O GLOBO
Com a artilharia centrada na gestão Bolsonaro desde
que recebeu do Tribunal de Contas da União (TCU) a lista com 8.674 obras
paralisadas no país, o governo Lula precisará lidar com um cenário incômodo:
desses projetos atualmente parados ou inacabados, 223 foram iniciados ainda nos
dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010,
segundo levantamento do GLOBO. Outras 1.100 obras remetem aos governos da
também petista Dilma Rousseff.
Disposto a reaquecer a economia com a retomada das
obras — oportunidade para a geração de empregos e retomada dos investimentos
públicos de forma rápida, sem depender de novos projetos, licenciamentos e
concessões — Lula pode acabar entregando obras iniciadas por ele próprio há
mais de 13 anos.
E não se tratam de empreendimentos complexos, como
hidrelétricas ou ferrovias, cujos prazos de execução podem superar uma década.
Em janeiro de 2010, por exemplo, o governo do Rio Grande do Norte e o Executivo
federal assinaram um convênio de R$ 74 milhões para a construção de uma adutora
de água tratada em Mossoró. Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União
(TCU) à época da contratação, a previsão inicial de término da obra era de 18
meses. Porém, mais de uma década depois, a adutora ainda não foi concluída.
De acordo com o governo estadual, a obra esteve
paralisada para adequações e agora está novamente em processo de licitação. A
divulgação da empresa vencedora deverá ocorrer em 14 de março após ajustes ao
projeto. A previsão de conclusão, agora, é o segundo semestre de 2024.
“O ano de 2020 foi marcado por uma baixa produção
nas indústrias de conexão de ferro fundido. As altas sucessivas nos preços dos
insumos durante a pandemia, notadamente nos anos de 2021 e 2022, contribuíram
para elevado risco de as empresas ofertarem uma proposta e não cumprirem,
fazendo com que elas desistissem”, afirmou o governo do Rio Grande do Norte.
Para o levantamento, O GLOBO considerou apenas as
obras que tiveram a causa da paralisação identificada pelo TCU: cerca de seis
mil, incluindo obras das gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. A associação
do número de obras paradas ou inacabadas com os mandatos em que foram lançadas
foi feita a partir de um cruzamento entre a planilha de obras paralisadas do
TCU e a data de publicação dos convênios com o governo federal, disponível no
Portal da Transparência. Ao todo, essas obras representam um investimento de R$
5,9 bilhões.
Má gestão
Entre os motivos apontados para o não encerramento
das obras iniciadas nas gestões petistas, três se destacam: mais da metade
(733) foi interrompida por “dificuldade técnica do tomador”, que são os estados
e municípios. Outras 200 foram paralisadas por decisão do gestor público, e 164
por causa de dificuldades técnicas ou financeiras da empresa. Ou seja, os
problemas não são de projeto ou licenciamento, mas de gestão, recursos, órgãos
conveniados e de licitação.
Em meio às centenas de obras, há algumas que deveriam
ter sido entregues há quase dez anos. Com um investimento previsto de R$ 143
milhões, o túnel de drenagem da Arena das Dunas fazia parte do projeto da Copa
do Mundo de 2014. No mesmo ano, também deveria ter ficado pronto o corredor de
ônibus Leste-Itaquera, na cidade de São Paulo. Mas por problemas na execução, o
contrato foi rompido.
— Esses dados refletem um problema crônico do
Brasil, que é a má governança dos investimentos públicos: falta de
planejamento, projetos de baixa qualidade, problemas na programação dos
investimentos, execução falha, fiscalização deficiente — lista Cláudio
Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, especializada em infraestrutura.
As obras estão espalhadas por diversas categorias. O
GLOBO catalogou cerca de 1,3 mil obras dos governos petistas em 12 grupos. A
maior parte é ligada à área de esporte, lazer ou cultura: são parques, praças,
centros esportivos ou de convenções, por exemplo — ou seja, intervenções sem
grande complexidade. Há 357 paradas. Esse grupo é seguido por turismo, com 327
obras inacabadas; habitação e urbanismo, com 156; e saneamento e meio ambiente,
com 122.
Mas os problemas vão além: há empreendimentos
sensíveis que constam como paralisados ou inacabados. O GLOBO identificou, por
exemplo, 22 obras de contenção de encostas.
Em 28 de novembro de 2012, no primeiro mandato de
Dilma, foi firmado o convênio para contenção de encostas em Petrópolis (RJ).
Segundo o TCU, apenas 31,5% da execução do serviço foi concluído desde então,
um investimento de R$ 60 milhões. Focada em áreas de risco alto e muito alto, a
obra se encontra paralisada ou inacabada, segundo o TCU, em razão da
“incapacidade do tomador em arcar com reajustes”. Em 2022, em razão das chuvas,
241 pessoas morreram na cidade após deslizamentos de terra.
O governo do Rio afirmou que o convênio foi
repassado à prefeitura de Petrópolis em 2013. O município não respondeu à
reportagem. Em Goiás, a União publicou um convênio com o Executivo estadual em
2009, na gestão Lula, para a construção de um presídio em Novo Gama. A obra
ainda não foi concluída. Segundo o governo estadual, serão retomadas em março,
com investimento de R$ 15 milhões para concluir os 49% restantes até janeiro de
2024.
Agenda turbinada
Há também casos com pouca relevância financeira, mas
que reforçam a profundidade do problema. Em Agrestina, Pernambuco, uma obra
para a construção do pórtico da entrada da cidade já dura oito anos: o convênio
é de junho de 2014. Segundo o secretário municipal de Obras, Sonaldo Serafim, a
construção foi relicitada no fim do ano passado e está 65% concluída. De acordo
com ele, nos oito anos de convênio, duas empresas não conseguiram terminá-la.
Na quarta-feira passada, Lula, em reunião com seu
conselho político, já delineou que a retomada de obras será uma das prioridades
do início do seu terceiro mandato. O governo aposta que isso pode ser um dos
fatores para o reaquecimento da economia. O presidente afirmou que a partir
desta semana vai se reunir com ministros, sobretudo os ligados às áreas de
infraestrutura, para anunciar ações e recomeçar obras. Amanhã, o petista
viajará para a Bahia onde vai inaugurar unidades do Minha Casa, Minha Vida e
oficializará a retomada do programa.
— O dado concreto é que vamos tentar acabar tudo
aquilo o que estava começado e ficou parado. Não queremos saber de quem é a
obra, de que período de governo ela foi feita, queremos saber se ela é de
interesse da cidade ou do estado — afirmou Lula durante a reunião no Planalto
na quarta-feira.
O GLOBO procurou prefeituras e governos estaduais
das dez maiores obras (em valor liberado) para ter mais detalhes, mas nem todos
responderam.


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