A empresa americana Colossal Biosciences anunciou
que pretende “desextinguir” não apenas o lobo-terrível ou lobo gigante
(Aenocyon dirus), mas também o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), o
tigre-da-tasmânia ou lobo-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus) e o pássaro
dodô (Raphus cucullatus). Especialistas questionam o anúncio, que não veio
acompanhado de estudos científicos que o corroborassem.
Na segunda-feira, 7, a startup de biotecnologia
apresentou o que seriam três filhotes do lobo extinto desde o último período
glacial. O animal ganhou fama recentemente por ser uma dos símbolos da Casa de
Stark, na série de sucesso Game of Thrones. A empresa chamou o feito de
“desextinção”; ou seja, eles teriam conseguido trazer de volta à vida um animal
que não existe mais
O site da startup anuncia que os geneticistas da
empresa estão trabalhando para “desextinguir” também o mamute-lanoso (que se
popularizou na série de desenhos Era do Gelo), o pássaro dodô (personagem de
Alice no País das Maravilhas) e o tigre-da-tasmânia (parente próximo do diabo-da-tasmânia,
o Taz-mania da franquia Looney Tunes) – todos esses também personagens famosos
da ficção, a exemplo do lobo-terrível.
Embora o marketing da Colossal Bioscience seja
certamente de primeira (a notícia sobre os filhotes de lobo esteve nos principais
meios de comunicação do mundo todo com grande destaque), muitos especialistas
estão questionando a ciência envolvida nos anúncios. Para começar, frisam, não
houve a publicação de estudos em revistas científicas (em que a metodologia
usada é apresentada e os trabalhos são revisados por pares), apenas o anúncio
da empresa. Ou seja, ninguém conseguiu rever detalhes da ciência envolvida.
Além disso, dizem, certamente não houve uma
“desextinção”, sequer uma clonagem. Na verdade, de acordo com informações da
própria empresa, a partir do sequenciamento do DNA dos lobos extintos (obtido a
partir de fósseis da espécie), os geneticistas modificaram algumas regiões do
DNA de lobos-cinza (os parentes vivos mais próximos do lobo-terrível) para
criar filhotes de lobo cinza com características físicas semelhantes às do
animal extinto.
“Não deixa de ser algo interessante e eu entendo
perfeitamente o hype, mas a verdade é muito menos espetacular”, afirmou o
biólogo e geneticista Frederico Henning, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), pesquisador apoiado pelo Instituto Serrapilheira. “Produziu-se
por engenharia genética um lobo com características que o faz parecer
superficialmente com uma espécie já exinta. Não se reverteu a extinção,
produziu-se uma réplica que ignora a maioria das diferenças que definem a
espécie extinta.”
Levando-se em conta que o genoma do lobo cinza tem
cerca de 2,4 bilhões de bases, ainda que o genoma do lobo-terrível compartilhe
99,5% de seu DNA com a espécie atual (como alega a Colossal), ainda assim
haveria milhares de diferenças entre as espécies. E alterações em 14 genes não
seriam significativas.
“O que eles estão fazendo não é a clonagem de um
animal extinto”, destacou o o geneticista Salmo Raskin, diretor-científico da
Sociedade Brasileira de Genética Médica. “Trata-se de edição gênica; ou seja,
eles mexem na genética de um animal vivo para que ele tenha características de
um animal extinto. Isso requer um conhecimento profundo da genética do animal
extinto, mas, infelizmente, não tem nada publicado.”
A diretora-científica da Colossal é a bióloga
molecular Beth Shapiro, diretora do Instituto de Genômica da Universidade da
Califórnia, e pesquisadora do Instituto Howard Hughes. Em entrevista concedida
à New Scientist, Shapiro disse que ela e sua equipe conseguiram sequenciar o
genoma completo do lobo-terrível e que ele estará disponível para a comunidade
científica e o público em geral “em breve”.
“Tirando o exagero do marketing deles, o que fizeram
é sensacional”, disse Raskin. “Se isso se confirmar, é um grande avanço no
sequenciamento genético de fósseis e também na edição genômica.”
Entretanto, frisam os geneticistas, seria melhor
investir o dinheiro e os esforços científicos para animais que existem
atualmente e estão em risco de extinção, em vez de animais que fazem sucesso na
ficção.
Estadão Conteúdo

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