terça-feira, 2 de setembro de 2025

'PCC já financia campanhas': Promotor Lincoln Gakiya alerta para influência do crime organizado nas eleições 2026

 


O promotor de Justiça Lincoln Gakiya fez um alerta sobre a crescente infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) na política brasileira. Em entrevista ao “Roda Viva”, da TV Cultura, Gakiya afirmou que a facção já financiou campanhas de vereadores e até de candidatos a prefeito em municípios de São Paulo, e que existe o risco de que eleições estaduais e nacionais também sejam contaminadas por recursos do crime organizado.

Gakiya lembrou que relatórios de inteligência já identificaram dezenas de candidatos com ligação ao PCC concorrendo às eleições municipais em 2024. Embora não haja um levantamento consolidado sobre quantos se elegeram, o promotor destacou que a estratégia da facção não passa pela busca de grandes cargos no Legislativo, mas pelo controle local.

— As lideranças do PCC diziam: pra gente não interessa eleger um deputado, ou dois, ou dez, porque a maioria só não faz verão. Eles perceberam que isso não seria muito interessante para eles em termos de organização criminosa — relatou.

Segundo ele, o foco da facção está em cargos que permitem acesso direto a contratos e serviços públicos nas cidades. Gakiya é integrante do Gaeco, do MPE-SP, e investiga oPCC desde 2004 e vive há mais de dez anos sob escolta policial, devido a ameaças recebidas.

— Você eleger vereadores, você eleger prefeitos faz com que você participe dos negócios naquela região de atuação de cada criminoso. E isso que me preocupa muito. Eu temo que as próximas eleições, para governador, Congresso e até para presidente, possam estar permeadas pela utilização de recursos oriundos do crime organizado — afirmou Gakiya, ressaltando que os partidos precisam reforçar a vigilância sobre a origem dos financiamentos de campanha.

Na esteira da Operação Carbono, que mirou um esquema bilionário do PCC no setor de combustíveis, o promotor destacou que, hoje, as facções buscam diversificar seus negócios para além do crime tradicional. — Essas associações criminosas querem diversificar o seu ramo de atuação. Não pode ser uma padaria, pode ser qualquer outro comércio, administração de carreira de artistas, na área musical, de influencers… Pode ser uma profusão muito grande de setores — disse.

Ele citou ainda o setor de apostas esportivas, conhecido como “bets”, como um alvo potencial do crime organizado. Embora não tenha detalhado operações específicas, Gakiya indicou que já existem indícios de lavagem de dinheiro por meio dessas plataformas e da promoção feita por influencers. — Toda vez que há deficiência de regulamentação, baixo controle, alta lucratividade e baixo risco, certamente o crime organizado vai estar presente — afirmou.

Para ele, a percepção geral é que, enquanto o Estado avançava lentamente, o PCC e outras organizações cresceram e diversificaram suas atividades. “Nesses 20 anos, eles correram enquanto nós andávamos, às vezes, para trás”, concluiu.

Agência anticrime

Referência nacional no enfrentamento ao PCC, o promotor voltou a defender a necessidade de uma atuação coordenada entre diferentes órgãos do Estado para conter o avanço do crime organizado. Segundo ele, o país precisa apostar em operações multiagência, modelo que já apresentou resultados em ações anteriores.

— Eu sou um defensor há muitos anos de operação multiagência. Eu acho que é isso que está faltando nesse país. E isso foi, eu acho, uma operação muito exitosa nesse sentido — afirmou no Roda Viva.

O promotor também destacou a importância de uma legislação específica contra as chamadas "organizações mafiosas". Ele relatou ter participado, a convite do Ministério da Justiça, da elaboração de um anteprojeto de lei voltado a fortalecer o enfrentamento ao crime organizado.

Gakiya defende que uma lei antimáfia é fundamental para enfrentar esse tipo de infiltração como a do PCC, ao classificar como “organização criminosa qualificada” ou “mafiosa” toda atuação que envolva influência direta sobre processos políticos.

O pacote de segurança preparado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública para enfrentar facções e o crime organizado vai propor a criação da "organização criminosa qualificada", com pena de até 20 anos de prisão.

Gakiya também comentou sobre a PEC da Segurança Pública, que prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Segundo ele, a medida é importante para criar uma coordenação nacional na troca de informações e na unificação de critérios de formação das polícias.

No entanto, o promotor fez uma ressalva sobre a atribuição quase exclusiva à Polícia Federal para investigar crimes transnacionais, interestaduais ou com repercussão nacional, incluindo casos de facções e milícias. Para ele, é necessário integrar as forças em vez de fragmentar esforços.

— Sem sombra de dúvidas, a Polícia Federal é uma das mais bem qualificadas do mundo, do Brasil, com certeza. Mas não me parece ser a melhor opção conceder a ela praticamente todo o combate do crime organizado. Temos em torno de 12 mil policiais federais e mais de 600 mil policiais militares e civis no Brasil. Precisamos integrar essas forças e não agir de maneira fragmentária ou dividir esses esforços.

São Paulo x Rio

Lincoln Gakiya destacou a diferença estrutural entre o PCC em São Paulo e as facções do Rio de Janeiro, como o Comando Vermelho. Segundo o promotor, a infiltração do crime organizado carioca atingiu um nível crítico.

— O que precisaria haver é uma depuração interna das instituições e, em seguida, uma retomada do território, precedida de inteligência para não punir o cidadão que mora nas comunidades carentes — afirmou.

Para Gakiya, o PCC hoje alcançou um nível empresarial e transnacional que o distingue das facções cariocas.

— O PCC domina toda a cadeia de negócios em combustíveis, desde usinas e refino até distribuição nos postos e colocação desses valores no mercado financeiro. No Rio, vemos ainda exploração de venda de botijão de gás, água mineral, internet e serviços de segurança dos moradores. O Comando Vermelho ainda não atingiu esse status empresarial que fez do PCC a primeira máfia do Brasil — concluiu.

O Globo

 

 

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