Perfis de esquerda com poucos seguidores e indícios
de comportamento automatizado e coordenado concentraram boa parte da
mobilização crítica ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao presidente americano
Donald Trump na rede social X, após o anúncio do tarifaço a produtos
brasileiros. Dados reunidos pelo GLOBO a partir da ferramenta de monitoramento
Brandwatch mostram que cerca de um terço do 1,6 milhão de postagens com o mote
“Bolsonaro taxou o Brasil”, feitas ao longo da última semana, partiu de um conjunto
pequeno de contas com alto volume e frequência de publicações.
Do total de 149 mil contas analisadas entre 9 e 14
de julho, cerca de mil delas concentraram 31% de todo o conteúdo — alinhado ao
discurso do governo de Luiz Inácio Lula da Silva — compartilhado no período
(500 mil postagens). No grupo, 639 somam menos de mil seguidores cada, número
consideravelmente inferior ao total de usuários que acompanham, por exemplo,
influenciadores de esquerda conhecidos, como Thiago dos Reis (445 mil seguidores),
ou a conta oficial do PT (1,5 milhão de seguidores).
O perfil com maior volume de publicações no período,
identificado como Gilson Araújo (@GilsonAraj90635), exemplifica o comportamento
com indício de automação, tática associada nos últimos anos ao bolsonarismo. A
conta fez 20 postagens por minuto na tarde da última sexta-feira, por volta das
14h, e tem apenas 169 seguidores no X. O perfil replicou em boa parte das
publicações a hashtag “Bolsonaro taxou o Brasil”, atribuindo a responsabilidade
do anúncio das tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros ao ex-presidente.
Horas antes, o uso da mesma expressão foi incentivado
por administradores de um grupo de WhatsApp que reúne influenciadores e
apoiadores que compõem o chamado “Clube de Influência”, iniciativa lançada pelo
PT há duas semanas para a mobilização contra o Congresso e pela campanha de
“ricos contra pobres”. Reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” revelou na
segunda-feira que a rede criada para abastecer influenciadores conta com
integrantes do Instituto Lula, da Fundação Perseu Abramo e sindicatos.
Descrita no canal de mensagens como uma “nova estratégia”
e uma “onda de tags e textos para não perder a pauta e derrubar a deles
(oposição)”, a orientação para o uso da expressão foi dada às 11h09 da
sexta-feira. Cerca de 50 minutos depois, a frase de efeito já circulava em
contas de usuários alinhados à esquerda, tendo sido replicada pelo perfil com
maior volume de publicações mapeado pelo GLOBO. Na postagem, a conta afirma que
o ex-mandatário teria “taxado o Brasil para chantagear o STF e ficar livre de
todos os crimes que cometeu”. Repostada também por outras contas, a mesma tag
apareceu uma hora depois em primeiro lugar nos “trending topics” do X, marco
registrado e comemorado também no canal de mensagens do WhatsApp.
A mesma hashtag foi replicada por uma segunda conta,
identificada pelo nome “@OveinhoT78336”, também com comportamento semelhante ao
de um “robô”. O perfil retuitou uma postagem que juntava a frase a outras
hashtags recomendadas no grupo de WhatsApp: “BolsoTaxa” e “Defenda o Brasil”,
além de “Estamos com Lula”. A conta, que tem 1.270 seguidores, fez 3.335
publicações ao longo da última semana, chegando à máxima de 27 postagens por
minuto.
Em meio aos retuítes, também prevaleceram
compartilhamentos de lideranças políticas da esquerda, como o líder do PT na
Câmara, Lindbergh Farias (RJ), e conteúdos com a expressão “Respeita o Brasil”,
divulgada na semana passada após a ameaça de tarifaço feita por Trump. O slogan
foi um dos difundidos nas redes sociais pela militância petista junto da
campanha “Brasil com S de Soberania”, adotada em um vídeo publicado nos perfis
do governo federal.
Resposta estruturada
A mobilização coordenada, segundo o diretor da
Escola de Comunicação da Fundação Getulio Vargas (FGV Comunicação Rio), Marco
Aurélio Ruediger, é mais um indício de que a esquerda tem tentado
“reposicionar” sua atuação nas redes nas últimas semanas, depois de dois anos
reagindo a pautas levantadas pela direita:
— A resposta tem sido mais estruturada no sentido de
contrabalancear a construção de narrativas que, geralmente, vem da oposição, e
dessa vez conseguiu favorecer o governo pela entrada do trumpismo na discussão
nacional. Hoje, quase não se fala mais sobre a questão da derrubada do IOF ou
da crise do INSS.
O alcance da campanha contrária a Trump e Bolsonaro,
para a professora e pesquisadora Letícia Capone, do Instituto Democracia em
Xeque, favorece a percepção da população sobre o campo político, que passa a
ser visto como um segmento que consegue convergir e mobilizar reações a
decisões políticas:
— A partir do momento em que a esquerda e o governo
passam a mobilizar hashtags e publicações, isso pode sugerir para a população
que eles estão mais alinhados com o que está circulando na esfera pública.
O Globo
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