De acordo com a legislação, 30% das vagas nas
eleições devem ser destinadas a mulheres. A Justiça investiga se há
irregularidades nas nominatas, como a presença de candidatas que não fizeram
campanha, não tiveram recursos ou que pediram votos para concorrentes no
pleito. Nesses casos, os partidos podem ser punidos, e os votos, anulados.
Até o momento, houve cinco condenações, nas cidades
de Melgaço (PA), Vilhena (RO), Castro (PR), Varginha (MG) e Brejo da Madre de
Deus (PE).
O impacto maior foi na chapa paraense, que registrou
a cassação de quatro eleitos pelo MDB. A medida ocorreu devido a ação movida
pelo Ministério Público após uma das candidatas inscritas ter sido impugnada
por não ter apresentado suas contas eleitorais em um pleito que disputara anteriormente.
A substituta sequer realizou atos de campanha e teve votação zerada.
— Há 20 anos os partidos alegam que não conseguem
cumprir a lei por não haver mulheres interessadas na vida política. Os
dirigentes não cumprem a legislação, não investem 5% do fundo partidário na
formação de lideranças femininas e chegam às vésperas do pleito sem investir na
base — avalia a especialista em gênero Ligia Fabris, professora visitante na
Universidade de Yale.
Além das cinco condenações, possíveis laranjas são
investigadas em casos que já tiveram repercussão. O GLOBO identificou ações em
ao menos seis capitais — João Pessoa, Manaus, Recife, Porto Velho e São Paulo.
As denúncias impactam chapas de políticos de vulto
nacional, a exemplo da ex-deputada Janaína Paschoal, eleita vereadora pelo
Progressistas, partido alvo de uma ação após acionamento do PT. Fora das
capitais, em Balneário Camboriú (SC), Jair Renan, filho do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), pode ser afetado em processo similar. O PL, acusado de
inscrever candidatas laranjas, elegeu seis vereadores no município.
Usualmente, as mulheres envolvidas nessas ações
negam a possibilidade de terem sido usadas em candidaturas fictícias. Uma
exceção, contudo, ocorre em São Luís, capital do Maranhão, onde dois candidatos
do PL entraram com uma ação contra o Podemos, que elegeu três representantes.
Os processos afirmam que a candidata Brenda Carvalho
recebeu R$ 300 mil de recursos partidários, mas não fez campanha. Ela teve 18
votos. Após ser derrotada nas urnas, ela registrou, em 14 de novembro, uma
ocorrência na Polícia Federal na qual relatou ser vítima de ameaça por ter se
recusado a assinar documentos sobre repasses financeiros da legenda.
Brenda admite não ter feito campanha, mas garante
que não recebeu dinheiro do partido. “Basta ver para onde o dinheiro entrou e
saiu da conta. Eu sou vítima. Se tivesse usado qualquer valor, no mínimo teria
uns 700 votos”, afirmou.
A candidata de São Luís não é a única que admite não
ter feito campanha nas eleições de outubro. Em Anápolis, no interior de Goiás,
Soraya Mafra relatou, em testemunho ao cartório eleitoral, ter sido usada como
laranja. Procurada pelo GLOBO, ela chegou a marcar uma entrevista, mas desistiu
de falar.
A versão de Soraya Mafra é contestada pela defesa do
Podemos, que afirma que ela teria mudado o comportamento após perder a eleição.
Ela teve dez votos.
— Essa moça não é candidatura fictícia. Ela praticou
atos de campanha, fez programas eleitorais, fez santinhos, gravou vídeo — diz o
advogado do Podemos, Luciano Hanna.
Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o Ministério
Público Eleitoral investiga possíveis irregularidades na chapa do
PSDB/Cidadania. Além de não ter tido nenhum voto no pleito, uma das candidatas
recebeu R$ 9,4 mil de recursos partidários, valor que transferiu via pix para a
sua nora, que concorria à eleição por outro partido, o PSD. Procurada, a
federação não se posicionou.
Criada em 1997, a cota de gênero não gerava grandes
complicações aos partidos até 2018, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
endureceu as punições e passou a cassar toda a chapa em casos de
descumprimento.
Apesar das punições do TSE, as siglas têm conseguido
se reerguer, sobretudo finaceiramente, após a reprovação de suas contas, já
que, geralmente, dois anos após cada pleito o Legislativo tem aprovado anistias
que as isentam de devolverem o dinheiro destinado a campanhas de laranjas.
A última aprovação ocorreu em agosto, quando o
Senado deu aval a uma Proposta de Emenda à Constituição que ficou conhecida
como a PEC da Anistia. Quando esses textos são aprovados, as contas antes
reprovadas pelos tribunais perdem o objeto a partir da mudança de legislação.
A PEC da Anistia criou outra regra para as eleições,
mas relacionada à cota racial. A proposta estabeleceu que candidaturas de
pretos e pardos recebam ao menos 30% de recursos públicos. A lei anterior
estabelecia uma proporcionalidade direta em relação ao número de candidatos
inscritos.
Os partidos entenderam que esta legislação já
estaria vigente para o pleito deste ano, mas a lei só passa a valer para
eleições um ano após a data da aprovação. Dados preliminares da Justiça
Eleitoral apontam que a maior parte dos partidos não cumpriu o repasse
proporcional para negros e pardos. Segundo informações apuradas pelo Ministério
Público Eleitoral, a maior parte das siglas teve mais de 40% dos candidatos
negros, mas destinou cerca de 30% dos recursos a eles.
O Globo
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