O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do
Fórum Mundial da Alimentação, em Roma, onde pôde mais uma vez transformar a
redução da fome em peça de propaganda – agora em escala global. Ressaltando a
saída do Brasil do Mapa da Fome, anunciada em julho pela Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o petista declarou: “A fome é
irmã da guerra”.
Além de mencionar os conflitos armados, que
“desorganizam cadeias de insumos e alimentos”, Lula denunciou o egoísmo das
potências econômicas, associou o problema às “barreiras e políticas
protecionistas de países ricos” que “desestruturam a produção agrícola no mundo
em desenvolvimento” e exibiu o Brasil governado pelo PT como exemplo de
superação moral e política.
O discurso, repleto de indignação e metáforas
grandiosas, foi recebido com aplausos. Mas o melhor ainda estava por vir: Lula
sugeriu a cobrança de um “imposto global” de 2% em cima dos “super-ricos”. Em
suas contas, bastariam US$ 315 bilhões para que todos os famintos do mundo
pudessem fazer três refeições por dia.
O
que Lula não contou à embevecida plateia é que o Brasil já
gasta cerca de 15% desse valor por ano em Bolsa Família e em Benefício de
Prestação Continuada, e, no entanto, a despeito dessa dinheirama, e mesmo tendo
o equivalente a apenas 3% da população total dos países em desenvolvimento,
ainda enfrenta insegurança alimentar, como mostrou recentemente o IBGE.
Os
dados indicam que 24,2% dos domicílios brasileiros
conviviam com algum grau de insegurança alimentar em 2024. Houve queda em
relação aos 27,6% de 2023, mas mesmo assim segue sendo um número muito alto
para um país que investe tanto em assistencialismo. E tudo isso mesmo com o PT
na Presidência em 16 dos últimos 22 anos. Eis então que a fórmula proposta por
Lula para acabar com a fome no mundo não funciona nem no Brasil que ele
governa.
O
máximo que os governos petistas conseguiram foi estabelecer
uma miríade de benefícios sociais que se prestam a apenas mitigar um problema
que só será resolvido quando houver reformas profundas, capazes de reduzir o
imenso custo de produzir no Brasil, gerando riqueza e oportunidades para todos.
E isso, obviamente, Lula e os petistas jamais farão.
Donde
se conclui que o propósito do discurso de Lula não era lançar propostas
concretas e factíveis para enfrentar o problema da fome no mundo, e sim
vilanizar os ricos, eleitos pelo presidente como inimigos
do povo brasileiro – e mundial. Esse, como sabemos, deverá ser seu mote na
campanha à reeleição no ano que vem. Recorde-se que, recentemente, depois que o
Congresso derrotou, de forma acachapante, a tentativa do governo de aumentar
impostos para cobrir o rombo fiscal, Lula saiu a declarar que “uma parte do
Congresso Nacional votou contra a taxação que a gente queria fazer dos
bilionários deste País, daqueles que ganham muito e pagam pouco”.
Ademais, é fácil discursar sobre a fome em Roma.
Difícil é combatê-la na pobreza amazônica de Roraima, nos becos de Manaus, no
sertão do Piauí e nas favelas do Rio de Janeiro ou outras metrópoles. Lula
levou à Itália o discurso moral, mas pouco disse sobre o colapso de condições
internas que poderiam tornar o Brasil menos dependente da demagogia do governo
de ocasião. Em vez de um diagnóstico estrutural, preferiu o teatro diplomático.
A fome é de fato irmã da guerra, mas, antes de tudo, é filha da má gestão, da
improvisação política e da dependência crônica do assistencialismo.
Enquanto isso, o Estado está quase completamente
capturado por interesses privados, reduzindo de forma drástica sua capacidade
de investimento público, necessário para melhorar a produtividade e impulsionar
o desenvolvimento de forma sustentável. Aos pobres, por quem Lula diz se
interessar, restam as migalhas, com as quais até é possível reduzir a fome, mas
são insuficientes para fazer com que esse enorme contingente de brasileiros
deixe finalmente de viver da mão para a boca.
Opinião do Estadão
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