Saída de dólares precisa acender alerta no governo
Com retirada de US$ 24,3 bilhões em dezembro,
descrédito na política econômica torna o país e o real mais vulneráveis
Em dezembro do ano recém-encerrado, o país passou
por uma reviravolta no balanço de entrada e saída de recursos em dólares. De
janeiro a novembro, o saldo era positivo, com a entrada líquida de quase US$
8,4 bilhões. Ao final de 2024, faltando computar apenas os dados de 30 de
dezembro, a conta estava em um vermelho de quase US$ 16 bilhões.
Foi a maior inversão de rota ao menos desde as
turbulências da estabilização da economia em 1995, após o Plano Real.
Trata-se aqui do chamado fluxo cambial —isto é, a
diferença entre as divisas que entram e saem pelos canais do comércio exterior
(exportações e importações) e financeiro (remessas de lucros e dividendos,
aplicações financeiras, turismo e outros).
No último mês do ano, a fuga de dólares foi brutal,
de US$ 24,3 bilhões, resultado de saídas de US$ 26 bilhões pelo canal
financeiro e entradas de US$ 1,7 bilhão pelo canal comercial.
Não por acaso, a cotação da moeda americana
ultrapassou o patamar de R$ 6, a despeito da venda de mais de US$ 30 bilhões
das reservas e de um choque de juros por parte do Banco Central.
São usuais saldos negativos nesse período, dadas as
remessas feitas por empresas e fundos de investimentos. Neste ano, os fluxos
teriam sido atípicos, no dizer do comando do BC, devido a bons resultados das
companhias em um ano de expansão surpreendente do Produto Interno Bruto.
Fato é que a reviravolta de 2024 ocorreu ao mesmo
tempo em que disparou a desconfiança em relação à política econômica do governo
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em particular no que diz respeito às contas
públicas.
A deterioração começara por volta de abril, devido a
perspectiva de juros altos por mais tempo e dólar forte nos EUA e ao risco
fiscal ampliado pelo afrouxamento das metas para os saldos do Tesouro Nacional.
O descrédito, no entanto, deu um salto no final de novembro, com a péssima
repercussão do plano frágil de contenção de gastos do Planalto.
É inevitável associar a debandada dos dólares ao
tumulto financeiro provocado pela piora das expectativas para a inflação, os
juros e a dívida pública. Este janeiro pode ajudar a dimensionar essa
causalidade: com o fim do efeito sazonal, a partir de meados do mês, o normal
seria o fluxo parar de piorar, ao menos —isso se o início do governo de Donald
Trump nos EUA não envenenar um tanto mais o ambiente.
Deterioração adicional, superior à verificada em
outros emergentes, significará que a irresponsabilidade orçamentária da
administração petista causa ainda mais danos, com desvalorização extra do real,
riscos maiores de inflação, altas de juros no mercado, crescimento econômico perigosamente
menor e frustração da receita de impostos.
Dadas tais ameaças, não convém permitir que se teste
a hipótese sobre a fuga de capitais. O governo precisa reconhecer os erros e
agir, já com grande atraso.
Editorial Folha de São Paulo
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