Quando
o PT ganha, o Brasil perde
Mais fraco e desconfiado, Lula 3 consolida um
governo mais petista do que nunca, incapaz de dividir poder e preso à crença na
hegemonia de seu partido, sacrificando a governabilidade
Com quase dois anos e meio de mandato, Lula da Silva
já realizou 12 trocas de ministros. Nenhuma delas, porém, foi suficiente para
abalar uma cláusula pétrea do modo lulopetista de governar: a excessiva
concentração de poderes nas mãos do PT e dos aliados mais próximos e fiéis ao
presidente. Ao contrário, conforme mostrou reportagem do Estadão, este terceiro
mandato de Lula revela-se mais petista do que nunca, no qual se nota que 38%
dos ministérios estão sob o comando do PT. É a maior proporção registrada desde
2003, quando o partido chegou à Presidência da República pela primeira vez. As
cores petistas de Lula 3 superam seus dois mandatos anteriores: o PT comandava
36% dos ministérios em 2003 e 33% em 2007. No governo de Dilma Rousseff,
concentrava 32%. Na Presidência de Michel Temer, o MDB, partido do então
presidente, tinha o controle de 34% das pastas. Na gestão de Jair Bolsonaro, o
PL comandava 9%.
A comparação confirma uma das facetas do evangelho:
Lula e o PT nunca souberam dividir o poder. Nem mesmo o peso da chamada “frente
ampla” para que Lula conseguisse derrotar Bolsonaro por uma diferença de apenas
2,1 milhões de votos foi suficiente para o presidente fazer jus à ideia de
coalizão que sedimentou a história recente da democracia brasileira. Acreditou
quem quis na ideia de que Lula iniciaria o novo mandato de forma diferente. Em
2023, ao tomar posse, a coalizão governista exibia a marca de 14 partidos, dez
dos quais ocupavam ministérios. O PT detinha dez pastas, ou 27% dos
ministérios, mas, em compensação, o número de ministros sem filiação partidária
chegava a 11, ou quase 30%, e ainda assim muitos deles apresentavam notória
proximidade com o PT – o que restava pouco para os demais partidos.
Apesar desta sina longeva do lulopetismo, há uma
novidade mais grave no atual mandato, expressada numa soma de fatores que
explicam a concentração de poder ainda maior nas mãos do PT. Lula é hoje um
presidente mais desconfiado dos aliados que o cercam, precisa lidar com um
Congresso mais poderoso e independente dos recursos do Executivo, em razão das
regras de imposição das emendas parlamentares, e, por fim – mas não menos
importante –, parece mais fatigado com a lida parlamentar. Em abril, este
jornal mostrou que, no atual mandato, Lula se reúne bem menos com deputados e
senadores do que Bolsonaro, Michel Temer e até mesmo Dilma Rousseff, que nunca
foi propriamente conhecida por sua habilidade e pendor para a articulação com o
Legislativo. A agenda presidencial revela um presidente mais autocentrado do
que nunca, com nenhuma paciência para as rotinas do governo e com pouca
disposição para receber e negociar com parlamentares.
Mesmo nos poucos casos em que Lula atraiu partidos
mais à direita para o seu governo, a adesão se deu por meio de alas
minoritárias dessas siglas, sem o aval das cúpulas nacionais – o que explica a
dificuldade crescente de manter a coesão nas votações partidárias no Congresso
em favor do governo. Não à toa, com indisfarçável frequência, União Brasil, PP,
MDB, PSD e Republicanos não só se posicionam contra o governo em votações relevantes,
como alguns deles apresentam pré-candidatos que podem se opor a Lula em 2026. A
dificuldade para manter a base governista não se resume hoje aos partidos
poderosos do Centrão, cuja agenda está longe de coincidir com a do PT. Lula tem
sido fustigado até por legendas de baixa estatura, como se viu no recente
desalinhamento do PDT por ocasião da demissão de Carlos Lupi do Ministério da
Previdência Social.
Evidências científicas informam que, quanto maior o
número de partidos, quanto mais ideologicamente heterogêneos forem e mais
desproporcional for a distribuição de poder e de recursos entre eles, maiores
serão os problemas no manejo e no sucesso de uma coalizão. Assim, Lula deveria
exibir maior, e não menor, disposição para dividir poder com aliados – próximos
ou não à estatolatria do presidente e do PT. Mas talvez fosse esperar demais de
um líder político e de um partido que, convictos de que detêm o monopólio da
virtude, também monopolizam o exercício do poder. E, como se sabe, quando o PT
ganha, o Brasil perde.
Editorial Estadão
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