; ou
ficar 20 horas sem comer e quatro horas se alimentando; e até fazer um jejum
mais rigoroso, de 24 horas, uma ou duas vezes por semana.
Alguns têm mais facilidade em fazer o jejum
intermitente e se sentem bem com o método. Mas, sempre que existe alguma
restrição alimentar, a tendência é de que, com o tempo, a pessoa compense com
alimentos mais calóricos, voltando a engordar.
“É muito comum que os indivíduos que fazem esses
tipos de jejum não consigam manter a perda de peso a longo prazo. Existe uma
restrição calórica, a pessoa consegue emagrecer, mas no dia a dia é difícil
sustentar essa prática”, observa o endocrinologista Paulo Rosenbaum, do
Hospital Israelita Albert Einstein. “O ideal para perder peso é sempre fazer
uma reeducação alimentar, com uma mudança do comportamento e alimentação
equilibrada e saudável, sem muita restrição.”
Cada tipo de jejum pode funcionar de maneira
diferente para cada pessoa, e a orientação de um profissional de saúde é
fundamental antes de adotar qualquer abordagem — sobretudo no caso de quem tem
obesidade. “A obesidade é uma doença crônica e o tratamento deve ser feito de
forma contínua, por tempo indeterminado”, afirma o endocrinologista.
Alguns sinais podem mostrar que o jejum não está
fazendo bem à saúde mental. “Muitas pessoas que fazem jejum acabam se pesando
toda hora, sendo muito radicais em relação à perda de peso, algumas vezes
entrando em isolamento familiar e social. Esses são sinais que podem indicar
que elas têm algum sofrimento emocional. Tudo que é feito de forma radical, sem
equilíbrio, não se sustenta”, pontua Rosenbaum.
Para o médico, o estudo da USP chama a atenção para
os riscos envolvidos na prática, em especial aos jovens com predisposição a
transtornos. “Tem que ter muito cuidado, não é qualquer pessoa que pode fazer o
jejum e, quando fizer, precisa ter um acompanhamento médico e profissional”,
orienta.
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
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