Cláudio Oliveira
Repórter
O Rio Grande do Norte reúne 14 dos 104 projetos de
geração eólica offshore que solicitaram licenciamento ambiental ao Ibama até
março de 2025, mas apenas um avançou, apesar de o número revelar o peso
estratégico da costa potiguar na corrida brasileira pela exploração da energia
no mar. O órgão ambiental diz que não há avanços porque nenhum estudo foi
apresentado. A razão da estagnação, apontada pelo órgão federal, se deve ao
impasse regulatório que envolve diversos ministérios, normas ainda em
elaboração e indefinições sobre como funcionará o novo mercado de exploração de
energia eólica em alto-mar no Brasil.
O Ibama diz que está reavaliando junto aos
empreendedores o interesse em manter os pedidos ativos. O potencial dos 104
empreendimentos cadastrados supera toda a capacidade instalada hoje no Brasil:
215 gigawatts, considerando todas as fontes, segundo a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel). No caso potiguar, apenas um projeto deu algum passo:
o sítio de testes do Senai, que recebeu licença prévia neste ano para instalar
até duas turbinas experimentais. “Nenhum outro projeto possui qualquer estudo
apresentado ou licença emitida. De acordo com a legislação vigente, após a
entrega dos estudos ambientais, o Instituto possui o prazo de 12 meses para emitir
seu posicionamento sobre a documentação apresentada”, informou o Ibama.
Para a Associação Brasileira de Energia Eólica
(ABEEólica), o principal gargalo hoje é a ausência da regulamentação que
permitirá o primeiro leilão de cessão de áreas marítimas. Segundo Marcello
Cabral, diretor de novos negócios da entidade, a operação offshore depende
diretamente da relação entre iniciativa privada e poder público, já que o mar é
um bem da União. “O empreendedor precisa de uma cessão da área, e as regras
dessa cessão, seja para estudo, desenvolvimento ou comercialização, ainda estão
em fase de desenvolvimento”, afirma.
Ele reconhece que o processo “está demorando mais do
que o esperado”, e cita três motivos: o crescimento econômico abaixo do
previsto, a cautela dos investidores diante dos cortes de geração na energia
onshore e a complexidade do processo regulatório, que envolve diversos órgãos.
No ranking nacional, o RN mantém os mesmos 14
pedidos de dois anos atrás, enquanto estados como Rio Grande do Sul, Ceará e Rio
de Janeiro registraram crescimento. Mesmo assim, Cabral não vê perda de
competitividade e diz que a costa potiguar segue entre as mais promissoras do
país. “É um momento de espera estratégica”, avalia.
A mesma avaliação é feita pelo especialista em energia
eólica e secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico do RN, Hugo Fonseca.
Ele destaca que o marco legal aprovado em janeiro ainda precisa de portarias,
resoluções e decretos para se tornar plenamente aplicável. “O marco foi
aprovado, mas precisa ser regulamentado. É essa regulamentação que vai dizer
como será feita a solicitação de áreas, a condução dos estudos, o acesso ao
espelho d’água, que pertence à União, e as regras de operação do mercado”,
afirma.
Outro entrave é a sobreposição de áreas, preocupação
compartilhada tanto por governo quanto por investidores. “Há sobreposição de
áreas, empresas que desistiram e outras que aguardam regras mais claras. A
tendência é que apenas 30% desse volume permaneça de fato para estudos”, estima
o diretor da ABEEólica.
Neste sentido, a regulamentação deverá definir
critérios de escolha, garantias mínimas e mecanismos de resolução de conflitos,
permitindo que apenas projetos consistentes avancem na próxima fase da corrida
offshore brasileira.
MME sem previsão para leilão de eólicas
offshore
O Ibama ainda não trabalha com um cronograma
estimado de análise dos projetos, porque depende de informações que deveriam
ser apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O ministério, por
sua vez, afirma que “ainda não há previsão de leilão de áreas para geração de
energia eólica offshore”. Ainda segundo o MME, “no momento, o órgão atua no
âmbito técnico, especialmente, por meio do Grupo de Trabalho Eólica Offshore
(GT E-O), instituído pela Resolução do Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) nº 18, de 1º de outubro de 2025, para edição do decreto que
regulamentará a Lei nº 15.097/2025”.
Ainda no que se refere à Lei nº 15.097/2025, que
estabelece as diretrizes para o aproveitamento do potencial energético offshore
no Brasil, a expectativa do MME é que o decreto regulamentar seja publicado
“ainda no primeiro semestre de 2026”.
“A partir daí, o Governo do Brasil realizará o
esforço interinstitucional para aplicação da metodologia de seleção de áreas a
serem ofertadas à geração de energia eólica offshore, a partir do estudo em
elaboração pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE)”, disse o Ministério à
TRIBUNA DO NORTE.
Por meio dessa metodologia de seleção, será possível
definir as áreas que serão cedidas pela União, nos regimes de oferta planejada
e permanente.
“Os atuais estudos sobre geração de energia eólica
offshore têm demonstrado alto potencial na Região Nordeste, como um todo. Assim
que forem definidas as áreas destinadas à geração de energia eólica offshore,
espera-se que as regiões com potencial passem a receber um volume significativo
de investimentos, abrangendo toda a cadeia produtiva do setor”, frisou o MME.
Para Marcello Cabral, diretor da ABEEólica, a
regulamentação da lei 15.097/2025 vai dar previsibilidade ao setor. “O Brasil
está pronto para fazer o primeiro leilão de áreas no meio do ano que vem,
acredito”, afirma. Ele considera provável que o leilão ocorra no segundo
semestre de 2026.
O especialista Hugo Fonseca concorda com essa
previsão e acredita que o leilão de cessão de áreas deve ocorrer “provavelmente
no final do próximo ano”, quando o arcabouço regulatório estiver consolidado.
Fonseca lembra que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou um
grupo de trabalho para elaborar as normas, com participação do RN representando
os estados. O cronograma prevê que todas as diretrizes estejam definidas até
junho do próximo ano.
Até lá, afirma Fonseca, os projetos não estão
travados, mas passam por uma “espera obrigatória”, já que investidores não
avançam com aportes bilionários sem regras claras. “Os projetos P&D, como o
do Senai, seguem normalmente, porque não dependem dessa regulamentação. Os
comerciais, não. Eles aguardam definições para que tenham segurança jurídica e
administrativa”, explica.
Senai-RN tem licença para projeto-piloto
O projeto-piloto de geração eólica offshore do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RN), o primeiro do Brasil a
obter uma licença prévia para pesquisa, levou dois anos e meio até receber a
autorização ambiental do Ibama. O processo, segundo o diretor do Senai-RN e do
Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), Rodrigo Mello,
começou em janeiro de 2023, quando o órgão federal disponibilizou o Termo de
Referência (TR) para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
O ISI-ER, principal referência do Senai no Brasil em
Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em energia eólica, solar e
sustentabilidade, e braço da instituição à frente da Planta-Piloto, entregou o
estudo em junho de 2024, e a licença foi emitida um ano depois, em junho de
2025.
Mello explica que o licenciamento exigiu um conjunto
amplo de análises e levantamentos técnicos. “O desafio foi atender com a
robustez necessária esta etapa, que envolveu uma série de estudos e a
participação de toda uma equipe multidisciplinar”, afirma. A elaboração do EIA
incluiu coleta e análise de dados primários, como qualidade da água, imagens do
fundo marinho, informações meteorológicas e levantamentos socioeconômicos em
comunidades de Areia Branca, Grossos e Tibau, envolvendo pesca industrial,
artesanal e mariscagem. Outros estudos ainda serão realizados, como o
monitoramento de ruído subaquático previsto para 2026.
Além dos dados primários, o ISI-ER reuniu
informações secundárias sobre o meio físico (relevo, clima, oceanografia) e o
meio biótico (fauna e flora marinha). “O estudo que submetemos ao Ibama contém
aproximadamente 600 páginas e foi elaborado por geólogos, geógrafos, biólogos,
engenheiros civis, ambientais, navais e oceanógrafos que compõem a equipe de
pesquisadores do ISI-ER”, destaca o diretor.
Apesar de ser o primeiro projeto do tipo licenciado
no país, Mello avalia que a função da planta-piloto não é acelerar processos
futuros, mas fornecer bases técnicas confiáveis para decisões de órgãos
reguladores, empresas e sociedade. “Ela não tem a prerrogativa de acelerar ou
desacelerar qualquer tomada de decisão por parte de ninguém, mas sim de
lastrear a tomada de decisão com respostas firmes, robustas e corretas, com
dados medidos”, afirma.
O projeto ainda não tem cronograma definido para
instalação das turbinas de teste. A expectativa, segundo o Senai, é que a
operação seja possível dentro de três anos. Até lá, novas etapas serão
cumpridas: continuidade da escuta das comunidades locais, novos estudos
ambientais e início dos projetos de engenharia, previstos para começar no
primeiro semestre de 2026 e durar até 18 meses. As informações dessa fase serão
necessárias para a futura obtenção da licença de instalação.
Mello ressalta que a planta-piloto foi concebida
para responder às principais dúvidas do setor sobre a viabilidade ambiental e
operacional de parques eólicos marítimos no Brasil. “A intenção é trazer
respostas para a tomada de decisão dos órgãos de controle, da sociedade local e
das empresas que poderão investir nesse setor”, diz.

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