Não há dúvida sobre o que fez Gilmar Mendes. Tomou
prerrogativa do Congresso e desarranjou o sistema de freios e contrapesos para
interditar qualquer possibilidade de processo de impeachment contra ministro do
Supremo. Não deixará de ser forma de proteção a minoria. Tudo pela democracia.
Blitz corporativista que apregoaria como se promovida em defesa do equilíbrio
entre Poderes.
Sob o espírito do 8 de janeiro permanente, que já
autorizou censura em nome de nos proteger de golpe eternamente à espreita,
Mendes – de modo a salvaguardar o estado democrático de direito – criou um
estado de direito específico para ministro do STF. Forjada modalidade de
proteção à autonomia que garante a independência do Poder tornando-o
inalcançável.
Ou alguém imagina o Gonet da vez denunciando
ministro do Supremo por crime de responsabilidade? Dada a indistinção entre PGR
e Xandão, seria o mesmo que ministro denunciar ministro.
Bastará ler o artigo 41 da Lei de Impeachment para
entender que o ato de Mendes cassou um direito político. Diz o texto que é
permitido a todo cidadão denunciar, perante o Senado, os ministros do STF por
crimes de responsabilidade. Era permitido.
Antecipando-se à projeção de um inédito processo de
impeachment contra ministros, o ministro materializou o impedimento a um
direito de todos. Exibição do autoritarismo virtuoso, preventivo, do bem, ante
aquele do mau, que – para se concretizar – ainda dependeria de o eleitor, esse
equivocado, encher o Senado de bolsonaristas.
No Brasil, não raro se cassa parlamentar e afasta
governador – e não nos faltam casos de presidentes impedidos. Nunca houve
impeachment de ministro do Supremo. Talvez porque não seja tão simples como
quer fantasiar a usurpação blindadora. Afinal, se compete privativamente ao
Senado processar e julgar ministros do STF por crimes de responsabilidade, ao
STF cabe o julgamento de senadores.
A Lei de Impeachment, nada omissa, prevê três etapas
de votação até que um ministro perca o cargo – a última a exigir maioria
qualificada. Mendes pode considerá-la ultrapassada. Pode declarar
inconstitucionais os seus dispositivos. Nada disso mudará o mandato republicano
sobre qual seja a casa fazedora-reformadora das leis. O juiz legislou. Matou o
comando que permitia a qualquer das gentes denunciar ministro e o atribuiu a
exercício exclusivo do Procurador-Geral da República. Nada mais precisaria ser
dito sobre o que houve.
Algo ainda precisa ser dito sobre o que a lei define
como crime de responsabilidade de ministro do STF. Por exemplo: proferir
julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade
político-partidária; proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e
decoro de suas funções. São termos vagos, sujeitos a interpretações amplas –
que, ainda assim, não deveriam preocupar-incomodar, não fosse tão amplo também
o rol de atividades e relações dos supremos.
Carlos Andreazza - Estadão

Nenhum comentário:
Postar um comentário