Governo e alimentos: sem intervenção, sem subsídio,
sem mudança na data de validade e. sem solução
O estrago nas redes do uso do termo ‘intervenção’
por Rui Costa foi contido, mas a questão mexe com comida, esfria a popularidade
de Lula e esquenta disputas internas
Enfrentando várias frentes por causa da inflação dos
alimentos, o governo Lula conseguiu vencer a primeira batalha, ao impedir que a
onda contra “um conjunto de intervenções” virasse tsunami, como no Pix. Mas a
guerra continua, e em terrenos muito mais pantanosos: como reduzir os preços e
dar uma solução principalmente para a baixa renda, sem bater de frente com o já
ariscos mercado e setor do agronegócio?
Sidônio Palmeira mostrou a que veio e reagiu
rapidamente a uma palavra maldita usada pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, ao
anunciar que o governo agiria contra a inflação da comida: “Intervenção”.
Remete a “boi no pasto”, “fiscais do Sarney”, “congelamento”, todas essas
invenções que tiveram efeito bumerangue e caíram em cheio sobre os objetivos,
na economia e na popularidade dos invencionistas.
O governo inteiro, incluindo Sidônio e Costa, se
mobilizou para neutralizar o dano e explicar que, na verdade, o ministro não
quis dizer “intervenção”, mas sim “medidas”, ou que se tratou de “ato falho”.
Funcionou, mas, cá prá nós, intervenção e medidas, nesse caso, soam
praticamente como sinônimos e “ato falho” significa que, lá no inconsciente, o
ministro quis dizer, ou defende, exatamente isso: intervenção nos preços. O que
é reforçado pela imagem, não sem motivo, de que Lula e o PT são convictamente
intervencionistas desde sempre.
Bem ou mal, o estrago na comunicação foi contido,
mas São Sidônio não faz milagre e a questão está longe, longíssimo, de ser
apenas de comunicação. Mexe com o prato na mesa do pobre, da classe média, de
todo mundo, esfria a popularidade de Lula, que já não está lá essas coisas,
esquenta as relações internas, por exemplo, entre Costa e Fernando Haddad, que
já não são uma maravilha, e apimenta as conexões do governo com o agronegócio e
o mercado, já tão ardidas.
Pairando acima de todo esse conjunto, há os efeitos
na economia, já preocupante com inflação, desequilíbrio fiscal e juros na
estratosfera, num ambiente internacional imprevisível. Logo, o governo está num
mato sem cachorro e, o que é pior, sem saída e sem muitas alternativas. No
máximo, faz uma reunião atrás da outra, conclui o óbvio e anuncia que vai
anunciar alguma coisa. Que coisa?
Até aqui, o foco não está em dizer o que vai fazer,
mas no que não vai fazer: intervenção nos preços, que aterroriza o agronegócio,
subsídios, que irritam o mercado, e flexibilização da data de validade de
produtos nas gôndolas do varejo – que foi sugerida pela associação de
supermercados, é até adotada em alguns países, mas geraria uma festa macabra na
internet contra Lula. Já imaginaram? “Lula quer vender comida estragada”, “para
agradar supermercados, governo defende alimento podre”. Nem pensar!
Assim, a solução até aqui é a “natural”: safra
recorde em 2025, São Pedro sendo mais camarada com tempestades e secas, o bom e
velho equilíbrio entre oferta e procura. Enquanto isso, a oposição está na
espreita, todos os setores se movem e a Casa Civil, a Fazenda, os ministérios
da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário lançam ideias, como redução no
imposto de importação, direcionar o Plano Safra para o que está mais caro na
cesta básica e até reduzir os custos operacionais do Programa de Alimentação do
Trabalhador (PAT).
Vamos combinar? Parece leque para abanar tsunami,
com o pobre comendo menos, o humor da classe média piorando, as incertezas na
economia aumentando. Bem. sem falar nas loucuras de Donald Trump e nos
combustíveis, que afetam inflação e alimentos e têm muito a ver com aquela
palavrinha maldita, “intervenção”. Mas isso é outra história, ou temas para
novas colunas.
Eliane Cantanhêde - Estadão
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