É noite e a rua está tranquila, sem nenhum tráfego.
Na calçada e com o celular em mãos, um homem grava enquanto conversa com uma
moça que está com ele. "Marta, botaram esse poste aí quando?".
"Ontem", responde a mulher. Incrédulo, o rapaz atravessa a rua:
"vamos lá no poste", avisa. Ao se aproximar, ele constata. "Tem
condições não. Não tem cabimento. Já tá aqui o limpa-fossa, pô. Não tem nem fio
ainda. Já veio de fábrica", brinca. A notícia ganhou destaque no UOL.
A cena, publicada em uma página de humor de Natal
(RN) em maio deste ano, recebeu 115 mil visualizações e mais de oito mil
curtidas no Instagram. O "limpa-fossa" a que se referem tem nome:
Maiko Lima, de 49 anos. Com 1,70 m, negro de olhos castanhos, cabeça raspada e
sobrancelhas escassas, Lima se tornou um "mito" em Natal ao pintar os
postes para divulgar o trabalho. Da Zona Sul à Zona Norte, é impossível passar
por um bairro em que não se veja um poste com a "marca registrada" de
Maiko: "fossa 3214.6168".
O limpador diz que começou cedo na profissão. Aos 10
anos, na década de 1980, já acompanhava o pai que exercia o mesmo ofício. A
ideia de pichar os postes veio no mesmo período. "A gente foi fazer um
serviço de esgotamento na casa do prefeito de Natal, que chamava-se Marcos
Formiga. Então ele perguntou para o meu pai: 'seu Antônio, o senhor trabalha
direto?'. Meu pai disse: não, é de vez em quando", relembra.
Assim, segundo ele, o próprio prefeito sugeriu que a
dupla adotasse a propaganda nos postes, e a iniciativa deu resultado. "De
lá pra cá eu venho pintando poste, dando de comer à minha família, pagando
escola, plano de saúde. Tudo melhorou 100% depois que eles me deram essa
ideia." Antes disso, a situação era outra. "A gente passava mais fome
do que trabalhava." Por ter um emprego estigmatizado, ele preferiu não
mostrar o rosto nas imagens.
Rotina frenética
Maiko acorda diariamente às 5h e já sai à procura de
postes para pintar. Entre 6h e 7h, está no telefone anotando os serviços que
aparecem para o dia. No final da tarde, novamente, sai em busca das pinturas e
só termina o trabalho às 22h, quando volta para casa.
A rotina é assim de domingo a domingo, dia útil ou
não, faça chuva ou faça sol. A conversa com a reportagem do TAB foi
na segunda-feira (15), feriado da Proclamação da República, dia em que também
trabalhou.
Mas quem vê seu número registrado em cada canto da
cidade pode pensar que Maiko sabe ler e escrever. Se engana. Semi-alfabetizado
e sem nunca ter estudado, aprendeu a escrever o nome do limpa-fossas com o pai,
ainda na infância. Hoje, para anotar os dados dos clientes, se utiliza "da
manha". "As pessoas vão soletrando e eu vou anotando de acordo com o
que o povo vai dizendo. Aí eu bato uma foto e mando para o menino do caminhão.
Ele que destrincha o serviço, entendeu?". Outra técnica é a observação.
"Eu gosto muito de prestar atenção às placas que tem nas esquinas, e vou
gravando."
Para se organizar, Lima anota todos os serviços em
um caderno pequeno, do qual se orgulha pela alta quantidade de serviços. Com a
fala frenética, de quem sabe que não tem tempo a perder, ele explica. "Eu
gasto um caderno por semana de anotações de endereços. E isso eu faço serviço
para Prefeitura do Natal, para o Governo do Estado. Eu faço isso para todo
mundo. O pessoal aqui da Zona Norte todinha. Em cada rua dessa, no mínimo, umas
20 casas eu já entrei", comenta.
"E sem falar que eu arranjo reciclagem para
poder me manter, porque os serviços não dão aquela oportunidade toda de
trabalho. É desse jeito. Eu arranjo reciclagem, eu limpo fossa, eu limpo
quintal, eu lavo piscina, eu lavo caixa d'água. Tudo isso". Por dia, o
desentupidor e pintor diz que faz de 20 a 30 limpezas.
Enquanto a reportagem o acompanhava no caminho para
mais um trabalho — naquele dia, ele tinha mais duas casas e um comércio para
limpar —, o celular não parava. Eram clientes e motoristas de caminhões
limpa-fossa querendo saber onde ele estava.
O trabalho possui lucros variados. Quando começou,
diz Lima, o serviço era todo manual. "A fossa era de um lado, a gente cavava
do outro e secava manualmente. Na década de 1990, foi quando surgiram esses
caminhões de fossas. Aí foi quando caiu mais os serviços da gente que fazia
artesanal". No trabalho manual, usando balde, pá e alavanca, ele recebe R$
200 e divide com mais um ou dois ajudantes. Já no caminhão, a comissão é de
apenas R$ 15.
Junto com Maiko, mora a esposa — empregada
doméstica, que também estava trabalhando no feriado —, e a filha pequena.
Cuidadoso, diz que não mudaria de emprego, mesmo tendo uma profissão estigmatizada
por lidar com excrementos. "Eu faço de R$ 2 a R$ 3 mil por mês, sem saber
ler e escrever. Se eu arrumar um emprego e tirar um salário mínimo é
muito", observa.
Olhos atentos
A caminho de uma casa, onde teria uma fossa para
desentupir, Lima não larga o olho de possíveis novas pichações. Dirigindo o
carro numa rua estreita em um bairro de periferia na região metropolitana de
Natal, avista um poste vazio à frente. "Já vou passar ali depois",
diz. Ao cruzar o objeto, uma surpresa: o poste já estava pintado, só que do
outro lado. "Eu rodo direto, então no momento em que eu vejo um poste bom
de visualização, aí eu já coloco meu telefone. Se você não aparece, ninguém lhe
acha", afirma.
A onipresença das pichações de Maiko em Natal é tão
grande que já gerou "fãs". A página "Todo dia um pixo do Limpa
Fossa" reúne 198 seguidores no Twitter que se dedicam a enviar uma foto
das pinturas sempre que as avistam nas ruas. Mesmo pequena, a página é
atualizada quase diariamente, garantindo um séquito fiel à Lima. Criada em
março de 2020, a página de fãs tem mais de 370 fotos de avistamentos dos
postes, entre locais novos e repetidos.
A ideia da página veio de Jares Duarte, um estudante
de direito de 24 anos e escritor nas horas vagas. "Um dos contos que eu
escrevi foi sobre a onipresença dessa pixação do limpa-fossa em Natal. Tem em
todo canto. Qualquer bairro, qualquer ponto turístico, qualquer grande avenida,
até em ruas menores", diz ele. "E aí um colega meu leu e achou
engraçado. Nessa época, a gente estava jogando Pokómon GO, que é um jogo em que
você caça pokémons na rua, e a gente pensou em juntar as duas coisas. 'E se a
galera caçasse pixo do limpa fossa na rua?', pensou. A brincadeira vingou.
"Eu admiro e acho muito único o empenho de um
cara que está disposto a andar a cidade inteira para deixar a marca dele",
diz Duarte. Eu já recebi na DM do Twitter picho de Pipa, cara, picho em Pirangi
[praias da Grande Natal], que são a centenas de quilômetros de onde eu estou.
Então eu acho no mínimo um ponto fora da curva", fala. Para Maiko, isso
nada mais é do que sua vida normal. Afinal, poste também é sustento.
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