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quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Comerciantes falam de desafios para sobreviver na Cidade Alta

 


“Tenho muita saudade de quando tudo aqui era cheio”. O relato de Manoel Cícero, dono de uma loja de produtos alimentícios naturais, é sobre uma época em que a Cidade Alta, em Natal, era a síntese de um comércio pulsante. A declaração dá uma ideia de como aqueles que buscam manter negócios na região se sentem em relação ao cenário atual. “Aos poucos, tudo foi saindo daqui: bancos, cinemas, grandes redes de lojas”, desabafa Abimael Silva, do Sebo Vermelho. De janeiro até a última segunda-feira (21), 54 empresas foram abertas no bairro, 18 a menos do que o número de empreendimentos fechados, que totalizaram 72 no mesmo período, segundo a Junta Comercial do RN (Jucern). 

Ainda de acordo com o levantamento, o número de negócios com o perfil de microempreendedor individual (MEI) registrou movimento levemente contrário: foram 147 empresas abertas, cinco a mais do que as 142 que fecharam. Para a Associação Viva o Centro, os aluguéis caros permanecem como principal fator de contribuição para o cenário atual, mas há outros citados por comerciantes ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, como insegurança, migração de clientes para os grandes shoppings e compras pela internet. 

Símbolo de resistência, o Sebo Vermelho parece mostrar ainda mais força diante de um cenário que salta aos olhos: o estabelecimento é o único a se manter aberto na Rio Branco, no trecho entre as ruas General Osório e Professor Zuza, à direita de quem vem do Alecrim. A reportagem contou que são pelos menos oito prédios fechados no perímetro. Comandado por Abimael Silva, o Sebo está instalado no local (nº 705) desde 1994. O início da relação do sebista com o bairro, no entanto, é bem mais antiga e data de 1977, quando ele chegou à região.

“Cheguei aqui para trabalhar em uma loja de discos, na João Pessoa, que existe até hoje. Fiquei por lá até 1982, quando fui para um banco próximo à Catedral, onde fiquei até 1985. Quando deixei o banco, montei o Sebo, na Vigário Bartolomeu, antes de vir para cá. São 46 anos de relação com a Cidade Alta. Me lembro de muitos momentos bons, como na época do Plano Cruzado, onde os preços eram congelados e nada aumentava. As pessoas compravam tanto livro que eu ia pegar material em Recife para revender aqui”, relata.

Aliada à saída de grandes lojas, a falta de segurança, segundo Abimael, está entre os problemas que afetam o bairro. “Depois de certas horas da noite, a Cidade Alta vira ‘terra de ninguém’. Todos os estabelecimentos vizinhos que se instalaram por aqui foram arrombados, alguns mais de uma vez. Hoje, do Viaduto do Baldo até as Americanas, sentido Alecrim-Centro, a gente consegue contar, facilmente, 40 estabelecimentos fechados”, relata Abimael.

Severino Campos, do Sebo Balalaika, concorda que a insegurança figura como um gargalo importante para o declínio do bairro. “Estamos em uma decadência terrível. Revitalizaram o Beco da Lama, mas predomina, muitas vezes, a violência. Já ouvi muitos relatos de assalto, inclusive, de amigos”, diz Severino, que trabalha na região há 45 anos, grande parte (30 anos), na Vigário Bartolomeu, onde está hoje.

 Covid

A chegada dos shoppings, a pandemia de covid-19 e as mudanças de hábito dos clientes que, com a crise sanitária passaram a comprar pela internet, são os responsáveis pelas mudanças observadas atualmente, na avaliação do comerciante Manoel Cícero. Assim como Abimael, ele está na Cidade Alta há muito tempo, sendo boa parte no estabelecimento que montou em 1996 na Rio Branco para a venda de produtos alimentícios naturais como castanhas, doces, pastas e chás.

“Trabalhava na calçada do Bandern [Banco Estadual do RN] consertando relógios, vendendo pilhas e baterias. O banco fechou as portas e eu mudei de ramo. Montei uma lanchonete vizinho ao Hospital Varela Santiago, na Deodoro e em 1996 vim trabalhar no ramo de comidas naturais. Naquela época, para alugar um ponto era difícil porque os prédios eram muito disputados”, rememora o comerciante.

Manoel Cícero conta que a pandemia de covid-19 ajudou a aprofundar a situação de declínio já notada no bairro. No período da crise sanitária, afirma, as vendas pela internet dispararam e ele conseguiu manter parte da clientela de forma virtual. Hoje, metade das venda é realizada por delivery. Em razão disso, o movimento na loja caiu 50% de 2021 para cá. “Naquele ano, as vendas pela internet foram muito boas. A gente saía daqui lá pelas 22h, só atendendo aos pedidos”, conta.

Com o retorno presencial das atividades comerciais, o movimento caiu ainda mais e, mesmo com as vendas on-line, o comerciante não conseguiu manter o número de funcionários de antes. “O movimento era muito grande. Chegava dezembro e as lojas tinha que ficar abertas à noite também. Trabalhavam 10 pessoas comigo e ninguém dava conta, porque mava fila. Hoje são quatro funcionários”, relata.

Prefeitura iniciou obras de revitalização do centro

Em maio deste ano, a Prefeitura iniciou as obras de revitalização da rua João Pessoa, na Cidade Alta, como estratégia para resgatar o comércio do bairro. A primeira etapa compreende o trecho localizado entre a avenida Rio Branco e a Princesa Isabel, que recebeu perfurações no solo para a fiação de iluminação e de cabos de telecomunicação subterrâneos. O presidente da Associação Viva o Centro, Rodrigo Vasconcelos, informou à reportagem que há uma preocupação por parte dos comerciantes com a continuidade das obras. 

“Essa etapa de escavação estava prevista para ser finalizada em meados deste mês, mas ainda não houve conclusão. A empresa responsável nos disse, na primeira semana de agosto, que o recapeamento da área começaria dali a oito dias, mas a gente não sabe quando terão início esses serviços. Só depois disso, é que começam a segunda etapa, a mais importante, que é a instalação de mobiliário urbano”, afirma Vasconcelos.

Procurada, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur), que executa as obras, disse que o recapeamento só será executado quando a instalação da tubulação e da fiação subterrânea para iluminação no próximo trecho – entre a rua Felipe Camarão e a avenida Deodoro da Fonseca –  for concluída. 

A pasta não deu um prazo para isso acontecer, mas afirmou que os serviços em toda a João Pessoa (da Praça Padre João Maria até a Deodoro) devem durar até fevereiro do ano que vem.

 

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