O natalense Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, 64
anos, foi convocado para depor na CPMI do INSS, mas obteve habeas corpus
preventivo no Supremo Tribunal Federal (STF) por decisão do ministro Alexandre
de Moraes, que manteve o efeito convocatório para a tarde de segunda-feira (3),
mas “na condição de testemunha”, tendo o dever legal de manifestar-se sobre os
fatos e acontecimentos relacionados ao objeto da investigação, “estando,
entretanto, assegurado o direito ao silêncio e a garantia de não
autoincriminação, se instado a responder perguntas cujas respostas possam
resultar em seu prejuízo ou em sua incriminação”.
Como presidente da Confederação Brasileira dos
Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), Abraão Lincoln havia encaminhado a
petição em 16 de outubro, um dia depois de convocado para depor, a partir das
16h de segunda, no Plenário 2 da Ala Senador Nilo Coelho, situada no Anexo II
do Senado Federal.
O despacho do ministro Alexandre de Moraes datado do
dia 28/10, foi disponibilizado dois dias depois no site do STF, garantindo a
Abraão Lincoln “ser assistido por advogados durante sua oitiva, podendo
comunicar-se com eles, observados os termos regimentais e a condução dos trabalhos
pelo presidente da CPMI”. Um dos advogados é o potiguar Erick Pereira.
A defesa de Abraão Lincoln alegou que no ato
convocatório, ocorrido em agosto, consta que será ouvido na qualidade de
testemunha, no entanto, “é inconteste que ostenta a condição de investigado,
uma vez que, tanto ele (Abraão Lincoln) como a própria Confederação foram alvos
de medidas constritivas de quebra de sigilos e indisponibilidade de bens
decretada pelo Juízo da 7ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito
Federal, nos autos tombados sob o nº 1051897-93.2025.4.01.3400 (doc. 03), sendo
esta a condição para aferir seus direitos e deveres quando de sua oitiva pela
CPMI”.
Assim, arguiu a defesa, “atentando-se à condução dos
trabalhos da CPMI e à repercussão que o tema causa, é razoável o receio do
paciente em sofrer constrangimento ilegal quando de sua oitiva, uma vez que, já
no início dos trabalhos da Comissão, foi aprovado o requerimento 1486/2025, que
representa pela prisão preventiva de 21 pessoas listadas”, embora o nome de
Lincoln “ não conste da listagem mencionada, o que verifica a presunção de
inocência que não vem sendo respeitada.”.
Lincoln dividiu sua vida toda, praticamente, entre
atividades político-partidárias e assistenciais ligadas à pesca artesanal no
Rio Grande do Norte.
Aos 18 anos começou a trabalhar como técnico em
reabilitação na Clínica Heitor Carrilho, onde passou pouco tempo. Aos 19 já
atuava como assessor parlamentar na Assembleia Legislativa, a partir de 1980,
transitou nos gabinetes do falecido ex-deputado Patrício Júnior e do
ex-deputado Frederico Rosado, também assessor dos ex-vereadores Wober Júnior e
Paulinho Freire, na Câmara Municipal de Natal.
Também passou pela Secretaria de Serviços Urbanos
(Semsur) e pelo Instituto de Planejamento de Natal (Iplanat), antes de assumir
em 1999 a presidência da Federação dos Pescadores do Rio Grande do Norte até o
ano de 2011.
Com esse lastro, Abraão Lincoln, que cursou o ensino
fundamental e o médio no Colégio São Luiz e graduou-se em Administração na Facex,
tentou seguir carreira política, foi candidato duas vezes a deputado estadual
em 2006 e 2010 pelo MDB, e duas vezes a deputado federal pelo PRB, em 2014 e
2018.
Desde 2020, preside a CBPA, que congrega mais de um
milhão de pescadores, filiados a 1.037 diferentes colônias, associações e
sindicatos por todo o país, que por sua vez formam as 21 federações de
pescadores a ela ligadas.
Abraão Lincoln está sendo acusado de desviar R$
221.884.427,63 entre fevereiro de 2023 e março de 2025, conforme apurou a “
Operação Sem Desconto”, e está sendo responsabilizado pela prática de atos
lesivos contra a administração pública federal por ter firmado Acordos de
Cooperação Técnica (ACT) com o INSS para viabilizar descontos de aposentados e
pensionistas da previdência social.
Segundo os autos, na ação cautelar que resultou na
indisponibilidade de bens de seu presidente, a CBPA funciona em Brasília “em
uma sala simples que só possuía uma secretária para atendimento no momento da
visita. Não possui infraestrutura para localização, captação, cadastramento e
muito menos fornecimento de serviços para o quantitativo de associados
filiados, posto que se trata de uma pequena sala comercial”.
A instituição contava com 360.632 aposentados e
pensionistas associados, residentes em 3.677 municípios, nos 26 Estados e no
Distrito Federal, considerando a Folha de Pagamentos do INSS de março de 2024.
“Nessa verificação preliminar, não ficou demonstrada a capacidade operacional
da CBPA para proceder à captação e à filiação de tantos aposentados e
pensionistas, tampouco de prestar serviços ou realizar atendimento ao
quantitativo de filiados que possui, em milhares de municípios pelo país”, diz
a AGU.
Para a AGU, há fortes indícios de ter sido criada, a
exemplo de outras entidades investigadas, com o único propósito de praticar a
fraude — entidade de fachada —, com sua constituição utilizando ‘laranjas’,
havendo ainda fortes indícios de pagamento de vantagem indevida a agentes
públicos para autorizarem os descontos indevidos.
A CPMI já aprovou a quebra dos sigilos bancário e
fiscal de Abraão Lincoln e requereu ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) o envio de Relatório de Inteligência Financeira (RIF).
A Comissão acredita que Abraão Lincoln, através da
Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura, a qual
preside, é a “peça-chave”, “um dos principais operadores” dos desvios no INSS e
“uma das engrenagens centrais de um esquema predatório que drenou recursos de
aposentados e pensionistas”.

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