Folha de São Paulo
No avião a caminho do Egito para a primeira viagem
internacional como presidente eleito, Lula (PT) bateu o martelo sobre o
escolhido para comandar a política econômica do país.
Levou quase um mês, porém, entre gestos silenciosos
e articulações de bastidores, para o mandatário anunciar o nome mais esperado
da equipe que escolhera para seu terceiro mandato à frente do Executivo.
Foi em 14 de novembro, na aeronave que depois se
tornaria a primeira fonte de desgaste de Lula após vencer as eleições, que o
petista ofereceu ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad a chefia do
Ministério da Fazenda.
Até a indicação para o cargo, em 9 de dezembro,
Haddad almoçou com banqueiros, participou de reuniões com economistas e começou
a desenhar as medidas que pretendia implementar após ser formalizado no posto.
Antes disso, já dava sinais sobre o papel que queria
desempenhar na gestão petista e revelava sua preferência pela pasta.
Ministro da Educação do PT de 2005 a 2012, Haddad recusara
a coordenação do grupo de educação na equipe de transição e mantinha
interlocução com economistas e integrantes do mercado financeiro.
Tivera o mesmo capricho de não se distanciar dos
temas econômicos quando ainda se preparava para concorrer ao Governo de São
Paulo.
Em abril de 2022, publicou um artigo na Folha em que
defendeu a criação de uma moeda sul-americana para impulsionar o processo de
integração regional e fortalecer a soberania monetária dos países da América do
Sul.
Lula, já presidente eleito e antes de anunciar os
primeiros indicados para ministérios, deixava claro, mesmo sem verbalizar, que
a indicação para o Ministério da Fazenda estava definida.
Em dois movimentos públicos, explicitou a escolha.
O primeiro foi a escalação de Haddad para um jantar
com banqueiros em 24 de novembro.
Cinco dias depois, incluiu o aliado em uma reunião
que promoveu com os coordenadores do governo de transição e o grupo de trabalho
de economia, o qual o ex-prefeito não integrava oficialmente.
Apesar de Haddad ter afirmado, ainda em 2018, que
recebera o convite já naquela época para assumir a Fazenda caso Lula superasse
os entraves judiciais e vencesse as eleições daquele ano, pairava a incerteza
se o petista manteria quatro anos depois a escolha que não pudera concretizar.
Eleito em 2022 com um discurso de união de uma
frente ampla a fim de derrotar o risco à democracia representado por Jair
Bolsonaro (PL), Lula sofria pressão para indicar ao comando da Fazenda um
economista de fora do PT e com proximidade ao mercado.
Mesmo antes da vitória, parte dos aliados defendia
que o petista anunciasse seu ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles
para o posto como forma de sinalizar à direita moderada.
Em um segundo momento, com as eleições definidas, as
especulações para o cargo recaíram sobre economistas ligados ao Plano Real que
tinham se aproximado do petista, como André Lara Resende e Pérsio Arida. Surgiu
ainda a ideia de indicar um nome ligado à indústria, Josué Gomes, filho de José
Alencar, ex-vice de Lula.
Nos bastidores, alguns petistas influentes também se
movimentavam para assumir a Fazenda, como Aloizio Mercadante, que depois se
tornou presidente do BNDES, e Alexandre Padilha, que assumiu mais tarde a
articulação política do governo.
Em avaliações internas do PT, embora derrotado por
Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa ao Governo de São Paulo, Haddad
estava mais fortalecido. O diagnóstico era que seu desempenho fora essencial
para garantir votos a Lula em São Paulo na disputa ao Palácio do Planalto.
As especulações sobre seu favoritismo para o comando
da Fazenda provocavam reações negativas na Bolsa. Lula, todavia, fez o convite
e garantiu ao ex-prefeito uma janela de tempo para que ele tentasse reduzir as
resistências no mundo financeiro. Só então, haveria o anúncio formal.
Haddad e aliados passaram a intensificar o diálogo
com integrantes do mercado e difundiam promessas de busca constante pela
responsabilidade fiscal e equilíbrio das contas públicas.
Como argumento, lembravam que ele havia sido o
primeiro prefeito de São Paulo —cargo que ocupou de 2013 a 2016— a alcançar o
grau de investimento, espécie de selo de bom pagador dada por agências de
classificação de risco.
Assombrava Haddad, porém, a fama de mau articulador
político na gestão de São Paulo, o que poderia lhe render dificuldades para
lidar com o Congresso.
Com pouco menos de dois meses de governo, a atuação
do ministro em determinadas frentes permitiu a leitura de que ele começava a
ganhar a confiança dos investidores, ensaiando uma reversão de expectativas
pessimistas sobre sua performance.
Essa mesma atuação, entretanto, custou ao ministro o
primeiro embate com a ala mais à esquerda do PT.
Um exemplo foi o debate sobre a reoneração dos combustíveis.
Em 2022, diante da explosão no preço da gasolina, do álcool e do diesel, o
então presidente Bolsonaro decidira isentar os combustíveis de tributos
federais a fim de melhorar a imagem do governo na tentativa de pavimentar sua
reeleição.
Com a proximidade do fim dessa isenção (Lula havia
prorrogado até fim de fevereiro deste ano), a pressão de líderes petistas para
que o Planalto adiasse mais a volta da cobrança tributária cresceu.
A presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann
(PT-PR), criticou abertamente a possibilidade de reoneração e disse que adotar
uma medida nesse sentido seria descumprir uma promessa de campanha.
Haddad defendeu o fim do subsídio com o argumento de
que havia impacto na arrecadação federal, desequilibrando ainda mais as contas
do Executivo e colocando a gestão petista em risco a longo prazo.
Coube a Lula arbitrar a disputa, dando vitória ao
ministro da Fazenda. O episódio rendeu a Haddad elogios por analistas do
mercado.
Um novo capítulo de estresse com o PT surgiu na
discussão sobre o Orçamento de 2024. O ministro defendeu uma meta ousada de
déficit zero para o próximo ano e voltou a ouvir críticas públicas de Gleisi.
A aliados, porém, o ministro costuma elogiar a
presidente de seu partido e afirma que prefere a postura dela à de importantes
ministros do governo que, segundo ele, não fazem um jogo aberto e conspiram nos
bastidores para impedir a implementação de determinadas ideias.
A meta ambiciosa de zerar o déficit primário do
governo no próximo ano virou também motivo de arestas da Fazenda com os agentes
do mercado. O ministro enfrenta desconfiança principalmente sobre a capacidade
de aprovar as medidas que apresentou ao Legislativo para elevar as receitas
federais em 2024.
Na relação com o Congresso, ele oscila entre altos e
baixos. Conseguiu, por exemplo, articular a aprovação das mudanças no Carf
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) —que, na prática, vão elevar a
arrecadação federal. No entanto, luta para destravar outras pautas, como a
proposta para taxar os super-ricos (tributação de fundos exclusivos e
offshores).
De Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, já
arrancou elogios no primeiro semestre, quando o parlamentar chegou a sugerir
que Haddad assumisse a Casa Civil do Executivo. Em agosto, porém, os dois
tiveram um tenso embateque teve como motivo justamente uma divergência ligada à
proposta de tributação dos fundos.
Recentemente, o ministro entrou na sua pior fase no
cargo ao ver Lula praticamente enterrar seu objetivo de eliminar o déficit nas
contas do governo em 2024. O presidente declarou não ser preciso alcançar essa
meta diante da necessidade de manter obras e investimentos pelo país,
contrariando publicamente o chefe da equipe econômica.
Apesar das dificuldades, aliados dizem que o
ministro costuma se mostrar otimista. Os relatos das reuniões mais recentes são
de bom humor. Em tom jocoso, o petista costuma repetir a assessores próximos: é
movido a uma refeição e três confusões por dia.

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