sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Associação usou CNHs vencidas para fraudar descontos de aposentados

 


Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que a União Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (Unibap) apresentou fichas de filiação com carteiras de habilitação vencidas para justificar descontos indevidos em benefícios previdenciários de aposentados e pensionistas.

Segundo o órgão, os documentos usados pela entidade contêm indícios de “fraude, vício de consentimento ou uso indevido de dados pessoais” para descontos indevidos. A defesa da entidade nega irregularidades e diz que “jamais houve motivo para a associação desconfiar de falsidade” (leia mais ao final da reportagem).

O suposto uso de CNHs vencidas foi uma das razões para que a Controladoria decidisse abrir um Processo Administrativo de Responsabilização contra a entidade, conforme mostrou a coluna no início setembro.

A apuração que levou aos documentos teve origem em um processo de fiscalização conduzido pelo INSS e analisado posteriormente pela CGU. O procedimento foi aberto após um aumento expressivo de filiações e uma série de reclamações de beneficiários que afirmaram não reconhecer os descontos feitos em seus proventos.

Em dezembro de 2023, a Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão (DIRBEN) solicitou à Unibap a apresentação de 86 fichas de filiação, a fim de verificar a regularidade das autorizações de desconto de mensalidades associativas.

A medida foi tomada após o registro de 97 reclamações na plataforma Fala.BR e 559 no site Reclame Aqui — muitas delas denunciando descontos não autorizados. De acordo com o relatório, em 30 dos 97 casos analisados no Fala.BR, os aposentados responderam “não” à pergunta sobre se haviam autorizado os descontos.

Além disso, o sistema do INSS identificou mais de 8 mil pedidos de exclusão de mensalidades associativas supostamente não consentidas.

Após ser notificada, a Unibap apresentou defesa e encaminhou as fichas solicitadas e o processo foi arquivado com o endosso do então diretor de benefícios do órgão André Fidélis que está atualmente sob suspeita da Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento na “farra do INSS”, revelada pelo Metrópoles.

No entanto, a análise da CGU constatou que diversas fichas continham CNHs vencidas, algumas expiradas desde 2019, embora as supostas adesões tenham ocorrido somente a partir de 2021.

“Constatou-se a recorrente apresentação de fichas de filiação contendo, como documento de identificação, Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) com validade expirada. Em diversos casos, tais documentos encontravam-se vencidos desde o ano de 2019, ao passo que as supostas datas de filiação ocorreram ao menos a partir de 2021, ou seja, com um lapso temporal superior a dois anos entre o vencimento do documento e o ato de filiação”, diz o documento.

Para o órgão de controle, isso levantou indícios de que a entidade de maneira sistemática e reiterada autorizações de descontos contendo “elementos de inidoneidade material”.

Um dos exemplos citados mostra que um beneficiário teria sido filiado em 14 de junho de 2022, com o primeiro desconto efetuado em julho. Menos de 30 dias depois, o aposentado registrou reclamação no Fala.BR alegando não ter autorizado o vínculo — situação considerada incompatível com uma “filiação voluntária”.

“Sob a ótica do cidadão médio, não é crível que um filiado espontâneo questione sua própria adesão em prazo tão curto. Tal fato indica fortes indícios de fraude, vício de consentimento ou uso indevido de dados pessoais para descontos indevidos”, ressalta.

O relatório ressalta ainda que, no contexto da Operação Sem Desconto, que apura o suposto esquema de descontos irregulares de aposentados do INSS, o uso de documentos antigos e vencidos, associado às negativas espontâneas dos associados reforça a suspeita de autorizações fraudulentas.

“Tal cenário indica, com razoável grau de probabilidade, a possível obtenção ilícita de dados pessoais e o preenchimento fraudulento das fichas de filiação, comprometendo a legalidade, a veracidade e a integridade dos documentos apresentados”, conclui a CGU.

Defesa

A coluna entrou em contato com a defesa da Unibap, que disse se percebe uma “politização” de um procedimento investigativo por parte da CGU, “onde restou inviabilizada a defesa da associação sob argumento de sigilo das investigações”.

O advogado Daniel Gerber afirma que o órgão “distorce a relação da associação com o próprio INSS, pois esta autarquia fiscalizou diretamente a associação e, inclusive, destacou que era uma das únicas que estava em ordem, com crescimento orgânico e adequado ao tempo de existência, sede etc”, afirma.

O advogado ressalta, por fim, que a entidade “sempre manteve uma política de minimização de problemas aos seus associados, eis que não era ela a responsável pelo procedimento de adesão”. Tal tarefa, segundo ele, era realizada por correspondentes bancários que atuam nacionalmente não apenas para a associação, mas para bancos, seguradoras, dentre outras instituições.

“Em síntese, jamais houve motivo para a associação desconfiar de falsidade, mas sempre que acionada por qualquer um dos seus canais, resolvia imediatamente a reclamação de seus associados; jamais houve, também, ausência de respostas às entidades investigativas, ainda que seja insista em dizer ao contrário. Todo o legado aqui encontra supedâneo em petições devidamente protocoladas perante os órgãos competentes, assim com despachos dos próprios órgãos”, concluiu.

Fábio Serapião - Metrópoles

 

 

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