Felipe Salustino
Repórter
O Rio Grande do Norte, que já foi o principal
produtor de camarão do País e hoje ocupa a segunda posição, busca alavancar o
setor por meio de duas iniciativas ainda em fase de formulação, mas já bem
vistas por quem atua na área. Uma é o Programa de Interiorização da
Carcinicultura, aprovado na semana passada pela Comissão de Finanças e
Fiscalização (CFF) da Assembleia Legislativa (ALRN) para estimular a
formalização da atividade em regiões afastadas da costa. A outra é o Plano de
Desenvolvimento da Carcinicultura do RN, que começará a ser criado pela
Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC) em novembro.
O plano conta com recursos da ordem de R$ 200 mil
oriundos de uma emenda parlamentar destinada pelo deputado federal Benes
Leocádio (União Brasil). Itamar Rocha, presidente da ABCC explica que o Plano
de Desenvolvimento da Carcinicultura do Ceará, já finalizado, servirá de base
para o do Rio Grande do Norte. “Nós já sabemos onde está o potencial do RN,
agora, precisamos colocar isso no papel para atrair investidores. Queremos
mostrar que o Rio Grande do Norte tem condições excepcionais para crescer,
diante da nossa excelente capacidade hídrica e baixa salinidade”, explica
Rocha.
Na semana passada, o Plano de Desenvolvimento da
carcinicultura potiguar foi oficializado com a publicação no Diário Oficial da
União, através do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e da Secretaria
Nacional de Aquicultura. À reportagem, o MPA informou que o objetivo é fazer um
diagnóstico completo da cadeia produtiva do camarão marinho e criar estratégias
que tornem a produção mais sustentável e competitiva. A ideia é fornecer informações
para que o governo, universidades e empresas possam criar projetos e atrair
investimentos que impulsionam o setor.
“Durante a vigência, o Plano prevê atividades de
campo com entrevistas, coleta de dados e levantamentos socioeconômicos, que
resultarão em um relatório final apontando diretrizes para o ordenamento e
expansão sustentável da atividade. Como produto final, será publicado um
livreto a ser distribuído entre produtores, autoridades públicas, entidades
setoriais e instituições de ensino e pesquisa, servindo como referência para
políticas de fomento à carcinicultura marinha”, esclareceu o MPA.
O presidente da Associação Norte-Riograndense de
Criadores de Camarão (ANCC), Orígenes Monte, avalia a iniciativa como
essencial, uma vez que o RN já ocupou o topo da produção de camarão no País.
“Fomos ultrapassados pelo Ceará, caímos para segundo lugar e estamos pertinho
de declinar para a terceira posição. Então, não resta dúvida de que o plano de
desenvolvimento e o programa de interiorização vão fomentar o crescimento da
carcinicultura do RN, a exemplo do que vem acontecendo em outros estados”,
frisa.
A vigência estabelecida para o plano é de 24 meses.
De acordo com a ABCC, o Nordeste domina a produção do crustáceo no País. No ano
passado, o Ceará produziu 110 mil toneladas de camarão, enquanto o RN chegou a
36 mil. Em seguida, vêm a Paraíba, como 25 mil toneladas, Pernambuco, com 8,5
mil e Bahia (8 mil toneladas).
Potencial para dobrar produção
Itamar Rocha explicou que o Plano de Desenvolvimento
não deverá prever, pelo menos em números, como se dará a expansão do setor, mas
assegura que o Rio Grande do Norte tem potencial para mais que dobrar a
produção atual. “Sem dúvida alguma, digo que a produção do RN pode chegar a 80
mil toneladas”, pontua. Orígenes Monte, da ANCC, também acredita que a
atividade tem potencial para avançar, mas afirma que isso só se dará com a
efetivação das iniciativas em curso e no longo prazo. “É um processo lento, que
não acontece do dia para noite. Mas, assim como ocorreu no Ceará, o RN poderá
dobrar de produção”, afirmou.
Além do Plano de Desenvolvimento, o Programação de
Interiorização tem como objetivo desconcentrar a produção de camarão do litoral
e incentivar a implantação de fazendas aquícolas no interior. Pelo texto enviado
à ALRN pelo Governo do Estado, empreendimentos de carcinicultura com até cinco
hectares de área produtiva inundada ficarão isentos do pagamento de taxas de
outorga de água e de licenças ambientais, buscando reduzir custos para os
produtores.
O projeto estabelece ainda que a Secretaria de
Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape) terá 120 dias após a
publicação da lei para elaborar um plano de monitoramento da qualidade da água
nas bacias hidrográficas impactadas pela expansão da carcinicultura. A matéria
segue em análise na Assembleia.
O produtor Enox Maia, da Acqua Trade Aquicultura, em
Mossoró, afirma que tanto o Plano quanto o Programa são bem-vindos para a
atividade. Ele, no entanto, faz uma ressalva quanto ao limite de hectares estabelecido
para as isenções que constam no programa de interiorização. “Seria muito
interessante se esse limite fosse ampliado para, pelo menos, 20 hectares por
produtor, até por conta da viabilidade econômica do negócio. Uma atividade
pequena reduz capacidades de pagamento, estendendo o tempo que o produtor leva
para recuperar o volume aplicado em investimentos”, conta Enox, que produz
cerca de cinco toneladas de camarão por mês em uma área de 10 hectares.
A ampliação do limite de áreas para a concessão de isenções
no Programa tem sido uma demanda das associações Brasileira e
Norte-Riograndense de Camarão. “Esse limite, no nosso entendimento,
praticamente não traz impacto algum em termos de expansão da atividade”, diz
Itamar Rocha, da ABCC. Orígenes Monte, da ANCC, acredita que este é um ponto
que ainda poderá ser contemplado até o final da tramitação do texto na
Assembleia Legislativa. “Achamos esse limite muito pouco. O ideal é que fosse,
ao menos, mais 10 hectares”, pontua.
O secretário Guilherme Saldanha, da Agricultura,
Pecuária e Pesca do RN (Sape), avalia que o limite estabelecido já é
expressivo. “O foco do programa são os pequenos negócios. Produzir camarão não
é barato. Em se tratando de cinco hectares, são necessários investimentos da
ordem de R$ 2 milhões. Então, o projeto abrange um universo muito grande”,
afirma o gestor. Para Saldanha, as duas iniciativas são bem-vindas, levando em
conta ainda o aproveitamento das águas do São Francisco para a atividade.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária
do RN (Faern), José Vieira, disse que tem acompanhado as iniciativas de forma
atenta.
“O programa de interiorização é uma estratégia que
transforma áreas do interior — muitas vezes com águas salobras, inadequadas
para consumo humano ou agricultura tradicional — em territórios produtivos para
a criação de camarões. Experiências em estados vizinhos demonstram que essa
abordagem gera impactos socioeconômicos positivos, estimula a economia local e
cria novas oportunidades de emprego”, comenta Vieira, enquanto afirma que o
mapeamento das potencialidades do RN para a carcinicultura promove o
crescimento sustentável da cadeia.
Estado liderou carcinicultura por
décadas
O Rio Grande do Norte foi líder nacional na produção
de camarão marinho por décadas. Para se ter uma ideia, segundo a Associação
Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), em 2003 o estado produziu 37,4 mil
toneladas de um total de 90,1 mil em todo o País. No entanto, alguns problemas
como a chegada da mionecrose infecciosa (doença que acomete crustáceos) e os
efeitos de enchentes
ocorridas em 2004, 2008 e 2009 levaram a uma queda brusca de produção e fizeram
com que o estado perdesse a liderança.
Nos últimos anos, de acordo com a ABCC, a produção
do Rio Grande do Norte vem em crescimento quase que constante (com exceção do
ano de 2023, que registrou os mesmos números de 2019). Apesar da alta, o Estado
potiguar não conseguiu retomar a liderança, que segue com os vizinhos
cearenses. Conforme os dados da ABCC, em 2016 o RN produziu 15 mil toneladas de
camarão; já em 2017 foram produzidas 19,5 mil; em 2018 o número saltou para 23
mil; em 2019, 26 mil; 2020, 28 mil; 2021, 26 mil; 2022, 28 mil; 2023, 30 mil e
em 2024, 36 mil.
Itamar Rocha aponta que a liderança da
carcinicultura cearense em todo este período está ligada a iniciativas como o
Plano de Desenvolvimento e o Programa de Interiorização, o que reforça, segundo
ele, a necessidade de aplicá-las no RN. “A interiorização no Ceará se deu no
Vale do Jaguaribe. Aqui, nós temos um enorme potencial hídrico, que é o
Aquífero Jandaíra”, aponta.
Orígenes Monte, da Associação Norte-Rio-Grandense de
Criadores de Camarão (ANCC), destaca também como potencial para o crescimento
do setor a estrutura de fiscalização já desenvolvida por aqui. “Temos 95% das
nossas fazendas de camarão legalizadas, com licença ambiental, enquanto o Ceará
tem apenas 15%”, diz Orígenes. “Ainda assim, por lá são cerca de 2,5 mil
produtores, enquanto por aqui são aproximadamente 500”, frisa Itamar, da ABCC.
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