Há pouco mais de dez anos, quando houve a primeira decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à possibilidade de prisão após
condenação em segunda instância, o relator do caso, o então ministro Eros
Roberto Grau, foi enfático ao dizer que era proibida a execução da pena antes
de esgotados todos os recursos. Hoje, aposentado, Grau diz que mudou seu
entendimento.
— Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um
dia — cantarola, bem-humorado, o ex-ministro, citando o refrão da música de
Lulu Santos.
A possibilidade de prisão em segunda instância foi
derrubada pelo STF no mês passado, mas voltou à pauta do Congresso, onde é
discutida em diferentes projetos.
Eros Grau, que prefere ser chamado de
“professor”, agora afirma que a prisão após condenação em segunda instância é
“perfeitamente possível”, desde que a mudança seja feita por lei ordinária nos
códigos de Processo Civil e Penal.
O debate sobre o tema suscita dois discursos: de um
lado, quem defende a prisão imediata, após decisão de um tribunal colegiado,
diz que tal prática reforça o combate à impunidade e que nas cortes superiores
não se analisa provas e fatos, somente questões processuais. Do outro, os que
defendem o trânsito em julgado argumentam que o princípio da presunção de
inocência, previsto na Constituição, impede a prisão antes que todos os
recursos sejam esgotados.
Por que o senhor mudou seu entendimento?
No tempo em que eu fui relator daquele processo em
Brasília, o que se discutia era o que estava nos autos. Até porque os juízes
não vão além do que está nos autos. E naquele momento o que se decidiu, nos
termos do que diz o artigo 5º da Constituição (ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória), é que só depois de
transitado em julgado a prisão seria possível. O que aconteceu é que recentemente
eu fiz uma pesquisa e encontrei os anais de uma sessão da CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) do Senado de 2011, quando o Cesar Peluso era o
presidente do STF e fez uma exposição na Câmara. A audiência debatia a PEC
15/2011, que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os
recursos extraordinário e especial em ações rescisórias. Na ocasião, o Peluso
fez considerações no sentido de que seria preciso alterar o Código de Processo
Civil, estabelecendo que a partir daí a decisão pode passar em julgado em
segunda instância (sem desobedecer ao artigo 5º da Constituição). Isso é
perfeitamente possível.
Mas não atingiria uma cláusula pétrea da
Constituição ?
Não é cláusula pétrea porque a Constituição nada
dispõe sobre isso e sobre efeitos dos recursos especiais (feitos ao Superior
Tribunal de Justiça) e extraordinários (que réus podem fazer junto ao STF). Não
precisa mexer na Constituição. Basta que uma lei ordinária estabeleça que a
matéria a ser examinada pelo STJ e pelo STF não envolve apreciação de matéria
de fato (discussão do mérito do processo, como análise de provas e se o réu
cometeu ou não crime). Portanto, a prisão passa a ser cumprida a partir dessa
decisão (da segunda instância).
Entre muitos juristas é praticamente
unanimidade que o artigo 5º da Constituição veta essa interpretação.
A Constituição não estabelece nada no sentido de
restringir isso. O que o artigo 5º diz é que passa em julgado quando encerrado
o processo de julgamento de matéria de fato e de direito (questões técnicas
processuais, como nulidades, que não têm relação com a prova e o mérito). A
partir daí, eventualmente, a parte poderá recorrer ao STJ e ao Supremo, mas
para examinar a questão de direito, mas não para ganhar tempo. Então, isso
realmente é extremamente importante.
Essa alteração não demandaria aprovação no
Congresso por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC)?
Basta mudar o Código de Processo Civil e o Código de
Processo Penal que passa a ser plenamente constitucional. Convém alterar os
dois códigos. E o Poder Legislativo pode inovar e fazê-lo nesse sentido,
prudentemente. A decisão passa em julgado em que termo? Porque não há mais
matéria de fato a ser examinada, só questões de direito a ser examinadas pelo
STJ e STF. É uma coisa brilhante.
Não é curioso que o senhor mude de posição
após ter defendido de forma tão veemente um entendimento oposto por tantos
anos?
O mundo se altera. Cada vez que se propõe uma questão
é necessário fazer de conta que é a primeira vez que se raciocina sobre a
matéria. E examinar a Constituição atentamente. Ser humilde. Nós não sabemos
nada. Ninguém sabe nada. Eu cheguei à conclusão de que está muito enganado quem
pensa que sabe tudo (risos). É como a canção que diz: “Nada do que foi será, de
novo do jeito que já foi um dia”.
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