A arte lulista de iludir
Lula avisou a ministros que pode desistir de
disputar a eleição em 2026. É uma artimanha tipicamente lulista: o presidente
não pensa em outra coisa que não seja se manter no poder
Na mesma reunião ministerial em que anunciou, sem
rodeios, que “2026 já começou”, convertendo seu governo num insolente comitê de
campanha, o presidente Lula da Silva também recorreu a uma de suas cartadas
típicas, sobretudo em períodos pré-eleitorais: a arte de iludir, com a qual
invariavelmente sugere sinais opostos a suas reais intenções para obter
dividendos políticos no futuro próximo.
Na parte pública da reunião, Lula tratou de invocar
mais uma vez a “defesa da democracia”, atribuindo a seu governo (ou melhor, a
si próprio) a missão de liderar a resistência nacional contra a “volta ao
neofascismo, ao neonazismo e ao autoritarismo”, segundo suas próprias palavras.
Já no momento fechado do encontro, o presidente fez chegar aos ministros a
ideia de que seu nome poderá não estar nas urnas em 2026. “Deus no comando”,
teria dito, segundo relatos, creditando a incerteza a um conjunto de variáveis,
entre elas a saúde principalmente. Ao cogitar a hipótese de desistir, Lula
teria mencionado ainda recentes episódios que colocaram sua vida em risco, como
o problema técnico na aeronave presidencial e a cirurgia na cabeça após uma
queda no banheiro.
Noves fora as inevitáveis incertezas do destino, que
impedem qualquer ser humano – mesmo aqueles convictos de seus poderes divinos,
como Lula – de ter a mais plena segurança sobre o que fará e onde estará daqui
a quase dois anos, não há dúvida de que o presidente não pensa em outra coisa
senão continuar governando o Brasil e liderando a esquerda tradicional
lulopetista. Nesse ponto não lhe falta convicção: para Lula, não só governar é
estar no palanque, como ele se sente o único que efetivamente pode salvar o
Brasil do “neofascismo” e do “neonazismo”, que é como ele qualifica o
bolsonarismo.
A reação de ministros aliados, espontânea ou
calculada, foi de “preocupação”. Providencialmente, integrantes da cúpula do PT
difundiram a jornalistas as razões para tanto: hoje, segundo petistas, os
principais nomes que podem vir a lhe suceder não teriam condições de
representar o partido na corrida eleitoral. Seria o caso dos ministros Fernando
Haddad, Camilo Santana e Rui Costa. Essa é a costumeira artimanha de lulistas,
possivelmente inspirados no próprio Lula: difunde-se uma dúvida sobre a
disposição do Grande Líder; faz-se chegar à militância o nome dos eventuais
substitutos; conclui-se que nenhum tem condições de conquistar corações e
mentes de eleitores; e, por fim, volta-se ao essencial, isto é, Lula precisa
ser o candidato.
Noves fora as inevitáveis incertezas do destino, que
impedem qualquer ser humano – mesmo aqueles convictos de seus poderes divinos,
como Lula – de ter a mais plena segurança sobre o que fará e onde estará daqui
a quase dois anos, não há dúvida de que o presidente não pensa em outra coisa
senão continuar governando o Brasil e liderando a esquerda tradicional
lulopetista. Nesse ponto não lhe falta convicção: para Lula, não só governar é
estar no palanque, como ele se sente o único que efetivamente pode salvar o
Brasil do “neofascismo” e do “neonazismo”, que é como ele qualifica o
bolsonarismo.
A prestidigitação lulista já ocorreu em outros
tempos, mas rigorosamente nada o impediu até aqui de disputar sete eleições
presidenciais, tornando-se o recordista de candidaturas na história de nossa
república. Ensaiou desistir – apenas ensaiou, sublinhe-se – em 1998, quando
meses antes já parecia certa a sua derrota para um imbatível Fernando Henrique
Cardoso pós-Plano Real, e em 2002, quando impôs ao PT carta branca para ele e
José Dirceu atraírem alianças para além dos satélites tradicionais da esquerda.
Lula não hesitou em ser o candidato nem mesmo quando estava claro que sua
candidatura seria barrada. Foi o caso de 2018, ano em que o lulopetismo quis
ter o seu nome na urna mesmo com Lula preso. Coube a Haddad então cumprir o
papel de boneco de ventríloquo na eleição.
A “vontade de Deus” a que Lula se referiu na
reunião, portanto, parece ter muito mais a ver com seu método de fortalecer o
próprio nome e manter-se como o único farol a iluminar o espectro da esquerda
tradicional liderada pelo PT. É inegável que até aqui o estratagema deu certo
para si mesmo. Resta saber se o demiurgo será bem-sucedido novamente. Há quem
veja no recado uma forma de galvanizar apoios entre partidos, mas lideranças do
Centrão já alertaram publicamente que, ao contrário, isso pode abrir espaço
para defecções numa base já ideologicamente frágil. Pode também ser uma forma
de colocar à prova uma providencial fragilidade dos seus substitutos, o que só
revela o horizonte rarefeito na esquerda – enquanto na direita já existe uma
profusão de nomes dispostos a herdar o espólio de Jair Bolsonaro, à sombra da
liderança de Lula poucos emergem para valer. Assim caminha o lulopetismo.
Opinião do Estadão
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