Mensagens apreendidas em um inquérito sobre o
Primeiro Comando da Capital (PCC) revelam a existência de um setor interno que,
na avaliação de investigadores, funciona como uma espécie de “Recursos Humanos
(RH)” da maior facção do país. O grupo passa orientações sobre posicionamentos
eleitorais, define regras para o mercado de drogas, planeja expansão
territorial a outros estados, como o Rio, e financia o custo das “filiais”.
A rotina da “Sintonia Final do Resumo”, nome pelo
qual é conhecido internamente o “setor de RH” da facção, foi desvendada a
partir do conteúdo extraído dos celulares do traficante Michael Silva, o Neymar
do PCC. De acordo com a apuração, o departamento atua na “manutenção da ordem,
hierarquia e controle” dentro da quadrilha. Um dos métodos é um “tribunal”
sobre a conduta dos filiados, além de ameaças a quem “de alguma forma entra em
conflito com os interesses do PCC”, como comerciantes, políticos e moradores
das áreas dominadas pelo bando.
Segundo a Polícia Civil paulista, Silva era um dos
responsáveis por enviar recados da cúpula da facção aos demais integrantes. Em
julho de 2024, o traficante tratou do quadro eleitoral daquele ano e informou
que as diretrizes para 2026 ainda estavam em estudo. A mensagem afirmava que
caberia a cada comunidade definir o candidato que mais lhe trouxesse vantagens,
independentemente do partido ou orientação ideológica.
“Vamos deixar a critério de cada um em suas
comunidades apoiar aqueles que trazem maiores benefício para sua região,
sabendo que as eleições trazem trabalho e renda para as comunidades”, dizia o
texto.
No mesmo mês, foi disseminado outro comunicado com
advertências sobre o que a facção considerava irregularidades no mercado de
drogas, como a venda via delivery em locais onde já há bocas de fumo. “Viemos
através desta conscientizar todos que estão vendendo drogas em pedaços e no
delivery irregularmente nas comunidades onde já existe biqueiras. Estão
chegando várias ideias na ‘sintonia’ com descontentamento de seus respectivos
donos por tais práticas irregulares”, alertava a mensagem.
A investigação também aponta que o “RH do PCC”
cuidava do cadastro dos membros, o que incluía o “protocolo de retorno”, quando
um criminoso era perdoado e voltava a integrar a facção. Em outro diálogo, em
julho de 2024, Silva foi cobrado a fornecer um levantamento sobre suspeitos que
haviam sido mortos, especificando o “vulgo” (apelido no crime), a “quebrada”
(origem do criminoso) e “se foi polícia ou alguém sem identificação”. Os
pagamentos a cada uma das “células”, como são conhecidas as divisões regionais
do PCC, também passavam pela estrutura.
Além de tratar de questões internas, a “Sintonia”
também atuava na expansão do PCC a outros estados, como o Rio. Em outra
mensagem, um comparsa identificado como Orelha informa a Neymar do PCC que
estava escondido no Complexo da Maré, na Zona Norte da capital fluminense.
“Já conversei com o amigo do Rio. Estão no aguardo
para fazer o remanejamento”, afirmou Orelha em 7 de julho de 2024. O chefe,
então, lhe manda conversar com “a final”, provável referência à Sintonia Final,
formada pela cúpula do PCC. Orelha acata a ordem e termina o diálogo com a
frase: “Bora revolucionar o Rio”.
Alguns dias depois, Orelha avisou que já estava “com
a sintonia no pente e pronto para trabalhar”. Para a Polícia Civil de São
Paulo, o traficante foi enviado ao Rio com a missão de realizar transações em
nome da facção. De acordo com as investigações, o contato do membro do PCC era
com a facção Terceiro Comando Puro (TCP), que comanda parte da Maré e estaria
se unindo à organização paulista para fazer frente ao Comando Vermelho (CV).
Ex-morador de um apartamento em Santa Cecília, no
Centro de São Paulo, Michael Silva costumava circular em um veículo de luxo
pelas comunidades de São Paulo distribuindo cestas de Natal durante as festas
do fim do ano. Em uma rara imagem obtida pela polícia, ele aparece vestindo a
camisa da seleção brasileira.
Quando foi preso, em agosto de 2024, os agentes
apreenderam um carro, joias, uma balança de precisão e os “celulares sujos”,
como ele mesmo costuma chamar os aparelhos registrados no nome de terceiros e
usados para discutir o dia a dia do crime. Um mês antes da prisão, ele enviou
uma mensagem a um subordinado mandando que ele destruísse três telefones e os
lançasse no Rio Tietê.
Em julho deste ano, Michael Silva foi denunciado
pelo Ministério Público de São Paulo pelos crimes de organização criminosa e
tráfico de drogas, com o agravante de ocupar posição de liderança na facção.
Procurada, a defesa afirma que ele é inocente, que a investigação é
“desastrosa” e acumula “diversas nulidades, que serão arguidas em momento
oportuno”.
O Globo
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