O avião que trouxe o presidente Lula da
Silva e sua comitiva da exitosa viagem à Ásia estava sem internet durante a
maior parte da terça-feira, dia 28, quando a polícia do Rio subiu os morros do
Alemão e da Penha para a sua maior operação contra a facção Comando Vermelho.
Sem poder se comunicar com Lula, os ministros assistiram ao governador do Rio,
Claudio Castro, acusar o Planalto de ter abandonado o estado e recusado ajuda
no combate aos criminosos. Só no final da tarde, oito horas depois da operação,
vieram as reações de manual: o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, deu
uma entrevista coletiva e o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, convocou
o gabinete para preparar um briefing para Lula.
A eterna lulodependência do Palácio do Planalto, no
entanto, foi o pecado mais leve do governo. Falta a Lula e seus assessores
convicção de como tratar a segurança, perdidos ainda em um discurso anacrônico
de que toda repressão policial é ruim. É a opinião do novo ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, e de colegas como Macaé
Evaristo (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial). Outra ala do
governo, liderada por Lewandowski, defende uma legislação mais dura e uma
terceira, dos ministros Fernando Haddad e Sidônio Palmeira, acredita
que a melhor alternativa do governo é privilegiar operações que cerceiem os
ganhos financeiros das facções criminosas. Lula flutua entre as três opções sem
ter uma estratégia, a não ser torcer para que a opinião pública troque de
assunto.
Como no aforismo do gato de Cheshire, de Lewis
Carroll, se você não sabe para onde vai, não importa o caminho que irá seguir.
Desorientado, o governo Lula tomou vários caminhos ao mesmo tempo:
Quarta-feira, 29 de outubro
Na posse de Guilherme Boulos, Lula não discursou
por ainda não ter certeza sobre o que dizer. Na cerimônia, Boulos pediu um
minuto de silêncio pelas mortes no confronto, “para policiais, moradores, por
todos eles”. No discurso, Boulos disse que Lula “sabe que a cabeça do crime
organizado deste país não está num barraco de favela, muitas vezes, está na
lavagem de dinheiro lá na (avenida) Faria Lima”.
Derrotado por Cláudio Castro na disputa pelo governo
do Rio em 2022, Marcelo Freixo, presidente da Embratur, afirmou que a ação
policial foi uma “chacina eleitoral planejada politicamente”.
Em entrevista conjunta, o ministro Ricardo
Lewandowski foi contraditado ao vivo pelo chefe da Polícia Federal, Andrei
Passos Rodrigues, que contou que o governo do Rio havia convidado informalmente
a PF a participar da operação.
O ministro Fernando Haddad acusou o governador
Cláudio Castro de “ter feito praticamente nada” em relação à prevenção das
fraudes de combustíveis. Até onde se sabe pelas investigações, fraude em
combustível é negócio do PCC, não do Comando Vermelho, atacado na operação de
Castro.
O ministro Lewandowski foi ao Rio e conseguiu uma
safe face para as relações com o governador Claudio Castro ao inventarem juntos
um “escritório conjunto” para ações coordenadas entre União e o Estado. O
escritório vale o mesmo que um grupo conjunto de WhatsApp.
Na quarta-feira à noite, sob pressão de Lewandowski
e das pesquisas, Lula sancionou um projeto do senador Sergio Moro (aquele
mesmo!) que aumenta penas contra quem tenta impedir ou obstruir investigações
contra organizações criminosas.
Lula só emitiu um post na noite de quarta-feira, 29,
quase 39 horas depois do início da operação no Rio. Burocrático, o texto não
lamentou as mortes, nem ofereceu espontaneamente forças de segurança para o
Rio.
Depois do post do presidente, a Secretaria de Comunicação
soltou um vídeo recheado de imagens de violência urbana com o seguinte
raciocínio: “Matar 120 pessoas não adianta nada no combate ao crime. Por que
mesmo se forem mortos todos os bandidos amanhã têm outros 120 fazendo o
trabalho. Para combater o crime precisa mirar na cabeça. Mas não de pessoas,
tem que atacar o cérebro e o coração dos grupos criminosos”.
Quinta-feira, 30
O monitoramento nas redes sociais, que mostrava um
equilíbrio nas versões entre esquerda e direita, muda radicalmente em favor da
direita após a reunião dos governadores de oposição com Claudio Castro.
Sexta-feira, 31
No X, a ministra Gleisi Hoffmann atacou os
governadores contrários à PEC da Segurança. “Ao invés de somar forças no
combate ao crime organizado, como propõe a PEC da Segurança, os governadores da
direita, vocalizados por Ronaldo Caiado, investem na divisão política e querem
colocar o Brasil no radar do intervencionismo militar de Donald Trump na
América Latina. Não conseguem esconder seu desejo de entregar o país ao
estrangeiro”.
Em entrevista no encerramento de uma operação da
Receita Federal, o ministro Haddad anunciou que foram presas 27 pessoas,
apreendidos 213.000 litros de bebida alcoólica e 3,5 toneladas de droga, “sem
tiro, nem morte”. Ele voltou a provocar Cláudio Castro: “uma boa parte do crime
organizado do Rio de Janeiro, está se escondendo por trás da sonegação que o
projeto de lei contra o devedor contumaz visa coibir. É muito importante que o
partido do governador Cláudio Castro [PL] não vote contra o projeto como já
fez”.
Apenas no início da noite de sexta-feira, o Planalto
anunciou que enviaria ao Congresso o projeto de lei antifacções, que
praticamente dobra a pena para os delitos praticados pelas organizações e
transforma o controle de territórios em crime hediondo, sem possibilidade de
fiança. Em vez de uma entrevista, Lula gravou um vídeo em que disse: “vamos
mostrar como é que se enfrentam as facções aqui neste país, como é que se
enfrenta o crime organizado, como é que se enfrentam aqueles que vivem da
exploração do povo mais humilde deste país”.
Esse zigue-zague do governo Lula é típico da
esquerda, especialmente a latino-americana. Acostumada a correlacionar a
criminalidade à desigualdade social, denunciar a violência policial e as
péssimas condições carcerárias, a esquerda tem dificuldades em compreender o
desespero dos que vivem sob o domínio das organizações criminosas. “Nas
questões de segurança pública, os direitos humanos não são apenas ameaçados
pelos excessos da polícia. Também são violados pela ação violenta e cotidiana
dos bandidos. Quando uma ação policial mais dura é vista pela população como
limite à ação dos criminosos, e a esquerda rapidamente se levanta contra os
excessos da polícia, ela passa a impressão de que se importa mais com os
direitos humanos dos bandidos que com os direitos humanos dos trabalhadores”,
escreveu em O Globo o professor Pablo Ortellado.
O descompasso do governo coroa uma semana que
começou com o próprio Lula dizendo em Jakarta que “toda vez que a gente fala de
combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos
viciados internamente. Os usuários são responsáveis pelos traficantes que são
vítimas dos usuários também. Você tem uma troca de gente que vende porque tem
gente que compra, de gente que compra porque tem gente que vende”. Depois da
frase infeliz, a Secretaria de Comunicação Social publicou uma tímida
retratação no perfil do presidente no X. Lula admitiu ter usado uma “frase mal
colocada”, mas não pediu desculpas ou mostrou alguma atenção aos milhões de
brasileiros que vivem sob o domínio das facções ou têm viciados na
família.
Sem enfrentar essa questão, Lula terá dificuldades
na campanha de 2026. A violência é a maior preocupação dos brasileiros, com 31%
das menções na mais recente pesquisa Genial/Quaest – 14 pontos percentuais
acima do segundo mais citado, problemas sociais. Para se ter uma ideia do
crescimento da violência no imaginário nacional, em 2021 apenas 2% dos
brasileiros citavam violência como sua maior preocupação nacional.
Os dados da Genial/Quaest mostram que a violência
não é prioridade apenas para eleitor de direita. Ela aparece em primeiro lugar
em todos os segmentos do eleitorado – e mais popular entre eleitores de Lula da
Silva:
Lulista – 36%
Esquerda não lulista – 35%
Direita não bolsonarista – 26%
Bolsonarista – 31%
Independente – 26%
Como notou a repórter Andréia Sadi, esta deveria ter
sido uma semana de ouro para Lula, depois do encontro amistoso com Donald Trump
e o início das negociações para a suspensão das sanções americanas. A foto de
Lula com Trump foi uma vitória retumbante à tentativa da
família Bolsonaro de intervir na condenação de Jair e exibiu a
fragilidade da direita. Mas isso foi no domingo e em menos de uma semana todos
já esqueceram.
Thomas Traumann - VEJA

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