Ícaro Carvalho
Repórter
A falta de medicamentos ou a ausência de remédios em
listas aprovadas pelo Ministério da Saúde tem feito a judicialização na área
disparar no Rio Grande do Norte. Segundo dados da plataforma GPS Med, do
Tribunal de Justiça (TJRN), o Estado teve R$ 37,1 milhões bloqueados entre 2018
e 2022 para compra de medicamentos, totalizando uma média de R$ 7,4 milhões por
ano. Só em 2023, o número ultrapassa a casa dos R$ 490 mil. Aliado a isso,
Estado e órgãos de assistência têm buscado alternativas com mediações para
evitar as idas à justiça.
Entre os medicamentos com mais valores bloqueados
pela justiça estão o Spinraza e o Nusinersena, utilizados para tratamento de
Artrofia Muscular Espinhal (AME); Rituximabe, para tratamento de pessoas com
linfoma não Hodgkin de células B; Risperidona, para pacientes com sintomas
vinculados à esquizofrenia, ansiedade e transtorno bipolar e o Sorafenibe, para
tratamento de pacientes com carcinoma celular renal avançado. Os bloqueios para
compra desses medicamentos representaram R$ 15,8 milhões.
Segundo especialistas e interlocutores da área da
saúde, a judicialização tem sido uma forma de usuários e pacientes terem acesso
a medicações prescritas nas receitas. A ida à Justiça acaba sendo uma saída
para quem não encontra o remédio na distribuição gratuita pelo Sistema Único de
Sáude (SUS), seja pela falta de estoque ou até mesmo pelo medicamento não estar
aprovado junto à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Em
alguns casos, pacientes recebem os recursos para comprar a medicação de forma
privada e prestar contas à Justiça depois.
Na Unidade Central de Agentes Terapêuticos do Rio
Grande do Norte (Unicat), vinculada à Secretaria de Estado da Saúde Pública, a
realidade atualmente é de um estoque de menos de 70% dos cerca de 250
medicamentos existentes na lista. Segundo o diretor Ralfo Medeiros, há uma
histórica dificuldade em manter o estoque com 100% abastecido por questões como
licitação e disponibilidade de insumos no mercado. Essa é uma das situações que
acabam provocando judicializações.
“É impossível termos todos [os medicamentos]. Porque
toda compra no serviço público é através de licitação, e nem sempre conseguimos
casar o final de uma licitação com o início da outra. Na licitação podem
ocorrer atrasos no processo, com recursos da empresa, ou até a escassez do
produto no mercado”, cita.
O diretor da Unicat aponta ainda que atualmente o
órgão fornece medicamentos a pelo menos 3.000 pacientes do Rio Grande do Norte
por força de decisão judicial. Para este ano, o orçamento foi de R$ 12 milhões
apenas para esta causa. No que se refere ao público geral, do Componente Especializado
de Assistência Farmacêutica (CEAF), são 40 mil beneficiários, com custo para
2023 de R$ 45 milhões.
“Existe também uma parceria entre Governo e Justiça
para fazermos uma mediação pré-processual, que é quando a pessoa entra na
justiça, mas tentamos encontrar uma alternativa junto ao estoque. Além disso,
temos outra parceria do Judiciário com a Sesap que é uma câmara de conciliação
para análises técnicas: não tem esse, mas tem outro. Trabalhamos essas frentes
para evitar essa judicialização”, aponta.
“Os beneficiários são para as mais diversas
situações, desde uma hipercolesterolemia até uma situação mais complexa, como
um paciente transplantado. São 80 patologias contempladas no CEAF. O
atendimento é feito em Natal e há descentralização para Assu, Mossoró, Pau dos
Ferros, Caicó, Currais Novos e Santa Cruz”, acrescenta.
O presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB-RN), Renato Dumaresq, aponta que a judicialização
na saúde é uma questão que tem apresentado crescimento em todo o Brasil. O
medicamento de alto custo, por exemplo, é o que custa 70% do salário mínimo,
segundo o advogado.
“Temos notado uma dificuldade grande de conseguir os medicamentos. Primeiro
porque os juizes são mais conservadores no tocante a uma demanda para um
paciente via SUS”, avalia.
Dumaresq aponta ainda que em diversas situações é
necessário judicializar a compra de medicamentos que deveriam estar no estoque
do Estado. Ele lembra de uma ação promovida na época da pandemia para compra de
requinol (hidroxicloroquina), medicamento que ganhou notoriedade à época. A
ação foi movida em favor da Associação das Pessoas Acometidas por Lúpus
Eritematoso Sistêmico (Apales) para cerca de 300 mulheres.
“Eles lutavam há pelo menos três anos para receber o
remédio. Estavam no programa de dispensação, mas não recebiam. O medicamento
era R$ 8 na farmácia, mas na época da pandemia encareceu e muita gente não
tinha condições de comprar”, lembra o advogado.
Com tratamentos específicos e necessidades urgentes,
potiguares têm recorrido a várias frentes possíveis para terem acesso a
medicamentos, seja da simples injeção que precisa ser aplicada de tempos em
tempos ou a um remédio “popular”, fácil de se encontrar em farmácias, segundo
relatos de potiguares ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE.
Foi o caso da bancária e bióloga Luciana Monte, de
46 anos. Seu filho, Leonardo, que tem epilepsia, e o tratamento identificado na
época por médicos seria com o canabidiol, que em 2016 ainda tinha dificuldades
e restrições de acesso.
“Nossa intenção com a ação era o canabidiol para uso
em crianças com epilepsia. O MPF deu entrada nessa ação, com liminar obtida em
imediato, determinando que União, Estado e município fornecessem o medicamento,
e basicamente de 2017 até hoje, o que vem acontecendo é que nenhum dos três
entes fornece e as famílias apresentam orçamento para seis meses, o dinheiro é
bloqueado e é creditado na conta da família, que compra o medicamento e faz a
comprovação em juízo para a próxima liberação”, explica.
Na ocasião, o filho dela e outras quatro mães foram
abarcados numa Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MPF), com
deferimento concedido em 2016. A mãe diz que seu filho já toma o remédio há
oito anos. O medicamento inicial era o Hemp Oil RSHO, que atualmente custa
cerca de US$ 359 (R$ 1.762,19). Posteriormente, o tratamento foi para o
PuroDiol, cujo frasco custa em média R$ 1.500.

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