O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), passou os últimos dias inconformado. Não com a pressão de
aliados de Jair Bolsonaro para votar o projeto de anistia ao ex-presidente, que
está preso, e muito menos com as críticas do governo Lula. A revolta de Motta é
com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ) que, na sua avaliação, faz dobradinha
com Sóstenes Cavalcante (RJ), o comandante da bancada do PL.
Há pouco menos de duas semanas, um “espião” petista
repassou a assessores de Motta uma informação que pôs ainda mais lenha na
fogueira. Segundo relatos que chegaram à cúpula da Câmara, Lindbergh propôs,
durante recente reunião com integrantes da bancada do PT, uma forte campanha
contra Motta nas redes sociais.
O “informante”, que estava naquela reunião, teve o
nome mantido em segredo por auxiliares do presidente da Câmara. De acordo com
esses aliados, ele contou que, 24 horas após o plenário aprovar o projeto de
lei antifacção – com várias mudanças em relação ao texto original do governo –,
Lindbergh e outros petistas traçaram um plano de ataque.
A ordem era detonar Motta nas redes sociais, com a
ajuda de influenciadores que apoiam o governo Lula. No último dia 19, depois
que a fuga do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) para os Estados Unidos foi
descoberta, tudo piorou e Motta virou alvo de milícias digitais. A exemplo de
Bolsonaro, Ramagem foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na trama
golpista.
No X, influenciadores ligados ao PT escreveram que o
presidente da Câmara era cúmplice da “bandidagem bolsonarista”.
“Eu acho que o presidente da Câmara precisa ter
maturidade na relação política e institucional, e não ficar atrás de ‘ouvi
dizer isso, ouvi dizer aquilo’, até porque isso é mentira”, afirmou Lindbergh
ao Estadão. Motta não respondeu.
A relação do Palácio do Planalto com o Congresso
está em pé de guerra por temas variados: de queixas sobre falta de pagamento de
emendas à derrubada de vetos presidenciais no projeto que afrouxa o
licenciamento ambiental, passando pelo descontentamento com a indicação de
ministro do STF.
No meio desse imbróglio, Lindbergh pareceu não ligar
para o fato de Motta anunciar publicamente o rompimento com ele.
“Eu ficaria preocupado, sim, se a Gleisi tivesse
rompido comigo”, amenizou ele, numa referência à ministra de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann, com quem é casado. “Hugo Motta tem que colocar
a mão na consciência e ver o que causa essa rusga com a militância do PT e com
o governo. Por acaso ele queria que eu, como líder do PT, ficasse calado diante
da escolha de Guilherme Derrite para relator do projeto de lei antifacção?”,
perguntou Lindbergh.
A estocada era ao secretário de Segurança do governo
de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas, visto como adversário do
presidente Lula nas eleições de 2026. Derrite está de saída do cargo.
Sóstenes, por sua vez, irritou Motta por insistir em
emplacar um destaque no projeto, com o objetivo de equiparar organizações
criminosas a terroristas. A duras penas, o presidente da Câmara já havia
negociado a retirada desse trecho da proposta e ficou furioso com a intervenção
do deputado do PL. “Nenhum destaque que faça equiparação vai passar nessa
Casa”, avisou.
Em conversas reservadas, Motta tem observado que
Lindbergh e Sóstenes combinam o jogo com ele e, depois, para ficar bem na foto,
partem para o ataque diante das câmeras de TV, no plenário e nas mídias
digitais.
“Há um princípio bíblico que diz: ‘A boca fala do
que o coração está cheio’”, filosofou Sóstenes. Para o líder do PL, Motta tem
ciúme de sua amizade com Lindbergh. “Esse clima de animosidade não é bom. Se eu
puder fazer algo para acalmar os ânimos, farei”, resumiu.
Ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica,
Sóstenes é bolsonarista roxo, mas já foi filiado ao PT. Quando jovem, era
daqueles de andar com estrelinha vermelha no peito e distribuir panfletos do
partido nas ruas. Foi nessa época que conheceu Lindbergh.
O líder do PT era presidente da União Nacional dos
Estudantes (UNE). “Fomos caras-pintadas juntos”, lembrou Sóstenes, que, anos
depois, quando Lindbergh ocupou uma cadeira no Senado, trabalhou com ele.
Diante dos holofotes, porém, não é o que parece: na
tribuna da Câmara, Sóstenes defende Bolsonaro com unhas e dentes e vocifera
contra Lula; Lindbergh, na outra ponta, comanda a mais aguerrida oposição ao
ex-presidente.
Agora, por exemplo, o líder petista diz que está se
formando uma “bancada de foragidos” na Câmara, com Ramagem e Carla Zambelli
condenados pela Justiça e vivendo fora do País – sem perder o mandato –, além
de Eduardo Bolsonaro. Os três são do PL, partido capitaneado por Sóstenes na
Câmara.
No Salão Verde da Câmara, no entanto, os líderes do
PT e do PL são só sorrisos depois que as luzes se apagam. E isso não é de hoje.
“Eu, se fosse você, não ficava criticando
governador, não, meu irmãozinho”, disse Sóstenes para Lindbergh após a operação
policial deflagrada há um mês, no Rio, contra o Comando Vermelho. “Eu quero que
você erre, mas não está na hora de ganhar politicamente”, completou ele,
ajeitando a gravata do colega.
O petista não se deu por vencido. “Estou com saudade
de vocês aqui pedindo anistia. Cadê?”, ironizou Lindbergh. Com celular em
punho, caminhou apressado em direção à saída, quando, de repente, resolveu
voltar para dar um recado a Sóstenes. “Não solte a mão do capitão!”, gritou o
petista, em tom de revanche. E foi embora.
Estadão

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