Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU)
emitiram um alerta ao governo Lula de que retirar despesas das regras fiscais
contraria os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e diminui a
transparência das contas públicas. Segundo análise feita sob relatoria do
ministro Benjamin Zymler, nos dois primeiros anos de vigência do novo arcabouço
fiscal, R$ 89,9 bilhões em gastos foram excluídos da meta de resultado
primário, em seis medidas de exceções nos anos de 2024 e 2025.
“Constantes desconsiderações de despesas ou
renúncias de receitas para fins de cumprimento da meta de resultado primário
contrariam os princípios de responsabilidade fiscal”, diz o documento do TCU.
Na semana passada, o plenário do TCU decidiu que o
governo federal será obrigado a perseguir o centro da meta fiscal na hora de
decidir sobre o congelamento de despesas no Orçamento, e não mais o limite
inferior (piso) da meta. O Executivo, contudo, ainda pode recorrer, com efeito
suspensivo da medida. Caso seja mantida, a decisão pode obrigar o governo a
congelar até R$ 34 bilhões a mais em gastos em pleno ano eleitoral.
Procurado, o Ministério da Fazenda disse que a
posição da pasta foi expressa pelo ministro Fernando Haddad durante evento do
Itaú BBA nesta segunda-feira, 29, em São Paulo. Haddad disse que a equipe
econômica segue comprometida em atingir os resultados fiscais, mas que a
interpretação do TCU sobre o centro da meta contraria a determinação dada pelo
Congresso Nacional.
“Penso que a interpretação que o tribunal está dando
colide com a que foi aprovada no Congresso Nacional, mas nós da Fazenda estamos
mais preocupados com o resultado econômico do que com a interpretação
jurídica”, afirmou o ministro.
Já o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou
que não iria se manifestar.
‘Tendência de exclusão’
No relatório da área técnica do TCU, ao qual o
Estadão teve acesso, datado de 2 de setembro, o Tribunal lembra que em 2024 o
governo excluiu das metas o socorro ao Rio Grande do Sul, atingido pelas
chuvas, num valor de R$ 29 bilhões, além de gastos para combater incêndios no
Norte do País, em R$ 1,4 bilhão, e restituição de despesas ao Poder Judiciário,
em R$ 1,3 bilhão.
Já em 2025, o governo desconsiderou R$ 45,3 bilhões
em precatórios (dívidas judiciais da União), mais R$ 3,3 bilhões em
ressarcimento de aposentados do INSS vítimas de fraudes e R$ 9,5 bilhões em
apoio a empresas atingidas pelo tarifaço americano. A proposta em tramitação no
Congresso permite excluir das regras fiscais os gastos com medidas de socorro a
exportadores até 2026.
“Observa-se que tem se mantido uma tendência na
gestão da política fiscal de se aprovar a exclusão de determinadas rubricas de
despesas ou renúncias de receitas para fins da aferição do cumprimento da meta
de resultado primário, prática essa que pode reduzir a credibilidade das regras
fiscais e dificultar o processo de estabilização da dívida pública”, diz o
relatório.
O Tribunal pondera que todas as exclusões ocorreram
após autorização normativa, e que não configuram “vícios de legalidade”. “Não
obstante, envolvem riscos à sustentabilidade da dívida pública e à
credibilidade das próprias regras fiscais”.
O TCU complementa que o novo arcabouço fiscal foi
instituído em meados de 2023 para corrigir o que, na visão da equipe econômica,
seria um problema de “rigidez” do antigo teto de gastos. A nova regra prometeu
flexibilidade para acomodar despesas inesperadas com a criação de um regime de
bandas, que permite ao governo ter uma meta central, mas com um intervalo de
tolerância de 0,25% do PIB para cima ou para baixo.
O problema, diz o Tribunal, é que mesmo com essa
margem de tolerância, o governo vem excluindo despesas da meta. Pelas contas
dos técnicos, se o governo tivesse perseguido o centro da meta em 2024, 90,6%
do gasto excluído da meta poderia ter sido acomodado pela margem de tolerância.
Já em 2025, esse porcentual seria de 53,4%.
“É verdade que a exceção de precatórios (em 2025) já
havia sido estabelecida antes do início do exercício financeiro atual. Então,
pode-se se afirmar que a margem de segurança de R$ 31,0 bilhões entre o centro
da meta e o limite inferior do intervalo de tolerância seria capaz de acomodar
completamente os choques ocorridos ao longo de 2025″, diz o documento.
O Tribunal também lembra que, no terceiro relatório
bimestral de receitas e despesas, o governo estimou ter R$ 4,7 bilhões de
resultado acima do limite da banda fiscal; mas, ainda assim, optou por excluir
as medidas de socorro contra o tarifaço em sua integralidade.
“O que mostra que essa prática tem se tornado comum,
a providência óbvia a ser utilizada diante de qualquer cenário econômico e
fiscal imprevisto”, diz o TCU.
Perda de credibilidade
Com tudo isso, o TCU vê perda de credibilidade da
meta de resultado primário no Brasil (saldo entre receitas e despesas, sem
contar os juros da dívida). Isso dificulta, segundo técnicos do Tribunal, a
ancoragem das expectativas em relação à dívida pública federal. Isso significa
que o governo acaba sendo obrigado a pagar juros mais elevados para a rolagem
da própria dívida.
“Os agentes econômicos deixam de acreditar que a
meta fiscal estabelecida na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) é um bom guia
para o resultado efetivo que ocorrerá ao final do exercício, e o resultado
primário computado para fins de aferição do cumprimento da meta vai aos poucos
perdendo significado econômico, desconectando-se da realidade fiscal a cada
nova exceção aprovada”, diz a Corte de contas.
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos,
concorda com o diagnóstico feito pelo TCU e diz que o alerta do Tribunal é
“oportuno”.
“O que estamos vendo, no caso das metas de resultado
primário, é um enfraquecimento de sua finalidade: já não serve mais como
indicador de esforço, portanto perdeu sua ligação com a evolução da dívida
pública”, afirmou. “Tanto é que o mercado praticamente tem ignorado o fato do
governo atingir as metas porque sabe que o déficit efetivo será maior. Vale ressaltar
que o limite de despesas também está se enfraquecendo haja vista a proliferação
de exceções aprovadas nos últimos tempos”, disse.
Para o TCU, a prática de excluir gastos é pior do
que seria uma mudança efetiva da meta fiscal, porque, na visão de técnicos, há
perda de transparência das estatísticas “na medida que passam a coexistir duas
medidas em paralelo, o resultado primário “legal” e o resultado primário
efetivo".
“Diante do exposto, propõe-se alertar o Poder
Executivo que a reiterada prática de exclusão de despesas e/ou renúncias de
receitas para fins de aferição do cumprimento da meta de resultado primário
contribui para a elevação do endividamento público, para a redução da
transparência das estatísticas fiscais e para a perda de credibilidade das
regras fiscais vigentes, sendo uma prática não aderente ao princípio de
responsabilidade na gestão fiscal estabelecido pelo §1º do art. 1º da
LRF", concluem os técnicos do tribunal.
Estadão
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