O apagão orçamentário
Para gastar, os ministérios são 39. Mas quando se
fala que vai faltar dinheiro, surgem apenas dois: Saúde e Educação
Na semana passada os brasileiros souberam de duas
novidades: é possível que haja vida no planeta K2-12b, a 124 anos-luz de
Brasília, e foram avisados por Fernando Haddad e Simone Tebet de que em 2027 o
governo não terá dinheiro para honrar os compromissos de verbas para a Educação
e Saúde.
A primeira novidade pertencia ao campo da busca do
conhecimento. O telescópio James Webb varre o espaço desde 2021 procurando
sinais de vida. A segunda novidade pertencia ao campo da empulhação, pois nada
há de novo no fato de que o governo ficaria sem dinheiro para fechar suas
contas, honrando os compromissos constitucionais.
Sabe-se pouco sobre o K2-12b, pois ele está a 124
anos-luz, e uma notícia vinda agora de lá teria sido emitida em 1901, quando
aqui na Terra um sinal de rádio de Guglielmo Marconi atravessou o Atlântico. Já
o apagão orçamentário é coisa atual, por perene.
Em 2016 tentou-se conter os gastos do governo
criando-se um teto constitucional para as despeas. Deveria vigorar por 20 anos,
mas pfff. Apareceram PECs emergenciais, e o teto acabou virando arcabouço. O
teto caiu e o arcabouço está ruindo. Como avisa um sábio: “Lula não sabe
governar com pouco dinheiro”.
Percebidos o buraco de R$ 10,9 bilhões e a
possibilidade de um apagão, entrou em cena o lero-lero: “Tem muitos desafios aí
pela frente. Tem a questão dos precatórios. A gente precisa abrir uma discussão
com a sociedade e com o próprio Poder Judiciário de como tratar esse tema, que
ganhou tração no último governo”, avisou o ministro da Fazenda. Fernando
Haddad.
Os precatórios são dívidas da União que a Justiça
mandou pagar. A sociedade tem pouco a ver com isso, afinal, ela é composta por
famílias que pagam suas dívidas ou caem nas listas negras. Margaret Thatcher
(1925-2013), ensinava: “Esse negócio de sociedade não existe. Existem homens,
mulheres e famílias.” Se existe, no Brasil seu santo nome é usado em vão,
sobretudo para onerar homens, mulheres e famílias.
A possibilidade de um apagão orçamentário para o
próximo governo será cruel com o de Lula 3.0. Ele chegou à segunda metade do
mandato sem qualquer vestígio de austeridade. Ministros aninharam-se em
conselhos de estatais e até mesmo em empresas privadas para bombar seus
rendimentos. O pacote de contenção de gastos revelou-se exercício de marquetagem.
A única despesa deixada de lado foi a da compra de um novo avião, com chuveiro,
para o presidente.
Antes de tudo, governos obrigam-se a passar a
impressão de austeridade. Se o presidente dos Estados Unidos pede um hambúrguer
à cozinha da Casa Branca, paga por ele. A Viúva só paga por eventos oficiais.
Caronas privadas do Air Force One pagam pela viagem. Na Corte Suprema dos
Estados Unidos, só o presidente tem carro oficial. Com seu gosto por gestos,
quando o general De Gaulle foi para o palácio, em 1958, instalou um relógio na
ala residencial para pagar a conta de sua luz.
Percebida a possibilidade do apagão orçamentário, os
çábios de Brasília sopraram que poderá faltar dinheiro para os compromissos com
a Saúde e a Educação. Para gastar, os ministérios são 39, mas quando se fala
que vai faltar dinheiro, surgem logo esses dois.
Elio Gaspari - O Globo

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