O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a
confundir sua posição de chefe de Estado e de governo com a de líder de facção
política. Ao afirmar, diante do presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que o Congresso “nunca teve o baixo nível como tem agora” e
que a “extrema direita que se elegeu em 2022 é o que existe de pior”, Lula não
só cometeu uma descortesia institucional, como afrontou o princípio basilar da
democracia representativa: o respeito à legitimidade das urnas.
O discurso foi proferido em ambiente confortável, um
evento pelo Dia dos Professores no Rio de Janeiro, diante de uma plateia
simpática ao presidente da República e ao PT. Lá, à vontade entre apoiadores
históricos, Lula fez o que sabe fazer melhor: transformar um ato oficial em
palanque eleitoral. O antagonismo com o Congresso certamente será uma das
linhas de sua campanha pela reeleição em 2026. O discurso maniqueísta está
pronto: de um lado, o “povo”, que Lula diz representar; de outro, as “elites”,
encarnadas nas instituições que impõem limites ao seu voluntarismo ou
simplesmente não seguem a cartilha petista.
Com seus erros e acertos, o Congresso é a expressão
da pluralidade social e política do País. Seus 513 deputados e 81 senadores
foram eleitos pelo voto popular e gozam da mesmíssima legitimidade da qual está
investido o sr. presidente da República. Nesse sentido, o Congresso não é “bom”
nem “ruim” por natureza; apenas é o que é, reflexo das escolhas dos eleitores.
Portanto, ao desqualificá-lo em bloco, Lula desrespeita não apenas os
parlamentares que não comungam de sua ideologia, mas também os milhões de
brasileiros que os elegeram.
É natural que Lula discorde de posições assumidas
por parte do Congresso, sobretudo da Câmara, que, sob nova direção, tem imposto
derrotas ao governo e aprovado medidas de autoproteção que soam escandalosas à
opinião pública. A aprovação da chamada PEC da Blindagem, que levou milhares de
cidadãos às ruas em protesto no dia 21 de setembro, é exemplo disso. Mas
discordar é uma coisa, desqualificar é outra. Cabe ao chefe do Executivo se
portar com a serenidade e o senso de responsabilidade que seu cargo exige, e
não fomentar o descrédito em uma instituição quando esta contraria seus desejos
ou não se alinha às suas visões de mundo.
A descortesia de Lula com Hugo Motta, a quem
atribuiu erroneamente a presidência do Congresso – cargo que pertence ao
senador Davi Alcolumbre (União-AP) –, é mais do que uma “gafe”. É um sintoma da
soberba de quem parece ter se deixado inebriar pela retomada da popularidade e
pela conveniência política de ter os bolsonaristas, que sofrem alta rejeição,
como adversários preferenciais. A imposição de sanções políticas e econômicas
ao Brasil pelos EUA tem sido explorada por Lula como a oportunidade perfeita
para voltar à retórica do confronto: ele, o líder do “Brasil soberano”, contra
as forças do atraso que conspiram contra o País – as quais o presidente,
genericamente, empacota como “extrema direita”.
Ocupadíssimo com a campanha eleitoral, o presidente
parece ter esquecido que tem um país para governar. E, para isso, não pode
prescindir do Congresso. Lula governa em um regime presidencialista
multipartidário, que ele conhece bem como poucos. Não é possível aprovar
reformas, avançar em políticas públicas nem ao menos fingir buscar a
estabilidade fiscal sem construir pontes com as forças políticas presentes no
Legislativo – de todos os matizes.
O discurso do confronto institucional, além de
irresponsável, isola o governo em um momento em que a economia clama por
cooperação entre os Três Poderes. A agenda de equilíbrio fiscal, a reforma
administrativa e a segurança pública, entre outras pautas prioritárias para o
País, exigem pactos que, por óbvio, não virão dos insultos. Ao subir no salto e
atacar genericamente o Congresso, Lula não enfraquece seus adversários
políticos – rebaixa a própria Presidência da República.
É sintomático que Lula tenha escolhido um palanque
cercado por apoiadores para expressar seu desrespeito por um Poder. Surdo pelos
aplausos fáceis, deu vazão à empáfia de quem já se vê reeleito e, portanto,
pode prescindir de alianças. Azar do País.
Opinião do Estadão

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