O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) vai totalizar em seu terceiro mandato pelo menos R$ 387,8 bilhões em
gastos não contabilizados na meta fiscal, uma das principais regras das contas
públicas no País. O número foi atingido com o pacote de socorro às empresas
afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
anunciado na quinta-feira, 13, que vai retirar R$ 9,5 bilhões da meta até 2026.
O plano de socorro, batizado de Brasil Soberano,
terá R$ 4,5 bilhões em gastos com aportes em fundos garantidores e R$ 5 bilhões
em renúncias de receitas do Reintegra, programa que beneficia exportadores,
ambos fora da meta. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA),
apresentou um projeto de lei complementar para autorizar o governo a fazer essa
manobra, que precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional.
A medida foi criticada por especialistas, que
apontam uma prática recorrente da equipe econômica de burlar a regra em
momentos de emergência e diminuir a credibilidade da âncora fiscal. De 2023 a
2026, os gastos fora da meta de resultado primário somarão ao menos R$ 387,8
bilhões, segundo números do Tesouro Nacional analisados por especialistas
consultados pelo Estadão.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que 87%
do montante “decorre da necessidade de reverter o calote em credores de
precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de Transição
para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos
no Orçamento deixado pelo governo anterior”.
Fábio Serrano, diretor executivo de Pesquisa
Macroeconômica do BTG Pactual, calcula que R$ 334 bilhões estão fora da meta
nos três primeiros anos de governo, e estima que pelo menos R$ 55 bilhões em
precatórios (dívidas judiciais da União) serão excluídos no ano que vem. Com
isso, serão R$ 389,7 bilhões em quatro anos, no total.
O cálculo é similar ao de Tiago Sbardelotto, auditor
licenciado do Tesouro e economista da XP Investimentos, que chegou a R$ 387,76
bilhões. Em ambos os casos, o risco é que a conta fique maior, com novas
concessões feitas pelo Congresso durante a tramitação da proposta de socorro, e
com a proximidade das eleições presidenciais de 2026.
Os valores incluem o reajuste do Bolsa Família feito
em 2023 pela PEC da Transição, o pagamento do calote dos precatórios dado no
governo Jair Bolsonaro (PL), as medidas de socorro à calamidade climática no
Rio Grande do Sul e o ressarcimento de aposentados e pensionistas vítimas da
fraude no INSS, entre outras despesas.
“O programa Brasil Soberano nos pareceu bem
calibrado para lidar com os impactos das tarifas, apesar de o número ter ficado
um pouco acima do esperado. No entanto, a exclusão da meta aumenta o risco de
que seja ampliado no Congresso, já que a operação contábil remove uma restrição
orçamentária que limitava a medida”, diz Serrano.
“Essa iniciativa se soma a diversas outras retiradas
da meta ao longo dos últimos anos. O arcabouço funciona num sistema de banda
(intervalo de tolerância) justamente para acomodar choques; mas, como o governo
federal tem consistentemente mirado a banda inferior e não o centro da meta,
todos os choques sofridos nesse período têm sido acomodados fora da
contabilização do resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem
contar os juros da dívida)”, completa o economista.
Sbardelotto diz que esse tipo de prática acaba
enfraquecendo a meta de resultado primário como um indicador confiável sobre as
contas públicas.
“O grande problema é que a multiplicação de
deduções, algumas de forma casuística, acaba fragilizando a meta de resultado
primário como indicador de esforço fiscal do governo”, afirma. “Em outros
termos, o governo pode até cumprir a meta, mas o déficit real, o que impacta
efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo muito maior”, diz.
Em 2023, o governo aumentou o espaço do antigo teto
de gastos em R$ 145 bilhões, que ficaram fora do cálculo da meta, após a
aprovação da PEC da Transição no ano anterior. Também em 2023, o STF liberou o
pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios que o governo Bolsonaro havia
prorrogado e os valores não foram contabilizados na regra fiscal.
Parte do pagamento de precatórios continuou fora do
cálculo da meta nos anos seguintes. Recentemente, o governo patrocinou uma
proposta na Câmara para adiar em dez anos o retorno total desses valores à
baliza fiscal. Agora, com o pacote do tarifaço, o Poder Executivo foi além e
propôs não só a retirada de mais despesas da meta, mas também a exclusão de
renúncias de receitas da contabilidade.
Com o Reintegra, que gera créditos tributários para
exportadores, serão R$ 5 bilhões a menos na arrecadação que aumentarão o
déficit, mas que serão contabilizados como se a receita tivesse entrado. Se o
governo ressarcir as empresas em vez de abater o pagamento de outros impostos,
como prevê o programa, os gastos também não entrarão no cálculo da meta.
O governo pode até cumprir a meta, mas o déficit
real, o que impacta efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo
muito maior.
Estadão
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