A violência sexual contra meninas e mulheres segue
uma linha crescente no Rio Grande do Norte. Em todo o Brasil, o Estado ocupa o
2º lugar entre os que apresentam maior aumento de casos de estupro e estupro de
vulnerável contra esse público entre 2019 e 2023. Apenas no primeiro semestre
deste ano, foram 496 vítimas, um aumento de 161,1% em relação ao mesmo período
de 2019, ano em que 190 casos foram registrados. Na região Nordeste, o Estado
apresenta a maior proporção de crescimentos do crime, superando em mais de
quatro vezes estados maiores como a Bahia. O percentual de aumento está acima,
também, da variação nacional de 14% registrada no Brasil. No que se refere aos
primeiros seis meses de 2022 e 2023, o aumento foi de 57%, saindo de 316 para
496 casos de violência sexual.
Os dados são do levantamento realizado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, sobre a violência contra meninas e mulheres no
país. Na avaliação da promotora do Ministério Público do Estado (MPRN), Emília
Leite Zumba, da 7ª Promotoria de Justiça de Parnamirim, o panorama revela tanto
que a violência sexual contra crianças e adolescentes apresenta viés de gênero,
tendo em vista que as meninas são as principais vítimas e os homens os maiores
agressores, quanto o fato de que as violações acontecem majoritariamente no
ambiente familiar.
A promotora argumenta, nesse sentido, que a redução
nos índices do Rio Grande do Norte perpassa o rompimento da lógica de que ‘os
acontecimentos do espaço doméstico são segredo de família’ e uma maior
participação das escolas. “As crianças precisam estar protegidas e protegê-las
é dar-lhes informações. Perdemos como sociedade quando pensamos que retirar a
escola da discussão sobre gênero e sexualidade favorecerá a proteção das nossas
crianças”, justifica.
De acordo com a pesquisa, o Brasil registrou 34 mil
casos de estupro e estupro de vulnerável de meninas e mulheres no primeiro
semestre deste ano, crescimento de 14,9% em relação ao mesmo período do ano
passado. Isso significa que a cada 8 minutos uma menina ou mulher foi estuprada
entre janeiro e junho no Brasil, maior número da série iniciada em 2019, quando
foram constatados 29.814 casos. Na avaliação por região, o crescimento se
expandiu por todo o território, sendo o maior aumento na região Sul (32,4%),
seguida das regiões Norte (25%), Nordeste (13,2%), Centro-oeste (9,7%) e
Sudeste (4,8%).
O delegado Ricardo Eduardo, da Delegacia de Proteção
à Criança e ao Adolescente (DPCA) da capital, chama a atenção para o fato de
que os dados refletem um aumento de notificações de casos que chegam aos
disques de denúncia e à Polícia Civil. De 2022 até este ano, ele afirma que a
PC local tem recebido muitas denúncias de abusos sexuais que aconteceram na
pandemia, período em que as crianças passaram a ficar mais tempo em casa,
ambiente em que na maioria dos casos estão os abusadores. Com o retorno do
público às escolas, além das UBS’s, as violações foram sendo reveladas.
Com uma perspectiva que vai ao encontro da
repercutida por Emília Leite Zumba, o delegado da DPCA reitera a necessidade de
educação sexual nas escolas e ambiente familiar para que as crianças consigam
identificar que determinados comportamentos e ‘carinhos’ são abusos. “Muitas
vítimas não sabem que estão sendo abusadas e só com a maturidade e o
desenvolvimento percebem que vinham sendo abusadas pelo pai, padrasto, tio, ou
qualquer outra pessoa da família”, esclarece.
Fora a ausência de ações educativas, um outro desafio
que atravessa a redução no aumento de estupros contra crianças e jovens é o de
infraestrutura nos conselhos tutelares, administrados pela esfera municipal e
uma das principais portas de entrada para atendimento às vítimas de violência.
De acordo com Juliana Silva, coordenadora da Coordenadoria de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos (CPDH), da Secretaria de Estado das Mulheres (Semjidh),
esses espaços ainda enfrentam a falta de equipamentos básicos para a
implementação das políticas de proteção, indicando a necessidade de mais
investimentos das prefeituras nessas instituições.
Casos de feminicídio
O
cenário de violência contra mulheres e meninas também é destacado pelo
levantamento de casos de feminicídio, crime inserido no Código Penal com a
promulgação da Lei 13.104/2015. Entre os estados do Nordeste, o Rio Grande do
Norte apresenta o segundo maior percentual de aumento de casos entre o primeiro
semestre deste ano e o mesmo período do ano passado, com 44,4%. Além disso, o
Estado está entre os três únicos da região que não apresentaram redução de
casos dentro desse período. Embora tenha alcançado redução comparando o
primeiro semestre deste ano com o de 2019, o percentual foi o segundo menor na
região entre os estados que apresentaram variação negativa.
A diminuição, ainda que tímida, ocorreu devido ao
aumento do número de medidas protetivas de urgência (MPU) pleiteadas e
concedidas ao longo do período.
O trabalho, segundo ela, está em reeducar a
sociedade para não naturalizar a violência e as mulheres e meninas para a
autoproteção. “Mas é preciso enxergar os homem, também, a necessidade de
implica-los nessas mudanças. Implicar compreendo que eles precisam também ser
provocados à reflexão sobre como as violências ocorrem e o que está em sua
raiz”, acrescenta.
As medidas de prevenção também são apontadas pela
delegada Helena de Paula, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher
(DEAM) , que atende as zonas Sul e Leste de Natal, para quem é dever do Estado
promover o incentivo das denúncias pelas mulheres. Na avaliação do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, o crescimento parece indicar a dificuldade que
o aparato estatal possui para implementar os dispositivos previstos na Lei
Maria da Penha. O órgão aponta ainda que, apesar de uma série de proposições
legislativas terem sido efetivadas para aumentar a efetividade da lei, as
previsões legais muitas vezes não se traduzem na prática para assegurar
proteção às mulheres.
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