Cláudio Oliveira
Repórter
O Projeto de Lei 4.386/2024, que estabelece
salvaguardas para o licenciamento e autorização de empreendimentos de geração
de energia eólica e solar, é visto por especialistas e representantes da
indústria de energias renováveis como um conjunto de medidas que aumenta a
burocracia, afasta investimentos e ameaça o protagonismo do Rio Grande do Norte
na geração de energia limpa. De autoria do deputado federal Fernando Mineiro
(PT-RN), o projeto foi apresentado sob a justificativa de proteger comunidades
e o meio ambiente. Interlocutores do setor de energias renováveis, no entanto,
defendem mais diálogo, equilíbrio e base técnica. O Governo do Estado informou
que não foi consultado na elaboração, mas que pontos exigidos no texto já são
aplicados nos licenciamentos.
Segundo entidades do setor, o projeto associa empreendimentos
de energia renovável a impactos negativos no semiárido, transformando essas
conclusões em regras legais. Para Sérgio Azevedo, presidente do Sindicato da
Indústria da Construção Civil (Sinduscon/RN) e da Comissão Temática de Energias
Renováveis (Coere/Fiern), a proposta contraria o esforço nacional pela
transição energética e pela geração de empregos.
“O setor eólico transformou o interior do RN,
levando desenvolvimento, infraestrutura e renda a regiões historicamente
esquecidas, mas, em vez de incentivar a geração de energia limpa e a criação de
empregos, o texto cria obstáculos e ameaça um dos setores mais
socioambientalmente responsáveis do Brasil”, afirmou Azevedo.
Uma das principais críticas é que o texto obriga a
realização de estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) para qualquer
empreendimento eólico acima de 3 megawatts, mesmo os de pequeno porte. Na
prática, até um único aerogerador teria de seguir o mesmo processo de grandes
obras, como refinarias. O diretor-presidente do Centro de Estratégias em
Recursos Naturais e Energia (CERNE), Darlan Santos, alerta que o projeto
mistura critérios de outorga e licenciamento para fontes distintas, como
eólica, solar e termelétrica, o que demonstra desconhecimento técnico.
“Colocar todas sob o mesmo regramento é um equívoco
que desconsidera as diferenças técnicas e ambientais entre elas”, disse. Ele
critica a exigência de EIA-RIMA para todo projeto acima de 3 megawatts. “Quem
define o tipo de estudo é o órgão licenciador, com base nas características e
localização de cada projeto”, explicou.
O diretor-técnico do Idema-RN, Thales Dantas,
confirma que é assim que o órgão procede. “Existe uma orientação dentro do
licenciamento de que cada parque, cada caso, tem um tipo de exigência
específico voltado ao monitoramento da fauna, às espécies ameaçadas e às
compensações sociais”, disse. Ele garante que o Idema já aplica condicionantes
e salvaguardas específicas em cada licenciamento, inclusive citadas no projeto
em questão.
A proposta também amplia as exigências de consulta
às comunidades, estendendo para qualquer comunidade afetada a aplicação da
Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI). A regra, prevista na Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aplica-se apenas a povos e
comunidades tradicionais. “Pelo impacto e pelo tamanho de um parque, acho que
são raríssimos os casos no RN, pelo raio que é colocado. A CPLI é feita nos
casos em que há impacto direto sobre comunidades tradicionais, como quilombolas
e indígenas”, afirmou o diretor do Idema.
Com a mudança, praticamente qualquer grupo vizinho a
um projeto precisaria ser consultado e poderia contestar decisões técnicas, o
que tende a gerar atrasos e judicializações. “O endurecimento dos licenciamentos
e a criação de exigências subjetivas, como ‘salvaguardas sociais’ mal
definidas, podem trazer insegurança jurídica e afastar investidores
estrangeiros”, alerta Sérgio Azevedo.
Ele ressalta que o modelo atual gera benefícios
diretos às comunidades: “Não há exploração, há parceria. Os proprietários
recebem renda mensal, as comunidades ganham infraestrutura e o Estado arrecada
mais”.
Cerne aponta retrocesso para setor de
renováveis
O Centro de Estratégias em Recursos Naturais e
Energia (CERNE) classificou o Projeto de Lei 4.386/2024 como um retrocesso no
debate sobre o desenvolvimento do setor energético brasileiro. A entidade, que
reúne especialistas e empresas do segmento, avalia que o texto mistura temas
distintos e impõe regras que podem inviabilizar investimentos e comprometer o
protagonismo do Rio Grande do Norte na geração de energia limpa. “Na nossa
opinião, promove até um retrocesso e um gigantesco entrave para o setor de
renováveis, que tem investido massivamente dentro do estado do Rio Grande do
Norte, sendo um dos principais atratores de investimento na região Nordeste”,
afirmou o diretor-presidente Darlan Santos.
Ele cita pontos que tornam os investimentos
inviáveis, como a limitação dos contratos a 20 anos, enquanto as concessões de
geração costumam ter prazos de até 35 anos, diferença que cria insegurança
jurídica e reduz o interesse de investidores. Outra exigência criticada é a
definição antecipada da localização das torres eólicas nos contratos com os
proprietários rurais, antes mesmo dos estudos técnicos, o que ignora alterações
posteriores resultantes das medições de vento e análises de viabilidade.
Para o CERNE, o projeto ignora o diálogo já
existente entre empresas e comunidades. “O setor é aberto à discussão e sabe
que há pontos a melhorar, mas é preciso diálogo. O setor de geração renovável
já enfrenta desafios conjunturais, como gargalos na transmissão e cortes na
geração por falta de infraestrutura. Se somar isso a novas barreiras legais, o
resultado será um ambiente de insegurança e retração de novos projetos”, disse
o dirigente.
O presidente do Coere/Fiern, Sérgio Azevedo, cita
dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec/RN) que apontam, em
2024, 13,5 mil empregos diretos e indiretos e R$ 10,1 bilhões em investimentos
gerados pelos setores eólico e solar. O RN possui 308 parques em operação,
responsáveis por quase 30% da geração eólica nacional. Projetos futuros somam
R$ 55 bilhões até 2030, que podem ser interrompidos com as regras propostas.
“O Rio Grande do Norte não pode se dar ao luxo de
perder o protagonismo conquistado com esforço e confiança. O futuro da energia
limpa e de milhares de famílias potiguares depende de um ambiente de negócios
racional, previsível e livre de ideologia”, afirmou. “O projeto de Mineiro, se
aprovado, significará um retrocesso histórico para o Brasil e um golpe direto
no desenvolvimento do estado que mais apostou na energia do futuro”, aponta.
O projeto está aguardando parecer do relator,
deputado Hugo Leal (PSD-RJ), na Comissão de Agricultura, Pecuária,
Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados. A
última movimentação na tramitação ocorreu em 22 de agosto e ainda deve seguir
para as comissões de Minas e Energia; de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Mineiro: projeto busca corrigir
distorções sociais
O deputado Fernando Mineiro (PT-RN) defende que o PL
4.386/2024 busca corrigir distorções sociais e ambientais provocadas por
grandes parques eólicos e solares. “O Brasil precisa avançar na transição
energética sem repetir velhas injustiças. O nosso projeto cria salvaguardas que
protegem quem vive e trabalha na terra, garante transparência nos contratos e
estabelece critérios mais justos para o licenciamento ambiental”, disse o
parlamentar.
Segundo ele, a proposta nasceu do diálogo com
comunidades afetadas que reivindicam participação nas decisões. “O Rio Grande
do Norte é líder em energia eólica, mas também é um estado marcado por
desigualdades históricas. Por isso, é aqui que precisamos construir o exemplo
de um modelo mais equilibrado e democrático”, afirma.
O deputado diz que o objetivo é impor limites que
evitem abusos sem frear o crescimento das energias limpas, promovendo uma
“transição energética que seja também uma transição social, com justiça,
participação e respeito às pessoas e ao meio ambiente”. Além disso, ele rebate
as críticas de inviabilização de investimentos. “Essa é uma visão equivocada. O
que inviabiliza o futuro do setor é a ausência de regras claras e justas.
Quando o Estado define parâmetros que protegem o meio ambiente e as
comunidades, está garantindo estabilidade e previsibilidade para todos”,
rebate.
Governo e Idema dizem não ter sido
consultados
O Governo do Rio Grande do Norte informou, por meio
da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec), que não foi consultado
sobre o projeto antes de sua tramitação e que tomou conhecimento da proposta
pela imprensa. Agora, pretende analisar o texto e encaminhar considerações ao
deputado autor.
Segundo a Sedec, muitos pontos tratados,
especialmente sobre comunidades tradicionais e impactos sociais, já são
discutidos em grupo de trabalho coordenado pelo Instituto de Desenvolvimento
Sustentável e Meio Ambiente (Idema), com participação da secretaria, para
aprimorar o licenciamento e o acompanhamento de impactos sociais dos
empreendimentos. “O Estado já vem trabalhando para melhorar os processos,
inclusive de licenciamento ambiental”, destacou a pasta.
Já o Idema informou que ainda não possui
posicionamento técnico formal. “Como ainda não estudamos o texto, não temos uma
conclusão técnica para dar um parecer”, afirmou o diretor-técnico, Thales
Dantas.

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