domingo, 31 de agosto de 2025

RN elabora planos para desenvolver e interiorizar a carcinicultura

 


Felipe Salustino
Repórter

O Rio Grande do Norte, que já foi o principal produtor de camarão do País e hoje ocupa a segunda posição, busca alavancar o setor por meio de duas iniciativas ainda em fase de formulação, mas já bem vistas por quem atua na área. Uma é o Programa de Interiorização da Carcinicultura, aprovado na semana passada pela Comissão de Finanças e Fiscalização (CFF) da Assembleia Legislativa (ALRN) para estimular a formalização da atividade em regiões afastadas da costa. A outra é o Plano de Desenvolvimento da Carcinicultura do RN, que começará a ser criado pela Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC) em novembro.

O plano conta com recursos da ordem de R$ 200 mil oriundos de uma emenda parlamentar destinada pelo deputado federal Benes Leocádio (União Brasil). Itamar Rocha, presidente da ABCC explica que o Plano de Desenvolvimento da Carcinicultura do Ceará, já finalizado, servirá de base para o do Rio Grande do Norte. “Nós já sabemos onde está o potencial do RN, agora, precisamos colocar isso no papel para atrair investidores. Queremos mostrar que o Rio Grande do Norte tem condições excepcionais para crescer, diante da nossa excelente capacidade hídrica e baixa salinidade”, explica Rocha.

Na semana passada, o Plano de Desenvolvimento da carcinicultura potiguar foi oficializado com a publicação no Diário Oficial da União, através do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e da Secretaria Nacional de Aquicultura. À reportagem, o MPA informou que o objetivo é fazer um diagnóstico completo da cadeia produtiva do camarão marinho e criar estratégias que tornem a produção mais sustentável e competitiva. A ideia é fornecer informações para que o governo, universidades e empresas possam criar projetos e atrair investimentos que impulsionam o setor.

“Durante a vigência, o Plano prevê atividades de campo com entrevistas, coleta de dados e levantamentos socioeconômicos, que resultarão em um relatório final apontando diretrizes para o ordenamento e expansão sustentável da atividade. Como produto final, será publicado um livreto a ser distribuído entre produtores, autoridades públicas, entidades setoriais e instituições de ensino e pesquisa, servindo como referência para políticas de fomento à carcinicultura marinha”, esclareceu o MPA.

O presidente da Associação Norte-Riograndense de Criadores de Camarão (ANCC), Orígenes Monte, avalia a iniciativa como essencial, uma vez que o RN já ocupou o topo da produção de camarão no País. “Fomos ultrapassados pelo Ceará, caímos para segundo lugar e estamos pertinho de declinar para a terceira posição. Então, não resta dúvida de que o plano de desenvolvimento e o programa de interiorização vão fomentar o crescimento da carcinicultura do RN, a exemplo do que vem acontecendo em outros estados”, frisa.

A vigência estabelecida para o plano é de 24 meses. De acordo com a ABCC, o Nordeste domina a produção do crustáceo no País. No ano passado, o Ceará produziu 110 mil toneladas de camarão, enquanto o RN chegou a 36 mil. Em seguida, vêm a Paraíba, como 25 mil toneladas, Pernambuco, com 8,5 mil e Bahia (8 mil toneladas).

Potencial para dobrar produção

Itamar Rocha explicou que o Plano de Desenvolvimento não deverá prever, pelo menos em números, como se dará a expansão do setor, mas assegura que o Rio Grande do Norte tem potencial para mais que dobrar a produção atual. “Sem dúvida alguma, digo que a produção do RN pode chegar a 80 mil toneladas”, pontua. Orígenes Monte, da ANCC, também acredita que a atividade tem potencial para avançar, mas afirma que isso só se dará com a efetivação das iniciativas em curso e no longo prazo. “É um processo lento, que não acontece do dia para noite. Mas, assim como ocorreu no Ceará, o RN poderá dobrar de produção”, afirmou.

Além do Plano de Desenvolvimento, o Programação de Interiorização tem como objetivo desconcentrar a produção de camarão do litoral e incentivar a implantação de fazendas aquícolas no interior. Pelo texto enviado à ALRN pelo Governo do Estado, empreendimentos de carcinicultura com até cinco hectares de área produtiva inundada ficarão isentos do pagamento de taxas de outorga de água e de licenças ambientais, buscando reduzir custos para os produtores.

O projeto estabelece ainda que a Secretaria de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape) terá 120 dias após a publicação da lei para elaborar um plano de monitoramento da qualidade da água nas bacias hidrográficas impactadas pela expansão da carcinicultura. A matéria segue em análise na Assembleia.

O produtor Enox Maia, da Acqua Trade Aquicultura, em Mossoró, afirma que tanto o Plano quanto o Programa são bem-vindos para a atividade. Ele, no entanto, faz uma ressalva quanto ao limite de hectares estabelecido para as isenções que constam no programa de interiorização. “Seria muito interessante se esse limite fosse ampliado para, pelo menos, 20 hectares por produtor, até por conta da viabilidade econômica do negócio. Uma atividade pequena reduz capacidades de pagamento, estendendo o tempo que o produtor leva para recuperar o volume aplicado em investimentos”, conta Enox, que produz cerca de cinco toneladas de camarão por mês em uma área de 10 hectares.

A ampliação do limite de áreas para a concessão de isenções no Programa tem sido uma demanda das associações Brasileira e Norte-Riograndense de Camarão. “Esse limite, no nosso entendimento, praticamente não traz impacto algum em termos de expansão da atividade”, diz Itamar Rocha, da ABCC. Orígenes Monte, da ANCC, acredita que este é um ponto que ainda poderá ser contemplado até o final da tramitação do texto na Assembleia Legislativa. “Achamos esse limite muito pouco. O ideal é que fosse, ao menos, mais 10 hectares”, pontua.

O secretário Guilherme Saldanha, da Agricultura, Pecuária e Pesca do RN (Sape), avalia que o limite estabelecido já é expressivo. “O foco do programa são os pequenos negócios. Produzir camarão não é barato. Em se tratando de cinco hectares, são necessários investimentos da ordem de R$ 2 milhões. Então, o projeto abrange um universo muito grande”, afirma o gestor. Para Saldanha, as duas iniciativas são bem-vindas, levando em conta ainda o aproveitamento das águas do São Francisco para a atividade.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, disse que tem acompanhado as iniciativas de forma atenta.

“O programa de interiorização é uma estratégia que transforma áreas do interior — muitas vezes com águas salobras, inadequadas para consumo humano ou agricultura tradicional — em territórios produtivos para a criação de camarões. Experiências em estados vizinhos demonstram que essa abordagem gera impactos socioeconômicos positivos, estimula a economia local e cria novas oportunidades de emprego”, comenta Vieira, enquanto afirma que o mapeamento das potencialidades do RN para a carcinicultura promove o crescimento sustentável da cadeia.

Estado liderou carcinicultura por décadas

O Rio Grande do Norte foi líder nacional na produção de camarão marinho por décadas. Para se ter uma ideia, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), em 2003 o estado produziu 37,4 mil toneladas de um total de 90,1 mil em todo o País. No entanto, alguns problemas como a chegada da mionecrose infecciosa (doença que acomete crustáceos) e os efeitos de enchentes
ocorridas em 2004, 2008 e 2009 levaram a uma queda brusca de produção e fizeram com que o estado perdesse a liderança.

Nos últimos anos, de acordo com a ABCC, a produção do Rio Grande do Norte vem em crescimento quase que constante (com exceção do ano de 2023, que registrou os mesmos números de 2019). Apesar da alta, o Estado potiguar não conseguiu retomar a liderança, que segue com os vizinhos cearenses. Conforme os dados da ABCC, em 2016 o RN produziu 15 mil toneladas de camarão; já em 2017 foram produzidas 19,5 mil; em 2018 o número saltou para 23 mil; em 2019, 26 mil; 2020, 28 mil; 2021, 26 mil; 2022, 28 mil; 2023, 30 mil e em 2024, 36 mil.

Itamar Rocha aponta que a liderança da carcinicultura cearense em todo este período está ligada a iniciativas como o Plano de Desenvolvimento e o Programa de Interiorização, o que reforça, segundo ele, a necessidade de aplicá-las no RN. “A interiorização no Ceará se deu no Vale do Jaguaribe. Aqui, nós temos um enorme potencial hídrico, que é o Aquífero Jandaíra”, aponta.

Orígenes Monte, da Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores de Camarão (ANCC), destaca também como potencial para o crescimento do setor a estrutura de fiscalização já desenvolvida por aqui. “Temos 95% das nossas fazendas de camarão legalizadas, com licença ambiental, enquanto o Ceará tem apenas 15%”, diz Orígenes. “Ainda assim, por lá são cerca de 2,5 mil produtores, enquanto por aqui são aproximadamente 500”, frisa Itamar, da ABCC.

 

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