O promotor de Justiça Lincoln Gakiya fez um alerta
sobre a crescente infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) na política
brasileira. Em entrevista ao “Roda Viva”, da TV Cultura, Gakiya afirmou que a
facção já financiou campanhas de vereadores e até de candidatos a prefeito em
municípios de São Paulo, e que existe o risco de que eleições estaduais e
nacionais também sejam contaminadas por recursos do crime organizado.
Gakiya lembrou que relatórios de inteligência já
identificaram dezenas de candidatos com ligação ao PCC concorrendo às eleições
municipais em 2024. Embora não haja um levantamento consolidado sobre quantos
se elegeram, o promotor destacou que a estratégia da facção não passa pela
busca de grandes cargos no Legislativo, mas pelo controle local.
— As lideranças do PCC diziam: pra gente não
interessa eleger um deputado, ou dois, ou dez, porque a maioria só não faz
verão. Eles perceberam que isso não seria muito interessante para eles em
termos de organização criminosa — relatou.
Segundo ele, o foco da facção está em cargos que
permitem acesso direto a contratos e serviços públicos nas cidades. Gakiya é
integrante do Gaeco, do MPE-SP, e investiga oPCC desde 2004 e vive há mais de
dez anos sob escolta policial, devido a ameaças recebidas.
— Você eleger vereadores, você eleger prefeitos faz
com que você participe dos negócios naquela região de atuação de cada
criminoso. E isso que me preocupa muito. Eu temo que as próximas eleições, para
governador, Congresso e até para presidente, possam estar permeadas pela
utilização de recursos oriundos do crime organizado — afirmou Gakiya,
ressaltando que os partidos precisam reforçar a vigilância sobre a origem dos
financiamentos de campanha.
Na esteira da Operação Carbono, que mirou um esquema
bilionário do PCC no setor de combustíveis, o promotor destacou que, hoje, as
facções buscam diversificar seus negócios para além do crime tradicional. —
Essas associações criminosas querem diversificar o seu ramo de atuação. Não
pode ser uma padaria, pode ser qualquer outro comércio, administração de
carreira de artistas, na área musical, de influencers… Pode ser uma profusão
muito grande de setores — disse.
Ele citou ainda o setor de apostas esportivas,
conhecido como “bets”, como um alvo potencial do crime organizado. Embora não
tenha detalhado operações específicas, Gakiya indicou que já existem indícios
de lavagem de dinheiro por meio dessas plataformas e da promoção feita por
influencers. — Toda vez que há deficiência de regulamentação, baixo controle,
alta lucratividade e baixo risco, certamente o crime organizado vai estar
presente — afirmou.
Para ele, a percepção geral é que, enquanto o Estado
avançava lentamente, o PCC e outras organizações cresceram e diversificaram
suas atividades. “Nesses 20 anos, eles correram enquanto nós andávamos, às
vezes, para trás”, concluiu.
Agência anticrime
Referência nacional no enfrentamento ao PCC, o
promotor voltou a defender a necessidade de uma atuação coordenada entre
diferentes órgãos do Estado para conter o avanço do crime organizado. Segundo
ele, o país precisa apostar em operações multiagência, modelo que já apresentou
resultados em ações anteriores.
— Eu sou um defensor há muitos anos de operação
multiagência. Eu acho que é isso que está faltando nesse país. E isso foi, eu
acho, uma operação muito exitosa nesse sentido — afirmou no Roda Viva.
O promotor também destacou a importância de uma
legislação específica contra as chamadas "organizações mafiosas". Ele
relatou ter participado, a convite do Ministério da Justiça, da elaboração de
um anteprojeto de lei voltado a fortalecer o enfrentamento ao crime organizado.
Gakiya defende que uma lei antimáfia é fundamental
para enfrentar esse tipo de infiltração como a do PCC, ao classificar como
“organização criminosa qualificada” ou “mafiosa” toda atuação que envolva
influência direta sobre processos políticos.
O pacote de segurança preparado pelo Ministério da
Justiça e da Segurança Pública para enfrentar facções e o crime organizado vai
propor a criação da "organização criminosa qualificada", com pena de
até 20 anos de prisão.
Gakiya também comentou sobre a PEC da Segurança
Pública, que prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP). Segundo ele, a medida é importante para criar uma coordenação nacional
na troca de informações e na unificação de critérios de formação das polícias.
No entanto, o promotor fez uma ressalva sobre a
atribuição quase exclusiva à Polícia Federal para investigar crimes
transnacionais, interestaduais ou com repercussão nacional, incluindo casos de
facções e milícias. Para ele, é necessário integrar as forças em vez de
fragmentar esforços.
— Sem sombra de dúvidas, a Polícia Federal é uma das
mais bem qualificadas do mundo, do Brasil, com certeza. Mas não me parece ser a
melhor opção conceder a ela praticamente todo o combate do crime organizado.
Temos em torno de 12 mil policiais federais e mais de 600 mil policiais
militares e civis no Brasil. Precisamos integrar essas forças e não agir de
maneira fragmentária ou dividir esses esforços.
São Paulo x Rio
Lincoln Gakiya destacou a diferença estrutural entre
o PCC em São Paulo e as facções do Rio de Janeiro, como o Comando Vermelho.
Segundo o promotor, a infiltração do crime organizado carioca atingiu um nível
crítico.
— O que precisaria haver é uma depuração interna das
instituições e, em seguida, uma retomada do território, precedida de
inteligência para não punir o cidadão que mora nas comunidades carentes —
afirmou.
Para Gakiya, o PCC hoje alcançou um nível empresarial
e transnacional que o distingue das facções cariocas.
— O PCC domina toda a cadeia de negócios em
combustíveis, desde usinas e refino até distribuição nos postos e colocação
desses valores no mercado financeiro. No Rio, vemos ainda exploração de venda
de botijão de gás, água mineral, internet e serviços de segurança dos
moradores. O Comando Vermelho ainda não atingiu esse status empresarial que fez
do PCC a primeira máfia do Brasil — concluiu.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário