Um governo esquálido
Fragilizado pela recalcitrância em corrigir erros,
Lula da Silva assiste ao desmonte de sua autoridade e ao fortalecimento de um
Congresso movido por fisiologismo e apetite orçamentário
Menos de 24 horas após a humilhação sofrida na
Câmara, o governo Lula da Silva amargou outra fragorosa derrota no Legislativo.
Em sessão conjunta de deputados e senadores, o Congresso derrubou mais de uma
dezena de vetos do presidente da República a projetos de lei nas áreas de energia,
tributação e programas sociais, entre outras. Que fique claro: a eventual
derrubada de vetos presidenciais é ato comezinho do sistema de freios e
contrapesos em qualquer democracia funcional. Mas a razia que se viu na
terça-feira passada nada teve de trivial. O regime presidencialista foi posto
de joelhos.
Cuidando do que mais lhes interessa, os
parlamentares impuseram um calendário para a liberação de emendas ao Orçamento
da União, o que tirou do Executivo o fiapo de poder de barganha política com o
Legislativo que ainda lhe restava. Numa espécie de blitz, o Congresso também
aumentou o valor do Fundo Partidário e instalou a Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) do INSS. O Senado, por sua vez, instalou no mesmo dia a CPI do
crime organizado. Ambas as comissões têm potencial para desgastar ainda mais a
popularidade de Lula da Silva.
Ciente de sua extrema fragilidade política,
materializada pelos votos contrários aos interesses do governo dados por muitos
parlamentares de partidos contemplados com ministérios, o Palácio do Planalto
capitulou. Ao líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues
(PT-AP), coube o constrangedor papel de balbuciar “vitória” por ter conseguido
ao menos adiar a derrubada de parte dos vetos – o que, na prática, serviu
apenas para postergar o novo vexame já contratado por Lula da Silva.
Entre os vetos que foram derrubados, destacam-se o
restabelecimento da isenção tributária para fundos imobiliários (FIIs), fundos
do agronegócio (Fiagro) e fundos patrimoniais, a aprovação do pagamento de
indenização e pensão vitalícia para as vítimas da Zika com microcefalia e a
manutenção dos “jabutis” inseridos no projeto de lei das usinas eólicas
offshore. O Congresso também derrubou o veto de Lula da Silva ao dispositivo da
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 que aumentava o valor do Fundo
Partidário. Fixado hoje em R$ 1,3 bilhão, o butim do Orçamento que é dado aos
partidos políticos deve crescer quase R$ 170 milhões, segundo cálculos de
consultores da Câmara e do Senado.
À exceção da derrubada do veto de Lula da Silva às
pensões para as vítimas do vírus zika – mais que obrigação de um Estado
negligente, um imperativo humanitário –, os parlamentares simplesmente viraram
as costas para o Brasil e foram cuidar de seus próprios interesses. Como já
sublinhamos nesta página – e é visível para qualquer observador minimamente
informado sobre a dinâmica política nacional –, Lula da Silva já não detém o
controle sobre os rumos do País. O Congresso nada de braçada sem o devido
contraponto institucional.
Em grande medida, essa degradação do
presidencialismo é responsabilidade, por óbvio, do próprio presidente da
República. Caso Lula da Silva não cometesse tantos erros e, pior, fosse tão
recalcitrante em remediá-los, fulminando a sua popularidade, decerto teria mais
força para se contrapor aos interesses fisiológicos do Legislativo, conduzindo
o processo político nacional, e não sendo conduzido.
Diante de um presidente politicamente forte, o
Congresso ainda poderia muito, mas certamente não poderia tudo. Seja por
escolha ou inépcia, contudo, Lula da Silva se tornou um presidente fraco, refém
de sua própria incapacidade de articular a base, construir consensos e exercer
liderança. Ao terceirizar a condução política a operadores de varejo e apostar,
como de hábito, na retórica divisionista – contra “as elites” e, mais
recentemente, contra o que chama de “extrema direita” –, o chefe do Executivo
abriu espaço para que o Legislativo avançasse com apetite ainda mais voraz
sobre áreas nas quais deveria ser o protagonista.
A conta desse desgoverno recairá sobre a sociedade,
que assiste ao espetáculo da decomposição política do demiurgo sem que se
vislumbre, no horizonte próximo, qualquer sinal de correção de rota por um
presidente que está mais preocupado com cuidar da biografia do que com governar
o País.
Opinião do Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário