A decisão do Congresso Nacional de derrubar o
decreto do governo que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)
agrava a crise fiscal e piora a situação política entre Executivo e Parlamento,
com líderes falando até em rompimento com o Palácio do Planalto.
O Ministério da Fazenda calculava uma receita de R$
10 bilhões neste ano com a medida e o dobro disso no ano que vem. Para 2025,
uma receita necessária para evitar um congelamento ainda maior nos gastos, hoje
em R$ 31,3 bilhões.
Para 2025, a derrubada do IOF sem compensação
compromete a busca pela meta de resultado das contas públicas, um superávit de
R$ 30 bilhões. Cerca de um terço dessa folga seria obtida com o IOF.
O projeto que derruba a medida do Poder Executivo
foi aprovado por ampla margem na Câmara, com 383 votos favoráveis e 98
contrários. Já no Senado a votação foi simbólica, sem o registro nominal dos
votos.
A votação contou com apoio de partidos que até então
davam maioria de votos a favor do Planalto, como MDB e PSD. Os líderes Antonio
Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL), mesmo sendo de perfil governista,
orientaram seus partidos para derrubar a medida.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi
Hoffmann, chegou a procurar Brito nesta quarta-feira antes da votação, mas ele
reforçou que o partido trabalharia contra.
Parlamentares dizem que o rompimento não é
definitivo, mas que o governo vai precisar trabalhar para reconstruir a relação
com o Congresso.
Integrantes do Congresso a par das discussões dizem
que uma série de razões fizeram com que Motta e Alcolumbre contratassem essa
derrota para o governo em meio a uma semana tradicionalmente esvaziada por
conta dos festejos juninos.
O ritmo que os parlamentares consideram lento na
liberação de emendas é uma das causas apontadas, mas integrantes do Congresso
também dizem que o aumento de IOF teria resistência de qualquer forma porque o
Poder Legislativo chegou a um esgotamento em relação à estratégia do governo de
tentar melhorar as contas públicas via aumento de arrecadação.
Entre os motivos apontados também estão as queixas
em relação a uma série de declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Ontem, Haddad criticou o Congresso em entrevista à TV Record, na véspera da
votação, e avaliou que os parlamentares não querem cortar gastos enquanto votam
um projeto que aumenta o número de deputados.
Haddad também disse em um evento com empresários há
algumas semanas que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) dava um
melhor tratamento às pautas econômicas do governo. A comparação, ainda que
implícita, deixou Motta incomodado, segundo deputados.
Outros motivos para as rusgas do Congresso com o
ministro é o discurso que ele tem adotado de que o Poder Legislativo se
preocupa em atender “à cobertura”, em referência ao que seria um foco dos
parlamentares nos ricos em vez da população mais pobre.
— Haddad é parte. Emendas, compromissos não
cumpridos, discursos estigmatizantes (também são parte) — diz o líder do PDT na
Câmara, Mario Heringer (MG).
Um líder do Centrão aliado de Hugo Motta tem
avaliação semelhante e diz que a crise com o governo existe por todo o
“conjunto da obra” e não por um acontecimento específico isolado.
Contribuiu para a crise também o desgaste sofrido
pelo Congresso ao ter derrubado vetos feitos pelo governo na lei que
regulamenta instalação de equipamentos para energia eólica em alto mar
(offshore). Na prática, a decisão do Legislativo deve aumentar a conta de luz.
Uma parte do PT avalia que não há no momento espaço
para diálogo com os partidos do Centrão e prega um distanciamento.
Líderes da base do governo tanto na Câmara, quanto
no Senado, viram no gesto de Motta e também de Alcolumbre como uma forma de
mostrar que não há mais relação com o governo. Os presidentes da Câmara e do
Senado se reuniram antes do assunto ser colocado em pauta e combinaram de fazer
essa reação coordenada.
Por outro lado, deputados próximos do presidente da
Câmara e também do governo minimizam o teor da crise e avaliam que a derrubada
do decreto é algo natural e já estava programada.
— Estava previsto para ser pautado a qualquer
momento, desde quando aprovou a urgência — disse o líder do MDB, Isnaldo
Bulhões (AL).
Já o líder do Republicanos, Gilberto Abramo (MG),
seguiu a mesma linha:
— Há tempos o parlamento vem dando sinais de
insatisfação ao aumento de impostos. Era questão de dias.
As reviravoltas em torno do IOF já renderam três
decretos diferentes sobre o assunto. O primeiro foi publicado no dia 22 de maio
e elevou a alíquota de diversas operações. No mesmo dia, o governo recuou
apenas na tributação das remessas de fundos brasileiros ao exterior. Após
reação negativa de setores do mercado e parlamentares, o governo publicou um
decreto "recalibrando" os valores do IOF.
Paralelamente a isso, o governo publicou uma medida
provisória (MP) com medidas de compensação às mudanças no IOF. Essa normativa
vale por 120 dias e só perde o efeito nesse período caso seja devolvida pelo
presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre.
A MP tem como relator o deputado Carlos Zarattini
(PT-SP). Dentro da MP os pontos que mais enfrentam resistência dizem respeito a
tributação em 5% de Imposto de Renda em uma série de aplicações financeiras que
hoje são isentas de tributos, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e
Letra de Crédito Imobiliário (LCI).
O Globo
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