O Brics é uma miragem
A reação nula à ofensiva tarifária de Trump rasga a
fantasia de Lula a respeito do Brics, que em seu primeiro grande teste como
bloco econômico mostrou que, na prática, é cada um por si
A mais recente investida tarifária de Donald Trump
contra Brasil e Índia – ambos atingidos com sobretaxas de 50% – foi o primeiro
teste real da capacidade do Brics de agir como bloco. O resultado foi
desolador: silêncio, hesitação e, por fim, declarações vagas que não ousaram
sequer mencionar o agressor. Se o Brics já parecia um clube retórico, sob a
presidência brasileira provou-se irrelevante.
O contraste entre o tamanho da retórica e a inércia
prática revela muito sobre a política externa do governo Lula. Desde o início
do terceiro mandato, o presidente apostou no Brics como vitrine de liderança
global e contraponto à “hegemonia” americana. Essa aposta, como se vê agora,
foi um grosseiro erro de cálculo: a China, real centro de gravidade do grupo,
move-se segundo seus próprios interesses; a Índia busca equilibrar-se entre
Moscou e Washington; e os autocratas agregados à mesa pouco ou nada podem
oferecer além do ressentimento diante da política de força dos Estados Unidos.
O episódio também expôs o isolamento estratégico do
Brasil. Em vez de preparar terreno para negociações diretas com Washington –
algo que um estadista faria mesmo diante de antagonismos pessoais –, Lula
preferiu acionar um foro incapaz de oferecer respostas concretas. Essa escolha
tem menos a ver com pragmatismo e mais com a esclerosada “doutrina Amorim”,
inspirada pelo chanceler de facto Celso Amorim: antiamericanismo como
princípio, aproximação automática com China e Rússia como meio, e, como fim, a
crença de que um tal “Sul Global” coeso existe e aguarda ansiosamente a
liderança de Lula.
A realidade é bem menos romântica. O Brics, criado
como plataforma para grandes economias emergentes ampliarem sua voz em
instituições multilaterais, degenerou em arena de disputa sino-indiana e
instrumento de projeção geopolítica de Pequim. A ampliação recente, patrocinada
por China e Rússia com a complacência de Lula, diluiu a influência brasileira e
reforçou o caráter autoritário do clube. Na prática, servimos como figurantes
para causas alheias – e, agora, como alvo fácil para um governo americano
disposto a punir quem flerta com rivais estratégicos.
Trump, ao substituir as regras de Bretton Woods por
negociações transacionais e confrontos bilaterais, reposicionou o tabuleiro
global. Nesse jogo, países como o Brasil não são protagonistas: são peças a
serem descartadas ou usadas como exemplo. A reação brasileira – consultar
parceiros para “avaliar impactos” – não impressiona nem adversários nem
aliados. Ao contrário: sinaliza fraqueza e confirma a percepção de que Brasília
não dispõe de estratégia para ir além de declarações protocolares.
O custo dessa imprudência já é visível – e salgado.
Exportadores perdem acesso ao maior mercado do mundo; setores inteiros, do
agronegócio à indústria, enfrentam incertezas; e a margem de manobra
diplomática encolhe a olhos vistos. Enquanto isso, o Planalto insiste em discursos
sobre a substituição do dólar, acenos públicos a regimes autoritários e gestos
de alinhamento a Pequim – provocações gratuitas que apenas agravam o quadro.
Não há nada de inevitável nesse enredo. A tradição
diplomática brasileira sempre foi de não alinhamento pragmático: cultivar
relações com todos, preservar autonomia e evitar ser arrastado para disputas
alheias. Essa tradição, que historicamente permitiu ao Brasil atuar como
interlocutor confiável, está sendo corroída por escolhas ideológicas e pelas
ambições pessoais de Lula, que sacrificam o capital diplomático do País em nome
de uma narrativa terceiro-mundista.
O episódio deveria servir de lição. A independência
não se constrói com bravatas contra Washington nem com subserviência a Pequim,
mas com credibilidade, diversificação de parcerias e defesa consistente dos
próprios interesses. Enquanto Lula insistir em transformar a política externa
em palanque ideológico, o Brasil continuará pagando a conta – e, no teatro
geopolítico, seguirá confinado ao papel de coadjuvante descartável, assistindo
de fora às decisões que moldam a ordem internacional.
Opinião do Estadão
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