André Luís
Repórter
Criado pela Sociedade Americana para a Prevenção da
Crueldade a Animais (ASPCA), o Abril Laranja é uma campanha voltada à prevenção
da crueldade contra os animais. Promovida em todo o Brasil ao longo do mês de
abril, a iniciativa tem como objetivo sensibilizar a sociedade sobre
maus-tratos e promover ações de proteção e bem-estar animal. No Brasil, a Lei
de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), especialmente após a Lei Sansão (Lei
nº 14.064/2020), considera crime atos como: abandono; agressões físicas,
negligência em cuidados básicos (água, comida, abrigo); manter o animal em
local insalubre; envenenamento e trabalho forçado ou exploração.
No Rio Grande do Norte, o cenário de casos de
maus-tratos de animais é crescente. Dados repassados pela Secretaria da
Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed) apontam um aumento de
aproximidamente 438% entre os anos de 2020 e 2024 no número dessas ocorrências.
Segundo o Sistema de Procedimentos Policiais Eletrônicos da Polícia Civil
(PPE/PCRN), no último ano foram registradas 484 situações, sendo: maus-tratos
contra animais (63); maus-tratos a cães e gatos (31); com morte do animal (25);
e realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para
fins didáticos ou científicos.
Daniella Filgueira, titular da Delegacia
Especializada de Defesa ao Meio Ambiente (DEMAATUR), que atua na proteção e
defesa dos animais no RN, avalia que o aumento significativo no número de
denúncias anônimas relacionadas a maus-tratos, não necessariamente indica um
agravamento da situação. A delegada aponta que grande parte das denúncias são
improcedentes para o crime de maus-tratos, restando configurado em alguns casos
a contravenção penal de perturbação do sossego alheio.
“Houve uma maior mobilização da sociedade em torno
da causa animal. Esse aumento nas denúncias está diretamente ligado ao
crescimento da conscientização da população sobre os direitos dos animais,
impulsionada principalmente pelo papel das redes sociais”, explicou Daniella.
Ela também revela um aumento expressivo na procura
por canais de denúncia e na efetivação de investigações relacionadas a crimes
de maus-tratos a animais. “Esse crescimento também reflete fortalecimento das
ações das autoridades competentes”, diz. Atualmente, a DEMAATUR apura todos os
crimes de denúncia que recebe, dada maior celeridade as denúncias feitas
diretamente na unidade, devido serem mais robustecidas com provas, seja
documentais (vídeos e fotos) e testemunhais (depoimento do próprio comunicante
da denúncia).
“Após receber a denúncia através de boletim de
ocorrência ou extrato de denúncia anônima a autoridade policial expede uma
Ordem de Serviço para que uma equipe da Delegacia Especializada realize
diligências no local. Caso seja constatada a situação de maus-tratos os
responsáveis poderão ser presos em flagrante ou responderem procedimentos, seja
TCO ou Inquérito Policial”, disse.
Ela destaca que a legislação sobre crimes contra
animais foi fortalecida nos últimos anos, especialmente com a Lei nº
14.064/2020, que aumentou a pena para maus-tratos contra cães e gatos — podendo
chegar até cinco anos de prisão, além de multa e proibição da guarda de
animais. Porém, para outros animais, como silvestres ou de produção, as
punições ainda são mais brandas.
Na avaliação da titular da DEMAATUR, falta
fiscalização e estrutura para proteger os animais, especialmente em áreas
rurais ou periféricas. “Talvez não seja apenas uma questão de endurecer a lei,
mas de aplicá-la melhor, garantir fiscalização efetiva, educação da população e
punições proporcionais e abrangentes para todas as espécies”, acrescenta.
Legislação
Apesar da existência de leis importantes, como a Lei de Crimes Ambientais
(9.605/1998) e a Lei Sansão (14.064/2020) — que prevê pena de reclusão de dois
a cinco anos para quem maltrata cães e gatos —, a advogada Juliana Rocha,
presidente da Comissão Especial de Direito Animal da Ordem dos Advogados do RN
(OAB/RN), aponta que a necessidade é a ampliação dessa proteção contra
crueldade a outras espécies. “O que sentimos necessidade é que outras espécies
passem a ter a mesma proteção contra crueldade — detenção de dois a cinco anos
e multa. Da maneira que hoje se encontra, outras espécies não gozam de uma
proteção tão enfática em sua integridade, vida e dignidade”, aponta.
“Há leis que já foram sancionadas que merecem
destaque e não foram colocadas em prática como, por exemplo, o programa que
visa retirar os animais de tração das ruas de Natal — o sofrimento desses
animais incomoda, não cabendo mais em uma sociedade sensível à causa animal a
utilização dos mesmos para fins de carga com o intuito de gerar renda para seus
tutores — essa lei é de 2017 e não vemos ações efetivas para sua
implementação”, detalha a advogada.
Além de campanhas educativas, informativas, ações em
eventos e participação em audiências públicas, a Comissão também fomenta
pesquisas na área de direito animal, ministrando cursos sobre a temática e
intervindo quando necessário em caso de leis que atentem contra a legislação.
Como também, oficia a órgãos públicos e instituições requerendo a implementação
de normas mais vigentes.
Além disso, a comissão de Direito Animal da OAB/RN
já provocou o Estado para que a lei 11.056/21 comece a ter eficácia. A lei
trata de levar para toda a rede de ensino estaduais palestras, debates e
seminários sobre direito animal. “Já foram realizadas algumas ações nesse
sentido e entendemos que, se o executivo realmente se envolver nas ações de
informar corretamente, haverá um impacto positivo com a diminuição desse tipo
de crime”, disse Juliana.
ONGs potiguares relatam várias
dificuldades
Com 10 anos de atuação no Rio Grande do Norte, o
Instituto Senhores Patas é uma das Organizações Não Governamentais (ONGs)
atuantes no estado. Embora esteja registrado formalmente há uma década, a
trajetória de Luciene Lima — fundadora e presidente do Instituto — no
acolhimento e resgate de animais vítimas de maus-tratos começou muito antes,
ainda quando morava no Rio Grande do Sul e em Brasília.
Apesar do avanço ao longo dos anos, Luciene afirma que o cenário de proteção animal
ainda está atrasado. Para ela, campanhas como o Abril Laranja são fundamentais
para promover a conscientização sobre o que são maus-tratos e o que a
legislação realmente protege. “Hoje, muita gente já entende que maus-tratos não
são apenas bater ou espancar. Existe o abandono, a negligência, o sofrimento
psicológico. Tudo isso também é crime”, contou. Ela acrescenta que a maior
dificuldade enfrentada está na ausência de políticas públicas, como a falta,
por exemplo, de canis públicos.
Apesar da falta de estrutura, Luciene vê sinais de
progresso no RN, citando o exemplo do município Currais Novos, que está prestes
a inaugurar uma Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ) com atendimento
veterinário, canil, feira de adoção e castração. Sendo assim, a única cidade do
estado a dispor desse equipamento.
Já o Instituto Hope atua no resgate e acolhimento de
animais vítimas de maus-tratos há mais de 15 anos. Fundada por Flaviane Veras e
Mariana Stabili, hoje a sede acolhe 53 animais entre cães e gatos, com espécies
mais idosas e com alguma comorbidade, como leishmaniose. Ela também reforça a
falta de políticas públicas como o principal gargalo da causa animal “Não
existe um diálogo entre o poder público e até os próprios conselhos da
categoria. Cai tudo para cima da gente. Diariamente a gente recebe pedido de
resgate de animal”, confessou Flaviane Veras.
Como denunciar?
No Rio Grande do Norte, a população pode denunciar
casos de maus-tratos a animais através de um Boletim de Ocorrência diretamente em
uma delegacia. Também, podem ser feitas de forma anônima pelo número 181.
Em casos de flagrante, a população deve ligar
imediatamente para o 190, acionando a Polícia Militar, que poderá agir
prontamente para interromper o crime.
Durante o registro da denúncia, deve-se, sempre que
possível, apresentar indícios do crime, como fotos, vídeos ou relatos de
testemunhas, pois fortalecem a apuração do caso e facilita a responsabilização
dos autores.
Também é possível denunciar de maneira anônima
crimes de maus-tratos a animais pelo número 181.
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