Tecidos, linhas e criatividade foram matéria-prima
para uma das brincadeiras preferidas da macaibense Elisete dos Santos Gomes, de
39 anos, na infância. Por meio da produção de roupas de boneca, encontrava um
espaço para expandir a imaginação e aperfeiçoar a paixão pelo artesanato. Mas,
o que antes era brincadeira, passou a ser fonte de renda após realizar seu
primeiro curso de costura do Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Norte
(Sesc-RN). Hoje, quase 30 anos depois, ela tem tido a oportunidade de
aperfeiçoar o trabalho por meio dos cursos de valorização social da unidade de
Macaíba. A iniciativa, que estreou neste ano, vai atender 600 pessoas até
dezembro com o propósito de fomentar o perfil empreendedor e a complementação
de renda no Estado. Para 2024, segundo a presidência da Fecomércio-RN, o número
deve saltar para 860 participantes.
Ao todo, os cursos são oferecidos em todas unidades
do Sesc-RN, distribuídas em Natal, Macaíba, Mossoró, Caicó, Nova Cruz e São
Paulo do Potengi. Nesta edição, estão sendo oferecidos sete cursos com duração
de uma semana e 20h de carga-horária, dentre os quais estão bordado livre,
confecção de embalagens decorativas, bolos tradicionais e pintura em tecido.
Além de atingir famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade
social, trabalhadores do comércio e estudantes da educação pública, a proposta
é que as aulas sejam ministradas por profissionais locais focando na
valorização do empreendedorismo potiguar.
A microempreendedora individual (Mei) Elisete, que
já realizou os cursos de bordado e lembrancinhas, relata com animação que as
capacitações têm lhe permitido adquirir conhecimentos voltados ao
empreendedorismo e a projeção para inovar no leque de produtos com os quais
trabalha. Dona de um ateliê que divide espaço com sua casa, atualmente tem
gerado renda a partir da venda de naninhas, almofadas, roupas e bonecas de
pano. O amor pela área e o perfil empreendedor, contudo, teve suas sementes
plantadas quando ainda era adolescente.
Aos 12 anos, com a autorização da mãe e o cumprimento
de todos os protocolos necessários junto ao Sesc-RN, a microempreendedora
realizou o primeiro curso de costura durante um ano e meio. Nesse período,
também, fez os primeiros consertos de roupas visando fomentar o início da sua
independência. Já na vida adulta, embora tenha chegado a trabalhar em uma
fábrica, a relação com o artesanato deu o combustível necessário para que
trabalho manual se tornasse sua fonte principal de sustento. “O artesanato
sempre foi uma paixão, fazer boneca de pano, crochê, pintura. De tudo um
pouquinho eu gosto”, compartilha.
Foi essa paixão pela costura criativa que permitiu a
Elisete dos Santos Gomes se enxergar enquanto empreendedora e ter a
oportunidade de participar da Feira Internacional de Artesanato (Fiart) e a
Brasil Mostra Brasil, em Natal, com a venda de bonecas de pano. Agora, com os
conhecimentos adquiridos nos cursos de valorização social, ela afirma que a
expectativa é começar a expandir seu público por meio da divulgação do trabalho
nas redes sociais. Somado a isso, a longo prazo, almeja deslocar o ateliê de
casa para um espaço próprio. “A gente que já chega com algum conhecimento,
sempre vai aprender mais uma nova técnica, vai aperfeiçoando o que já se
produz”, finaliza sobre os cursos do Sesc-RN.
Metodologia foca no artesanato e na
culinária
O presidente da Federação do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo do Estado (Fecomércio-RN), que agrega o Sesc-RN, Marcelo
Queiroz, esclarece que a ideia dos cursos de valorização social é desenvolver
habilidades e competências de nível básico capazes de favorecer a socialização,
geração ou complementação de renda dos participantes. Por conta disso, a
metodologia foca em conhecimentos iniciais e objetivos nas áreas de artesanato
e culinária, tendo em vista que tratam-se de atividades com baixo custo de
produção e com demanda significativa no mercado.
Na parte mais teórica, conforme aponta o diretor
regional do Sesc-RN, Gedson Nunes, são trabalhados conteúdos como
formulação de preços, estratégias para alcançar o público-alvo do negócio,
divulgação dos produtos via redes sociais e gestão de vendas. “São temas que
abordamos para que seja o começo de uma história para quem quer empreender, ou
fazer a complementação de renda”, explica. Até o momento, 400 matrículas já
foram preenchidas e mais 200 deverão ser ofertadas até o fim deste
ano.
Para além de um certificado, afirma o presidente da
Fecomércio-RN, a proposta é que os participantes finalizem o curso com
uma nova profissão. “Nosso objetivo é levar mais oportunidades de
trabalho para famílias de baixa renda, que recebem até três salários mínimos
por mês e, muitas vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade social.
Estamos falando de pessoas que precisam de novas fontes de renda, mas não sabem
por onde começar e não conhecem o mundo do empreendedorismo”, destaca.
A necessidade do curso também vai ao encontro do
cenário de endividamento e inadimplência observado em todo o país. Segundo
dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o
percentual de famílias em situação de inadimplência saltou de 29,6% em julho
para 30% em agosto deste ano. Em Natal, especialmente, Marcelo Queiroz aponta
que os dados da CNC mostram que 48,3% das famílias possuíam dívidas ou contas
em atraso em agosto, um aumento de 5,4 pontos na comparação com o mesmo período
do ano passado (42,9%), e 1,3 ponto percentual em relação a julho (47%).
Com o sucesso alcançado com a primeira edição
do curso neste ano, o presidente da Fecomércio-RN estima a oferta de 860 vagas
para 2024, um aumento de 260 oportunidades a mais em relação a este ano. Aliado
a isso, o catálogo de cursos também será ampliado com seis novos títulos:
Crochê para iniciantes; Decorações para festas com balões; Confecção de
bijuterias simples; Docinhos para festa; Sobremesas de pote; Sopas e caldos.
Gedson Nunes reitera a importância dos cursos na
complementação de renda e chama atenção, ainda, para seu papel na valorização
do instrutor local. Isso porque a ideia é que os professores sejam os próprios
profissionais locais que já atuam em uma das áreas das capacitações. “Nós
valorizamos sempre do local quem é aquela pessoa e aquele artesão que são
reconhecidos na cidade e podem ministrar esse curso. Quando oferecemos em
Caicó, por exemplo, valorizamos a cultura local e as pessoas que já tem um trabalho
na área e podem agregar valor ao curso”, enfatiza.
Aprendizado como agente
multiplicador
Foi o caso da artesã Nelma Lucia, de 54 anos, que há
cerca de 17 anos trabalha como professora no Sesc-RN. Ela conta que nesta
edição dos cursos de valorização social, especialmente, já ministrou cursos
tanto na sede do Sesc-RN quanto na Unidade de Macaíba. Natural de Natal, herdou
uma relação próxima ao Serviço Social do Comércio da mãe, que também atuou como
ministrante de várias capacitações. Ela só começou a dar aulas, contudo, após
alguns certificados colecionados a partir do projeto.
Aliada à uma predisposição para o trabalho manual,
outro fator primordial para que desse início aos cursos foi a necessidade de
gerar renda e alcançar sua independência financeira. Desde 2020, fora a
ministração dos cursos no Sesc-RN, administra o seu ateliê em casa, chamado
Ateliê Nelma Lúcia, em Natal, onde trabalha produzindo produtos diversos como
bordados, bolsas, chaveiros e toucas.
Embora reconheça que, muitas vezes, o artesanato
seja desvalorizado, Nelma não deixa de apontar a capacidade desse trabalho como
negócio. “Muitas meninas que fizeram curso comigo há um tempo já estão montando
seu espaço e produzindo”, compartilha. Ao falar sobre o aprendizado de suas
alunas, não esconde a alegria de poder favorecer a multiplicação do
conhecimento e permitir que outras pessoas alcancem a independência por meio de
um trabalho que costura linhas e aprendizados.
O desejo de atuar como promotora do conhecimento
também move Josilma de Araújo Silva Medeiros. Aos 50 anos, ela está afastada do
trabalho como Auxiliar de Serviços Gerais (ASG) para cuidar da saúde e viu no
curso de lembrancinhas uma oportunidade de explorar novos aprendizados durante
esse período. Natural de Santana do Matos, no interior do Rio Grande do Norte,
no momento está morando com a filha em Macaíba, onde participa dos cursos de
valorização social do Sesc.
“Eu sempre tive esse sonho de repassar
conhecimento. Nesses interiores mais distantes da capital, as pessoas têm mais
dificuldades de ter acesso a cursos e informações. ”, comenta Josilma. Além
disso, relata, deseja auxiliar na complementação da renda de casa. “Essa parte
[sobre empreendedorismo] está me deixando bem curiosa e feliz porque estou
entendendo o primeiro passo para que você possa empreender”, compartilha
sorrindo.

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