Montar uma aliança pela paz, puxando a crise da
segurança para a antessala da Presidência da República; convencer, na base do
gogó, países ricos a tirar o escorpião do bolso e financiar um fundo para a
preservação de florestas; chamar o Banco Central para uma DR e convencê-lo a
começar a baixar os juros e, em meio a tudo isso, pegar um voo até Santa Marta
para prestar solidariedade à Colômbia e à Venezuela diante da escalada de
intervencionismo militar dos Estados Unidos na América do Sul.
A lista de tarefas assumidas por Lula ou que aliados
(sic) querem empurrar para ele é maior que a dos trabalhos de Hércules na
mitologia grega. Tirando a necessária e auspiciosa liderança na agenda
climática, o resto do roteiro inclui uma série de ciladas evidentes e é
impossível de cumprir com êxito sem efeitos colaterais para o Brasil e
políticos para o petista.
Mais: ao abraçar uma gama tão ambiciosa de
contenciosos, Lula desvia a rota das iniciativas que também estavam em curso e
podem render dividendos concretos justamente nos fronts eleitoral, geopolítico
e econômico. A dispersão de foco é tão grande que ele nem sequer comemorou
direito a vitória, de novo por unanimidade, de sua menina dos olhos para a
campanha à reeleição, a reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física, que
isentará do pagamento do imposto mais de 15 milhões de contribuintes-eleitores.
Tanto a agenda na Colômbia quanto esse canto da
sereia do PT para que Lula encampe o tema da segurança podem afetar o diálogo
com o governo dos Estados Unidos para remoção ou relaxamento parcial do
tarifaço e das sanções contra autoridades brasileiras pela Lei Magnitsky. O
pragmatismo ditaria ao governo agir de forma fria e estratégica até obter
alguma vitória efetiva nessa tratativa, que praticamente foi engolfada pela
repercussão da megaoperação no Rio de Janeiro.
A ideia de que Lula lance uma aliança pela paz
esbarra na realidade, constatada por um integrante do próprio governo, de que
faltam aliados e a paz está longe de ser atingida. Ele pode pregar no deserto e
acabar acentuando seu isolamento e a rejeição da maioria da população à ação
federal na segurança pública, já consignada em várias pesquisas, inclusive
algumas encomendadas pelo próprio Planalto.
Muito mais estratégico seria manter o tema
circunscrito ao Congresso e ao Ministério da Justiça e intensificar as ações da
Polícia Federal nas áreas de inteligência e colaboração com estados em ações de
estrangulamento financeiro, o que funciona como contraponto às operações mais
ostensivas e letais como a do Rio de Janeiro, sem levar o debate para a seara
ideológica, onde a esquerda está perdendo de lavada.
O que é vital para a perspectiva do governo federal
é evitar que passe no Legislativo a ideia de equiparar facções a grupos
terroristas, que sofre sérias restrições de setores como Ministério Público e
polícia. Isso requer articulação na Câmara e no Senado, e não slogans vazios e
voluntarismo estéril.
Outra jogada de risco é a participação brasileira na
Celac. É compreensível que o Brasil não queira abrir mão do protagonismo na
política do continente. Também é indefensável o intervencionismo ensaiado por Trump.
Mas não há ganho visível em Lula deixar Belém, onde tem encaminhado de forma
correta a agenda climática, reivindicando para o Brasil sua liderança, para ir
a Santa Marta e correr o risco de, com falas ou documentos, jogar por terra a
negociação do tarifaço.
Sim, a postura brasileira em relação aos Estados
Unidos tem de ser altiva e soberana, mas isso não deve se confundir com colocar
a perder meses de costura de bastidores e esforços diplomáticos por improviso e
frases infelizes. E o acúmulo de frentes de batalha multiplica o risco de ele
incorrer nesses vícios, nos quais é pródigo.
Vera Magalhães - O Globo

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